Leia a transcrição da entrevista de Nelson Breve à Folha e ao UOL
Nelson Breve, diretor-presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), participou do programa "Poder e Política - Entrevista", conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 24.fev.2012 no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha.
Leia a transcrição da entrevista e assista ao vídeo:
>>Fotos da entrevista com Nelson Breve.
Nelson Breve - 24/2/2011
Narração de abertura: Nelson Breve Dias tem 48 anos. É diretor-presidente da EBC, Empresa Brasil de Comunicação. Assumiu o cargo em novembro de 2011, substituindo Teresa Cruvinel.
Nelson é jornalista pela USP. No governo Lula, foi secretário de imprensa da Presidência da República. Foi também assessor de imprensa do então deputado José Dirceu.
Antes de se tornar assessor, Nelson fez carreira como jornalista de política e economia em Brasília. Trabalhou para veículos como as rádios Eldorado e CBN, a Agência Estado e o Jornal do Brasil.
Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política Entrevista".
Este programa é uma realização do jornal Folha de São Paulo, do portal UOL e da Folha.com. A gravação é sempre realizada no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
O entrevistado deste programa é o diretor-presidente da EBC, Empresa Brasil de Comunicação, Nelson Breve.
Folha/UOL: Nelson, muito obrigado por aceitar o convite. Eu começo perguntando: com quase cerca de quatro anos de existência a EBC conseguiu cumprir a missão de produzir uma política pública, empresa pública de comunicação com independência editorial?
Nelson Breve: A gente está vivendo um processo ainda Fernando. Recentemente veio um consultor da Unesco, ano passado aqui. Quando foi feita uma pergunta semelhante a essa para ele, ele disse: "Olha, o problema é o seguinte, as TVs públicas na Europa, elas começaram antes das TVs privadas. Vocês aqui estão começando 50, 60 anos depois das TVs privadas. E esse aqui não é um projeto para três, cinco anos. Esse é um projeto para 15, 20 anos para ele se consolidar". Então, se ele tem razão, nós ainda estamos no início dessa caminhada. São quatro anos de existência. É um projeto que não é uma TV pública estadual ou uma TV pública municipal. É uma TV pública de âmbito nacional para formar uma rede pública de comunicação. Com independência sim, porque independência a lei nos deu, a independência editorial. E temos dependência sim, que é a dependência orçamentária do Tesouro Nacional. É um objetivo que nós temos, nós estamos com o planejamento estratégico em andamento, começou em, mais ou menos um mês, a Fundação Dom Cabral que está nos apoiando, olhando no horizonte de dez anos. Para olhar no horizonte de dez anos nós queremos ver se colocamos como objetivo estratégico a independência inclusive financeira.
Folha/UOL: Do ponto de vista da sustentação financeira a EBC é dependente, obviamente, é uma empresa estatal do governo federal, do orçamento federal. Quanto seria possível imaginar que uma empresa como a EBC poderia produzir e gerar de recursos próprios vendendo seus serviços não só para o governo mas também para a iniciativa privada? Isso é possível?
Nelson Breve: Eu considero possível desde que ela seja reestruturada, pensada, tenha flexibilidade de contratação, porque também você prestar o serviço Hoje nós somos obrigados a fazer concurso público. Então numa época em que tem muito serviço você que ficar contratando funcionário público. Depois, se perde um contrato ou outro, a minha dificuldade de enxugamento é muito grande. Então o que existe é o seguinte: ela tem essa condição. E não só na prestação de serviço, mas na captação. Nós produzimos conteúdo de qualidade. Nós acreditamos que temos condição de captar muito mais do que estamos captando hoje. E temos também uma contribuição, que hoje não chega à EBC porque há um recurso. Foi criada na lei, contribuição de fomento à comunicação pública, é uma parcela do recurso do Fistel, dos recursos do Fistel, que as companhias de comunicação pagam e que há um recurso na Justiça e está sendo depositado em juízo e portanto a gente não tem acesso a esse recurso. Há possibilidade sim de ela ter, com planejamento, com gestão responsável, ela tem condições de ser independente do tesouro nacional, sim, eu tenho convicção disso.
Folha/UOL: O que é captação? Quando se fala em captação é o que exatamente?
Nelson Breve: É apoio cultural a programas, publicidade institucional de empresas ou de governos etc. E tem um terceiro que é... não me lembro uma outra fatia, uma outra nomenclatura, mas dentro desse espírito, de patrocinar os conteúdos da televisão e das rádios da EBC.
Folha/UOL: A legislação hoje ainda proíbe que emissoras públicas tenham comerciais como têm as emissoras privadas. Elas só podem ter os patrocínios e os apoios. É isso?
Nelson Breve: É. Só. Porque a gente não pode fazer propaganda comercial. Esse é o único tipo de publicidade que a gente não pode ter. Coisas que sejam para estimular as pessoas a comprar coisas. Agora, a marca de uma empresa ou de uma organização, de uma instituição, essa marca nós podemos... Nossa lei permite...
Folha/UOL: Que se venda o espaço ali por essa veiculação...
Nelson Breve: "Patrocínio" é o nome que eu [tinha esquecido]...
Folha/UOL: Dos últimos três anos, eu estava olhando, a receita própria, no quadro produzido pela EBC, 2009 foram R$ 33,9 milhões, em 2010, R$ 42,8 milhões e, em 2011, receita própria de R$ 57 milhões. Agora, essas receitas próprias, em geral, são receitas, na grande maioria dos casos, pelo que estou vendo, de serviços que foram prestados ao próprio governo. É isso?
Nelson Breve: É. Aí não está a captação,que acaptação entra no orçamento da Acerp, não como receita própria nossa. É via a Associação Roquette Pinto. Aí o que está incluído? Publicidade legal. A lei diz que toda publicidade que qualquer órgão público faça, aquela publicidade que é obrigatória, por exemplo concurso público, edital, balanços que eles têm que editar, a agência de publicidade que faz essa intermediação com os meios de comunicação era a Radiobrás antigamente, nós passamos a assumir essa função, a EBC que faz. Isso dá uma receita líquida entre aquilo que se recebe e aquilo que se paga para os meios de comunicações em torno de R$ 20 milhões por ano. Então essa é uma receita que já existia antes da Radiobrás e que passou e ela é estável. Nos últimos anos não teve muita diferença. O que tem de acréscimo aí é a prestação de serviços. Por quê? Antes, a prestação de serviços era automática. A Radiobrás era uma empresa do governo e entrava no orçamento. Quando separou a EBC, eu ainda estava no governo, e eu fiz questão de ter um contrato de prestação de serviços, para ter obrigações e responsabilidades. E que fossem transferidos recursos. Prestou o serviço recebe. Não prestou de acordo não recebe. É uma relação profissional. Esse contrato só foi firmado em 2010, no final de 2010, então aí é que começou a crescer mais a receita de prestação de serviços. Porque o grosso da prestação de serviços hoje é a Secom. Esse é o grosso. Por que ainda não houve uma expansão dos negócios? Dificuldade de pessoal e de você contratar pessoas com flexibilidade para executar determinado serviço.
Folha/UOL: No caso da Associação Cultural, Educativa lá, Roquette Pinto, que cuida da produção e de várias emissoras pra a EBC, são mais de mil funcionários. A ideia era que essa emissora depois de três anos cessaria os serviços prestados e a EBC pudesse contratar os seus funcionários próprios. Isso não aconteceu, teve uma extensão de mais dois anos. Quando termina esse prazo? Esse prazo poderá ser cumprido na sua visão?
Nelson Breve: Nós apresentamos uma proposta para prorrogar à Presidência da República, a Casa Civil, e o Ministério do Planejamento também, porque é quem gere as empresas estatais. No nosso caso a gente presta um serviço público, mas a EBC é uma empresa estatal. Então o que nós acertamos com eles é um cronograma para que a gente, número um: nós podemos aumentar o quadro da EBC por concurso público até um determinado limite para suprir esses serviços que hoje são prestados por esses funcionários até o limite financeiro do contrato de gestão. Tem que no máximo empatar o custo financeiro que tem hoje para a gente absorver esses serviços. E é no máximo no prazo de dois anos. E nós estamos sendo cobrados para ter um cronograma, ele vai ser acompanhado a cada seis meses pela área que cuida das empresas estatais no governo, ele vai ter um acompanhamento para que a gente preste contas de que estamos determinados a fazer isso, temos negociado com a Acerp isso e com o próprio conselho administrativo da Acerp. Temos tido todo o apoio necessáriopara isso. Não é uma coisa fácil, porque nós estamos falando de funcionários que trabalham há 30 anos no serviço público, principalmente aqueles no Rio de Janeiro. Então não é uma coisa simples, mas nós vamos tratar com todo o cuidado que isso deve ser tratado, mas da forma correta. Nós vamos precisar fazer concurso, nós já temos um concurso, ele foi pensado para absorver, primeiro, funcionários temporários que a gente foi contratando, depois prorrogamos. Agora o prazo final é 30 de junho. A gente tem que substituir esses funcionários temporários e precisamos também absorver já de cara nesse primeiro semestre uma fatia grande, grande eu não diria, mas uma boa fatia, desses funcionários da Acerp por meio de concurso que a gente já fez e está na fase final. E podemos até vir a fazer um novo concurso já pensando num outro perfil de profissionais que são específicos do Rio de Janeiro.
Folha/UOL: Nelson, hoje qual é o principal gasto da EBC? É a folha de salários?
Nelson Breve: Folha de salários é o principal gasto. Em torno de R$ 180 milhões aproximadamente.
Folha/UOL: Isso seria quantos por cento do orçamento total da EBC executado?
Nelson Breve: Mais de 40%, menos de 50%.
Folha/UOL: Entre 40% e 50%. E o segundo maior é o quê? É o operacional?
Nelson Breve: Salvo engano, o dado, se a memória não falha, é 42%. E isso já foi menor. Já tivemos orçamento maior, o orçamento teve restrições no ano passado [2011].
Folha/UOL: No ano passado, o orçamento executado foi de quanto?
Nelson Breve: Foi de R$ 424 milhões. E no ano anterior [2010], R$ 474 milhões. Então nós tivemos uma redução no executado de R$ 50 milhões no ano passado.
Folha/UOL: A TV Brasil, embora esteja presente em vários lugares, ela não tem canais abertos em Estados importantes da federação, como São Paulo e Minas Gerais.
Nelson Breve: Não. A gente tem canal aberto.
Folha/UOL: Canal aberto em VHF.
Nelson Breve: VHF não.
Folha/UOL: Onde a maioria das pessoas... Entre o canal 2 e 13, onde a imensa maioria da população acaba assistindo TV ainda no Brasil.
Nelson Breve: É... onde a gente gostaria de estar. É verdade, é verdade.
Folha/UOL: Nesses Estados é mais difícil o acesso da população à TV Brasil. Por que existe isso? Existe pretensão da TV Brasil de ter acesso no dial da TV ou não?
Nelson Breve: Acho que agora a gente tem que pensar muito é na TV digital. A TV digital vai toda para o UHF né. Se a gente for pensar para frente, isso não é uma diferença muito grande. Mas, ao mesmo tempo... Nós somos cobrados diariamente para a gente ter mais audiência. E evidentemente esse é o seguimento da TV aberta onde tem maior audiência. Porque até você chegar no canal 61, 62, o telespectador já parou muitas vezes em vários canais.
Folha/UOL: Por isso que eu ia perguntar. Por conta dessa audiência. Se fala muito que a TV Brasil tem uma audiência muito baixa, depois de alguns anos já de existência e não consegue melhorar esse percentual de audiência.
Nelson Breve: Aí tem vários fatores. Não houve uma grande divulgação, a população não tem muito conhecimento da própria programação, o que tem, como vai ser, o que precisa melhorar. Até a questão de sinal. E tem essa dificuldade de a gente não estar no VHF. Em São Paulo, por exemplo, não tem espectro no VHF para a gente entrar, está tudo tomado.
Folha/UOL: No caso da audiência, por exemplo, há um investimento grande da EBC nos seus produtos jornalísticos. Há um telejornal. Qual é a resposta em termos de audiência para os produtos jornalísticos da EBC?
Nelson Breve: Eu até diria que nos produtos jornalísticos, o investimento é menor. O maior investimento nosso são nos produtos culturais e educativos, que são desde os programas que nós fazemos e tal. Se for pensar em retorno, hoje nós estamos fazendo um investimento ainda. Você sabe o quanto demorou para você chegar a ter a credibilidade que você tem, lá do início quando você era foca. Nós [a EBC] somos os focas do jornalismo hoje. Estamos começando há quatro anos. Então jornalismo é credibilidade, você tem que ir construindo a credibilidade ao longo do tempo. E televisão você tem que cativar, surpreender e depois fidelizar. Isso é um processo longo. Assim, a TV Globo demorou para chegar onde ela chegou. É um processo. Nós estamos fazendo um investimento na credibilidade. Estamos procurando fazer um jornalismo equilibrado, correto, sem partidarismo, sem exageros de lado a lado, portanto é esse o investimento que estamos fazendo. Portanto se for pensar em termos da média das praças onde a gente está, o nosso telejornalismo está na média da nossa audiência dessas três praças. Ele não está abaixo da média.
Folha/UOL: Seria qual a média?
Nelson Breve: Se a gente for pensar...
Folha/UOL: Rio de Janeiro, por exemplo.
Nelson Breve: Rio de Janeiro. Se a gente for pensar em audiência, lembrando sempre que isso aí não é share. Audiência hoje nós estamos perdendo, a radiodifusão como um todo, as televisões estão perdendo muita audiência para outros meios. Mas, se formos pensar em termos de audiência, nossa audiência no Rio de Janeiro chega em torno de 0,4. Chega a dar um do share, pouco mais de um. No Distrito Federal é 0,3. E em São Paulo é 0,1. Isso é na média, nós estamos falando de 7h da manhã às 2h da manhã. Só não pega madrugada. A média, o ano inteiro, todos os dias. Nós estamos programas que têm audiência. O nosso telejornalismo, ele alcança às vezes 1% de audiência. Audiência, não é o share. Seria mais.
Folha/UOL: Ainda em cima do jornalismo, eu estava olhando o quadro de pessoal permanente da EBC. Jornalistas: são 163 no Distrito Federal, sete em São Paulo e 27 no Rio. Para uma empresa pública de comunicação que deveria talvez cobrir o Brasil todo nesse caso não há uma assimétrica na distribuição de jornalistas? Ainda sobre isso, porque a EBC agora anunciou que vai contratar correspondentes em todos os continentes. Mas ela não tem ainda jornalistas nos 10 principais Estados.
Nelson Breve: É verdade. Mas aí a gente supre com os acordos que a gente têm com as emissoras locais. Nós temos acordos, eles produzem material para o nosso telejornalismo e a gente aproveita o material de várias dessas TVs educativas com quem a gente tem acordo. Educativas e universitárias. Então só para voltar para a questão: tem muitos jornalista que não é o jornalista da parte pública que nós administramos. São os jornalistas que prestam serviços ao governo federal. Há uma divisão dentro da empresa. Uma área chamada EBC serviços que ela cuida da parte de prestação de serviços. Esses jornalistas eles cuidam da prestação de serviços, são aqueles que acompanham as viagens presidenciais, ministérios etc. Aí nós estamos falando também do seguinte: havia uma concentração que era necessária porque a Agência Brasil – nós estamos falando de televisão, rádio e agência de notícias- ela tinha uma quantidade de jornalistas porque tinha setoristas em todos os lugares. A cobertura forte dela era em Brasília. É necessário ter uma reformulação. Por isso,hoje, a nossa maior preocupação é o planejamento estratégico para a gente ter um horizonte. Só para esclarecer: a gente gostaria de ter correspondentes próprios no Brasil inteiro. Mas hoje, por questões orçamentárias, a gente não está fazendo esse tipo de investimento no momento, porque a gente tem as parcerias que a gente está fazendo com acho que 14 emissoras, que nos dão conteúdo para o nosso telejornalismo.Às vezes não é aproveitado, tem problema de qualidade, tem várias outras questões.
Folha/UOL: Não seria melhor talvez priorizar a cobertura nacional para depois partir para a internacional?
Nelson Breve: Eu até concordo com você. Mas o que acontece é que havia dois lugares que eram importante ter porque fazem parte da nossa missão. América Latina, com uma correspondente na Argentina, e África, que é uma coisa muito simbólica: a TV Brasil se diferenciar por ter um correspondente na África. O primeiro correspondente que a África passou a ter foi o nosso. Depois teve o da Record. Por causa da Copa na África do Sul, também teve o da Globo que ficou muito tempo. A Folha mandou o Zanini [Fábio Zanini] que foi para lá e ficou muito tempo, se especializou inclusive, virou até editor internacional. Então a África era muito importante para nós simbolicamente. Então ter os outros eu gostaria de ter nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia etc. O que nós dissemos ao conselho curador foi que nós gostaríamos de ter, não sei se vamos ter recursos para isso. Não é que seja nossa prioridade. Nós gostaríamos de ter correspondentes. Por que gostaríamos de ter? Gostaríamos de estar acompanhando as eleições nos Estados Unidos com correspondente próprio, na França com correspondente próprio, na Venezuela com correspondente próprio. E a gente não tem hoje esses recursos. Se conseguirmos, vamos ver como vai ficar o nosso orçamento para esse ano. Mas concordo com você. Deveríamos priorizar mais por aqui.
Folha/UOL: Falando sobre prioridades, não só em jornalismo mas em produtos culturais, neste ano algumas rádios da EBC transmitiram os desfiles de carnaval do Rio. A TV Brasil também já cobriu Carnavais de Recife e Salvador. Esses eventos que fazem amplamente parte da cultura brasileira, eles são amplamente noticiados pelas TVs privadas. E são coberturas que imagino que sejam caras. Será que a EBC faz correto ao priorizar a cobertura desses eventos e não fazer outro tipo de produção?
Nelson Breve: A primeira vez que foi uma cobertura mais robusta que foi feita realmente, ninguém fazia cobertura como foi feita. De cobrir lá o maracatu, boi do Maranhão, o frevo lá em Recife. E também em Salvador. Hoje a Bandeirantes já está suprindo isso. Está cobrindo bem essa questão. Mas o primeiro foi lá. Nós estamos realmente pensando. Depois não teve mais grande cobertura. Nós temos parceria com a TV Educativa da Bahia que é nossa parceira. Eventualmente a gente manda uma equipe que vai fazer flashes do Carnaval. Não é mais a cobertura de fazer as transmissões.
Folha/UOL: Até porque competir com as TVs privadas nesse caso é muito difícil.
Nelson Breve: Não é competir. Era um produto diferencial que nós estávamos passando para todo o Brasil de Carnavais que nem sempre apareciam em todo o Brasil. Havia uma predominância de Carnavais de São Paulo e do Rio. Outros passaram a fazer isso também. Então achamos, concordando com você, que já não tem essa necessidade de a gente estar suprindo essa necessidade que já está suprida por outras empresas. A gente tem que entrar naquilo que não estão fazendo ou naquilo que a gente acha que deveria fazer diferente. Futebol.Você poderia falar que todo mundo transmite futebol. Mas aRádio Nacional tem uma história com futebol, né? E continua com um esforço cobrindo os times do Rio. Não é uma grande cobertura, mas ela tenta fazer o que? Cobrir futebol e passar cidadania, que é uma forma diferente, não é vender produto, não é vender cerveja, não é vender carro. É cidadania. É isso que a gente pode fazer diferente, mesmo cobrindo as mesmas coisas que uma TV comercial.
Folha/UOL: Ainda sobre conteúdo, em 2011 o conselho da EBC discutiu a exibição de cultos religiosos por veículos da empresa. Esses programas hoje como são tratados? Estão na programação, qual é o critério de escolha?
Nelson Breve: A lei da EBC veda o proselitismo, qualquer que seja. E houve reclamação de telespectadores de que esses programas seriam programas que praticariam proselitismo. O conselho curador analisou, fez audiências públicas e chegou à conclusão de que: número um, era preciso haver pluralidade em relação às confissões religiosas existentes no Brasil; dois, que essa pluralidade deveria ser expressa na forma de programas mais jornalísticos sobre as religiões, não na apresentação de cultos. E pediu que a EBC apresentasse uma proposta. E disse: "olha, se não houver uma proposta em seis meses esses programas têm que sair do ar". Tivemos problemas e nossa proposta saiu muito em cima do prazo de vencimento. Queríamos um prazo maior e aí não foi possível. Houve contratempo...
Folha/UOL: Isso foi quando?
Nelson Breve: Foi em agosto ou setembro do ano passado [2011]. E aí as igrejas entraram com uma liminar. Uma ação na Justiça e conseguiram uma liminar. Hoje esses programas... Hoje não, porque o conselho curador suspendeu a decisão na reunião de dezembro. Mas ficou... Esses programas ficaram mantidos por ordem judicial. E aí o conselho curador decidiu o seguinte: "vamos aí tentar fazer uma composição para ver como é que a gente trabalha isso de forma a não ferir a lei da EBC e de forma também que a gente compreenda as questões tradicionais.
Folha/UOL: Os programas continuam sendo transmitidos?
Nelson Breve: No momento estão.
Folha/UOL: Quais são eles?
Nelson Breve: São missas no Distrito Federal, no Maranhão e no Rio de Janeiro.
Folha/UOL: Missas da Igreja Católica?
Nelson Breve: Da Igreja Católica. E um programa da Igreja Batista que é feito no Rio de Janeiro.
Folha/UOL: Todos esses são produções das igrejas que os entregam prontos, empacotados e a TV transmite? Como funciona?
Nelson Breve: O da Igreja Batista, sim. O da Igreja Católica, não. São produzidos dois em estúdio da TV, no Maranhão e no Rio de Janeiro, e aqui em Brasília, lá na igrejinha, que é a tradicional...Existe desde a fundação de Brasília.
Folha/UOL: E eles todos estão sendo transmitidos por força dessa medida liminar??
Nelson Breve: Medida liminar.
Folha/UOL: E agora o que vai se fazer daqui para frente?
Nelson Breve: Então está prevista uma audiência pública para o próximo dia 14 [de março de 2012] para voltar à discussão desse assunto e a gente ver se encontra uma proposta que seja convergente entre aquilo que determina a lei e a gente também entender as questões tradicionais e ver como é que a gente obedece a pluralidade, o não proselitismo. Sem ferir a tradição que existe e que você sabe que é muito difícil...
Folha/UOL: Na sua avaliação esses programas são adequados?
Nelson Breve: Olha, Fernando, é difícil eu fazer esse tipo de avaliação para você. A questão é a seguinte: eu preciso observar duas coisas. Eu tenho que respeitar a lei. Certo. Então desde que seja respeitada a lei, a pluralidade e a diversidade, aí eu acho que não tem problema. É precisoter um entendimento. Agora, quem faz a fiscalização, se minha programação está adequada, se não está adequada, é o conselho curador. Então ele é que tem a responsabilidade de me dizer...
Folha/UOL: As igrejas pagam para transmitir esses programas?
Nelson Breve: Não pagam.
Folha/UOL: Deveriam pagar talvez?
Nelson Breve: Se eu te dizer que deveriam pagar, fica parecendo que eu estou cobrando elas. Mas a verdade é a seguinte, eu acho que tem que ter um critério de isonomia. Ou seja: eu acho que tem que ampliar a diversidade. É verdade que, diversidade, se a gente for ampliar, um mapeamento que uma produtora fez para a gente [mostra que] em São Paulo existem 80 confissões religiosas diferentes. Então você imagina o que são 80 cultos diferentes...
Folha/UOL: A TV Brasil ia virar uma televisão religiosa.
Nelson Breve: É. Então não é possível. Então [a solução] é tentar conciliar tradições. E essa questão da missa foi discutida também na TV Cultura em São Paulo. O conselho curador decidiu: "Olha, missa é tradição. Está aqui. Não vamos mexer com ela, vamos manter". E está lá até hoje: Nossa Senhora Aparecida, não sei o que, que é padroeira do Brasil, aquela coisa toda. Então assim, há uma certa dificuldade de você lidar com coisas que estão há muito tempo.
Folha/UOL: Mas me diga uma coisa. Na condição de diretor-presidente da EBC, o cenário ideal seria o quê? Que se ampliasse o número de confissões religiosas que estivessem presentes, que teriam um horário isonômico e que seria gratuito o acesso para elas? É isso ou não?
Nelson Breve: É. O que seria ideal para nós seria uma coisa isonômica, que atendesse a todas. E um programa...
Folha/UOL: Mas a todas é impossível, não é?
Nelson Breve: Sim, mas eu posso atender igualmente, mas na proporcionalidade aqui demográfica brasileira. De acordo com a proporcionalidade das religiões. Posso dizer que uma eu tenho um programa semanal, a outra pode ser quinzenal. Pode ser um rodízio etc. Mas seria muito importante eu ter um programa que falasse das confissõesreligiosas, colocasse as questões, contasse a história das religiões, que fosse um programa mais documental-jornalístico. Então eu acho que isso prestaria um serviço público... Eles chamam isso nas TVs públicas lá da Europa, que também transmitem programas religiosos, eles chama de assistência religiosa... como é que é? Serviço religioso. É o serviço religioso é a transmissão da missa ou é a transmissão de um culto. E assim é chamado lá. Então é o seguinte, se entendermos, e quando falo entendermos não é a direção da EBC. Porque assim quem tem que zelar, a missão de zelar pelo conteúdo é do conselho curador. Ele é que vai ter que nos dizer se está adequado ou se não está adequado.
Folha/UOL: E o conselho vai se pronunciar sobre isso quando?
Nelson Breve: Não, eu não sei se foi fixado um prazo. Eles suspenderam a decisão para fazer audiências públicas, rediscutir a questão e fazer um acordo.
Folha/UOL: Haverá audiências públicas a partir deste ano?
Nelson Breve: Está marcado para dia 14 agora uma audiência pública. Eu não sei se vai ter mais de uma ou não.
Folha/UOL: Com quem? Representantes das religiões?
Nelson Breve: Representantes das religiões evidentemente.
Folha/UOL: Perante o conselho?
Nelson Breve: É uma audiência pública do conselho. O conselho recebe os representantes ea sociedade em geral.
Folha/UOL: Quantas igrejas foram convocadas?
Nelson Breve: Não fizemos a convocação ainda, mas todas. Vamos ter que convocar todas.
Folha/UOL: E daí seriam ouvidos os representantes dessas religiões e o conselho vai tomar uma decisão. Mas pelo que estou entendendo aqui a tendência é ampliar esse espaço para haver uma representação mais plural das religiões na programação da EBC é isso?
Nelson Breve: Isso no limite do possível. O importante é fazer isso com diálogo, compreensão e tolerância. É isso que a gente precisa.
Folha/UOL: Mas ter mais religiões, além da Batista e da Católica?
Nelson Breve: Acho que é importante. As religiões afro tiveram uma questão da discriminação das religiões afro que acho que era importante ter também programas que as representasse. Também budismo, judaísmo etc. Acho que isso a gente tem outras religiões que também precisariam ter algum tipo de espaço, respeitando a legislação em relação ao proselitismo.
Folha/UOL: "Voz do Brasil": a EBC produz, presta um serviço ao governo e produz o programa que é transmitido, "Voz do Brasil", a partir das 19h. A extinção da "Voz do Brasil" ou a flexibilização de horário da "Voz do Brasil" afetariam a EBC?
Nelson Breve: Não. Em nada. Porque é o seguinte: nós somos um prestador de serviço. Pro governo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público...
Folha/UOL: Vocês fazem toda aquela hora, aqueles 60 minutos, para os Três Poderes?
Nelson Breve: Não. Tem uns que vêm pronto dos poderes. A gente faz do Poder Executivo, os demais vêm prontos. Aí é feita a edição e a gente faz a transmissão. Então a gente tem o custo de transmissão da operação toda e de produção de parte do conteúdo. O resto é de responsabilidade dos Poderes.
Folha/UOL: Isso é um contrato que a EBC tem com o governo?
Nelson Breve: Está incluído no nosso contrato de prestação de serviços ao governo. A responsabilidade por isso é do governo federal.
Folha/UOL: Qual é a sua opinião sobre a "Voz do Brasil"?
Nelson Breve: Posso te falar? Eu vou contar uma história. Eu trabalhei na Rádio Eldorado no momento em que a Rádio Eldorado, que é do Grupo Estado de S. Paulo, fazia uma campanha contra a "Voz do Brasil". Num determinado momento, nos pediu para fazer uma enquete ali na avenida Paulista, na avenida Faria Lima. E a gente achava que ali em São Paulo na avenida Paulista, Faria Lima ia ser esmagadoramente contrário. Deu meio a meio. Num grande centro. Metade a favor da obrigatoriedade da "Voz do Brasil". Se você for para o interior as pessoas mais ainda, é uma tradição. É uma coisa que há muito tempo existe e as pessoas estão acostumadas. Houve um momento em que tinha mais propagandas propriamente do que informação. Hoje se você ouvir a "Voz do Brasil" é muita informação que existe. E assim, pluralidade, porque quando tem o espaço do Poder Legislativo, tem pluralidade de opinião. Isso eu acho que é relevante. É importante para a população? Eu acho que tem que perguntar para a população.
Folha/UOL: Não seria o caso de flexibilizar o horário de transmissão pelo menos?
Nelson Breve: Há um projeto em discussão no Congresso Nacional. Até onde eu sei acho que em alguns casos é relevante a flexibilização. Há uma discussão que é o seguinte: tem um horário que é ruim por conta da prestação de serviço hoje nos centros urbanos, por causa do trânsito etc. Agora, há também um interesse comercial de passar futebol, coisas de interesse...
Folha/UOL: Agora, não é só comercial. As pessoas querem ter acesso ao futebol nesse horário. Também é um tipo de informação. Não é só o interesse comercial, né?
Nelson Breve: É. Sim... Eu acho que você pode ter razão. Mas o que eu estou querendo dizer é o seguinte: tem duas coisas. Tem a prestação de serviços. Tem uma luta pela prestação de serviços e tem uma luta pelo interesse comercial que eu chamo, que você está dizendo pelo interesse do cidadão, pode ser também. Acho que era importante perguntar para ele [o cidadão]. Eu até hoje não vi nenhum pesquisa de âmbito nacional perguntando para as pessoas se elas querem ou não a continuidade da "Voz do Brasil" como obrigatória.
Folha/UOL: A EBC por meio de seus veículos noticiou as recentes quedas de ministros no governo da presidente Dilma Rousseff, como várias emissoras, veículos, jornais noticiaram. Mas não há notícia até agora de que o departamento de jornalismo da EBC tenha feito alguma grande investigação a respeito da administração pública. A natureza do trabalho jornalístico da EBC impede que os seus jornalistas trabalhem neste tipo de investigação.
Nelson Breve: Olha, eu não impeço, se você perguntar para mim. Mas eu vou dizer o seguinte: departamento de jornalismo é responsabilidade do diretor de jornalismo. Por quê? Eu sou uma empresa que eu tenho uma relação tanto da parte governamental da prestação de serviço para o governo, quanto com a parte pública, seja da área de jornalismo, seja da área de rádio, seja da área de produtos artísticos etc. Então eu tenho que estar numa posição em que eu não interfira na parte editorial. Então isso é uma questão do diretor de jornalismo, no caso da diretora Nereide Beirão. Você pergunta para mim: "Você gostaria que a EBC fosse mais investigativa?". Eu gostaria que fosse. Investigação total. Que tivéssemos mais, que a gente... A questão... Você sabe disso porque você foi um cara que batalhou muito pela Lei de Acesso a Informação. A questão está no direito de as pessoas saberem. Esse é um direito que é universal. Elas têm o direito de terem acesso às informações e saberem o que está acontecendo. Se as informações têm distorções, são erradas etc isso é um problema de credibilidade de cada veículo, cada um. Você tem que fazer as coisas corretas. Agora, eu acho que é o processo de construção da confiança. A gente precisa, estamos construindo uma empresa. Existem passos a serem dados. E se eu pudesse sonhar um dia, eu sonho um dia uma empresa que possa fazer aqui no Brasil o que a BBC faz lá na Inglaterra. O que a PBS faz nos Estados Unidos.
Folha/UOL: Por que a imagem da EBC ainda é a de uma emissora, rádio etc de jornalismo só chapa-branca?
Nelson Breve: Eu acho que tem duas razões. Primeiro, porque é o histórico. Nós herdamos uma parte do que era uma emissora estatal, ou chapa-branca, como é apelidada. E herdamos uma parte que já fazia comunicação pública, que é a TVE do Rio, a rádio MEC já faziam comunicação pública. Então nós estamos num processo de mudança cultural interna. Planejamento estratégico que eu te falei, a Fundação Dom Cabral nos apoiando para fazer esse planejamento, para a gente encontrar identidade, saber onde é que a gente quer chegar daqui 10 anos. E temos uma área que presta serviço ao governo. Então é o seguinte, eu gerencio ao mesmo tempo todo um complexo de comunicação pública, mas também gerencio a Voz do Brasil, gerencio a NBR que é a TV do governo federal, que passa lá tal as coisas etc. Até presta um serviço público relevante para colocar ao vivo, sem edições, sem cortes, as solenidades etc, as coisas do governo. Então há um problema de identidade que precisa ser solucionado. O fato de ter vindo essa parte de prestação de serviços do governo federal entendia-se que era uma forma de a EBC construir uma prestação de serviços e conseguir receita própria para ter independência.
Eu estive com o presidente da Câmara Municipal de São Paulo [José Police Neto] na semana passada. Ele quer que a gente opere a televisão deles. Ele é do PSD [Partido Social Democrático, fundado em 2011 por dissidentes do DEM, partido adversário do PT no plano federal], entendeu? E daqui a pouco vai ter outro de qualquer outro partido. Então eu só não tenho condições hoje de assumir isso daí. Já outros governos já pediram para a gente operar outro tipo de coisa. A gente só não tem a estrutura necessária hoje.
No momento, se eu conseguir alcançar a estrutura de ter uma prestação de serviços, de ter flexibilidade para contratar etc e tal e gerenciar bem a prestação de serviços mais ampla e mais plural eu acho que essa imagem [atrelada ao governo federal], ela vai ficar.
Se eu não conseguir [a estrutura], eu acho que essa parte que é estatal, ela deve ser devolvida ao Poder Executivo, para que ele tenha uma estrutura de comunicação estatal. E a parte pública [da EBC] tenha independência. Ou seja: se liberte dessa parte estatal e fique fazendo só comunicação pública. E aí é mais fácil construir a imagem de comunicação pública.
Folha/UOL: Ou seja, enquanto estiver operando essa parte puramente estatal vai ser difícil de se livrar da imagem?
Nelson Breve: É mais difícil. É mais difícil.
Folha/UOL: No horizonte de anos, você imagina que quanto tempo vai ser necessário para que isso ocorra?
Nelson Breve: Olha, vai depender do processo. Se eu disser o seguinte... Eu sei que muita gente, o próprio conselho curador [da EBC] acha isso e nós... O planejamento estratégico aponta isso como um dos grandes problemas que a gente tem para enfrentar nos próximos anos. Eu espero que a gente consiga vencer isso. Seja de um lado, ou conseguindo a flexibilidade. Porque, assim, eu estive também com João Sayad [presidente] da TV Cultura, estamos querendo fazer parcerias, programas juntos. Então no momento em que eu consiga fazer parcerias com uma TV como a Cultura, que hoje é administrada, tem conselho curador, tem independência econômica etc e tal, mas tem um vinculo com um governo que é governado por um partido que está na oposição ao governo federal... No momento em que você consiga transitar de forma mais plural, ampliando o seu serviço para outras áreas, eu acho que isso pode ser entendido como um serviço publico que você presta. Mesmo fazendo comunicação estatal, mas para diversos governos de diversos partidos.
Folha/UOL: Nelson Breve, muito obrigado por sua entrevista.
Nelson Breve: Eu que agradeço.
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