Para protestar, "indignados" de São Paulo enfrentam frio, polícia e moradores de rua
“Acampa Sampa” parece nome de campanha de turismo para incentivar campings pelo Estado de São Paulo. Mas é a versão paulistana dos "indignados" espanhóis, dos movimentos “occupy” que começaram em Wall Street, em Nova York (EUA), e dos atos públicos da “primavera árabe”.
Desde o último dia 15, o grupo fincou suas barracas no vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, com o viaduto do Chá como marquise. Ao contrário de seus colegas de Nova York, Londres e Madri, eles encontraram por lá uma população fixa: moradores de rua, incluindo muitos menores de idade.
“Quando chove, todo mundo se reúne aqui embaixo do viaduto. Teve menino de rua brigando entre eles. Botaram fogo em uns panos e colchões. Tivemos que conversar e convencê-los a não consumir drogas por aqui”, conta o estudante de história André Mortara.
O grupo de cerca de 150 pessoas que imagina o mundo diferente tratou com diplomacia os visitantes exaltados. “Não podemos reproduzir a repressão do sistema. Temos que explicar nossas propostas. Eles chegam aqui para comer com a gente, mas aqui não é ONG para fazer trabalho assistencialista”, afirma o ativista Diego Torrão, um dos encarregados da “comissão de comunicação”.
Há várias comissões. A comissão de boas-vindas dá informações sobre o movimento aos interessados e regras para quem deseja pernoitar por ali. Em um folheto dado a toda visita, a frase inicial é “a revolução é mundial, começou em Portugal e na Espanha”.
Sinais usados nas assembleias indignadas
A comissão de infraestrutura cuida do gerador à gasolina, da fiação, do fornecimento de água e do material para as barracas. “Vamos ter painéis de energia solar e captação da água da chuva”, entusiasma-se o artista circense Rogério Piva. “Aqui conheci a felicidade. São os melhores momentos da minha vida”, conta ele.
A comissão de segurança mantém sempre oito pessoas circulando com apitos para avisar de alguma ameaça, que pode ser um bêbado, um ladrão ou um policial circulando no território "indignado". Um apito longo é sinal para todos se reunirem. “A guarda municipal foi mais ríspida no começo, querendo que a gente desocupasse, mas, na base da conversa, eles entenderam nosso protesto”, conta Mortara.
Outra comissão é a de arte e cultura. Ela promove shows durante as noites geladas, diversas aulas durante o dia (como a do professor de filosofia da USP Vladimir Safatle) e a produção de cartazes contra o sistema, a TV Globo e a revista Veja (uma comissão dos indignados foi até a entrada da editora Abril, que publica o semanário, para protestar na semana passada).
O que nenhuma comissão interna controla é o clima no acampamento urbano. “De noite é complicado. O sereno não respeita o viaduto. Ele vem de lado e cai sobre a gente”, relata Piva. Já Torrão se queixa da poluição do local: “O ar é muito ruim aqui, o lábio fica até rachado.”
Fomentados pelas redes sociais, esses movimentos se alastraram pelo mundo, de Hong Kong ao Rio de Janeiro. Inspirações não faltaram: as concentrações da oposição egípcia na praça Tahrir, a vigília dos indignados na madrilena Puerta Del Sol e o camping no coração financeiro do mundo (o “Occupy Wall Strett”). No total, 950 cidades de 82 países viram surgir atos semelhantes.
Enquanto na Europa e nos EUA as manifestações se centralizam na crise econômica, no Brasil o protesto reúne críticas desde a hidrelétrica Belo Monte até a prefeitura local. “Nossa luta é por uma outra globalização. Nosso movimento é por um democracia direta, pela não-violência e sempre apartidário”, define Torrão.
A questão é que ninguém é novato em manifestações, e muitos já desfilaram pelos protestos dominicais na avenida Paulista. Todos os entrevistados evitam falar sua origem militante, como uma orientação geral. Mas há integrantes do movimento estudantil, de partidos como o PSOL, de grupos indígenas, sem-tetos, punks, hippies e rappers, além de representantes do Anonymous, grupo que ganhou visibilidade ao invadir sites de governos e empresas.
Mas, afinal, qual é a proposta? Os indignados falam que estão vivendo “um laboratório”, “equilibrando as igualdades” e “esquecendo as diferenças”. Eles querem uma democracia com mais votações populares, plebiscitos e referendos. E é isso que eles vivenciam no viaduto do Chá.
Um de seus panfletos define isso: “Participem de nosso acampamento, todo dia temos assembleias populares, onde todos dão sugestões e levantam problemas. Discutiremos grandes causas nacionais, votando cada proposta apresentada, mostrando que somos muito melhor do que os políticos, que não nos representam.”
A poucos metros da utopia sob as lonas das barracas, no mesmo vale do Anhangabaú, uma dezena de funcionários do Poder Judicial faz seu protesto específico. Eles querem aumento salarial. Nada mais.
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