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Relator vota pela condenação de quatro réus do Banco Rural por gestão fraudulenta

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

03/09/2012 15h59Atualizada em 03/09/2012 18h01

O ministro Joaquim Barbosa, relator no julgamento do mensalão, votou pela condenação dos réus Kátia Rabello, Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, todos funcionários do alto escalão do Banco Rural na época do mensalão, por gestão fraudulenta de instituição financeira. Barbosa concluiu seu voto sobre os quatro réus, que estão no item 5 da denúncia, nesta segunda-feira (3), em sessão no STF (Supremo Tribunal Federal).

O relator iniciou seu voto sobre os quatro réus na quinta-feira (29), quando já havia afirmado que os empréstimos do Banco Rural às agências de Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores (PT) foram fraudulentos. Agora, o revisor Ricardo Lewandowski começará a ler se voto sobre os mesmos réus.

Kátia Rabello era presidente do banco; Ayanna Tenório, ex-vice-presidente; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional; e Vinícius Samarane, ex-diretor estatutário e atual vice-presidente. Os quatro são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas --exceto Ayanna Tenório, que é acusada apenas dos três primeiros delitos. O relator votou apenas no que diz respeito à gestão fraudulenta, deixando para outro item de seu voto o parecer sobre os demais crimes.

Segundo a Procuradoria Geral da República, autora da denúncia, o Banco Rural disponibilizou R$ 3 milhões para o PT e outros R$ 29 milhões para agências do empresário Marcos Valério, por meio de empréstimos fraudulentos, para financiar o "valerioduto" --que teria sido usado para comprar o apoio de parlamentares aliados no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O advogado Frederico Figueiredo, professor de processo penal da EDB (Escola de Direito do Brasil), que acompanhou na redação do UOL o julgamento do mensalão de hoje, afirma que o relator apontou uma série de fraudes cometidas pelos quatro réus do Banco Rural, indicando "sua disposição em considerar que o núcleo financeiro participou de uma organização criminosa maior, relacionada tanto com os políticos acusados quanto com o dinheiro de origem pública".

Fraudes

Nesta segunda (3), Barbosa procurou desconstruir a versão das defesas dos réus, que, em linhas gerais, sustentaram que eles não tinham poder para aprovar os empréstimos. O ministro citou relatórios de peritos e outras provas que, segundo ele, demonstram a participação de todos os réus nos empréstimos.

Um dos relatórios periciais citados mostra que transações bancárias não foram comunicadas ao Banco Central e houve discrepância nos valores declarados das operações para omitir o real risco delas. "As operações da SMP&B e da Grafitti (ambas agências de Valério) com o Banco Rural começaram em 2003, com valores de R$ 19 milhões e R$ 10 milhões", disse.

Barbosa afirmou que os empréstimos foram concedidos pelo Banco Rural sem que houvesse qualquer tipo de garantia, além de não serem compatíveis com a situação financeira das agências. Na operação concedida ao PT, foi demonstrado que o Banco Rural não adotou nenhuma medida de análise de crédito para saber a capacidade de pagar o empréstimo, segundo o relator.

Relator indica mais condenações para núcleo financeiro

O ministro disse que o Banco Central frisou que a alta administração do Banco Rural aprovou os empréstimos sabendo que eram de alto risco e com grande probabilidade de não serem pagos. Barbosa afirmou ainda que “as operações [de empréstimos] foram simuladas”, referindo-se às operações de crédito entre o banco, as agências e o PT.

Segundo Barbosa, diante de tão robusto acervo de provas, não se sustenta a defesa dos réus de que os empréstimos em questão não seriam simulados. Os réus "utilizaram dolosamente de instrumentos fraudulentos", disse o ministro-relator.

O relator afirmou, citando laudos periciais, que as mudanças feitas nos livros contábeis das agências de Marcos Valério possibilitaram ocultar a identificação dos beneficiários dos recursos repassados.

"As falhas de registro e retificações existentes são resultantes de vontade inequívoca do contador e dos sócios, o que caracterizam fraude contábil", diz trecho de laudo citado pelo ministro.

Assim como na sessão anterior do julgamento, o ministro Barbosa afirmou que os peritos cobraram do Banco Rural que apresentasse documentos. O ministro afirma que, no entanto, o banco não apresentou os livros contábeis de 2004 e sumiu com diversas microfichas, incluindo todos os documentos referentes ao segundo semestre de 2005.

"Grupo criminoso organizado"

Segundo o ministro, os crimes no Banco Rural foram praticados numa atuação orquestrada com divisão de tarefas, "típica de um grupo criminoso organizado."

De acordo com análise técnica do próprio banco, os empréstimos envolviam "risco banqueiro" e, portanto, precisavam ser autorizados por instàncias superiores do Banco Rural. Para Barbosa, isso desmonta a tese das defesas de José Roberto e Kátia Rabello.

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  • Arte UOL

O ministro afirmou que Kátia Rabello admitiu que, pelo seu cargo, tinha poder de vetar esses empréstimos, mas que não tinha conhecimento técnico para tal. Ao invés de vetar uma operação de elevadíssimo risco de crédito, Barbosa disse que Kátia Rabello autorizou o empréstimo mesmo sem ter conhecimento técnico.

Assim como Rabello, Ayanna Tenório também afirmou em depoimento não possuir conhecimentos técnicos, mas aprovou empréstimos de risco elevado, segundo Barbosa.

O magistrado afirmou que as ressalvas apresentadas pelos analistas de crédito do próprio Banco Rural sobre a possibilidade de dar empréstimo para as empresas de Valério foram “todas ignoradas pelos réus.”

Barbosa rejeitou as alegações da defesa de José Roberto Salgado --feita pelo advogado Márcio Thomaz Bastos--, que sustentou que o réu não tinha poder para aprovar empréstimos.

O ministro afirmou que, apesar de ser diretor de câmbio, Salgado atuou também como diretor executivo entre 2000 e 2004, o que permitia que seu cargo também incluísse o poder de definir a quem, quando e como fazer empréstimos.

Segundo Barbosa, também Ayanna e Samarane eram responsáveis por acompanhar se as transações estavam em conformidade com o Banco Central.

Barbosa afirmou que os réus utilizaram mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado dos empréstimos por meio de renovações dos empréstimos, para que o pagamentos não ficassem atrasados, e pela incorreta classificação do risco das transações, além de desconsiderar o crédito dos mutuários e não observar normas e análises técnicas e jurídicas do próprio banco.

Outra tese da defesa de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado é que eles não poderiam ser responsabilizados pelo crime de gestão fraudulenta porque não teriam participado da renovação dos empréstimos fraudulentos. Segundo Barbosa, isso contraria o que foi atestado pelos laudos dos peritos.

O ministro disse que os réus, que tinham autonomia para vetar a renovação dos empréstimos, mudaram a classificação dada por peritos para o devedor e a operação. Barbosa citou relatório do Banco Central que a reclassificação não condiz com a própria definição dada pelo próprio Banco Rural ao devedor.

Segundo Barbosa, a defesa alega que a acusação teria ignorado provas, incluindo o depoimento de testemunhas. No entanto, o ministro rechaça essa alegação afirmando que uma prova não tem mais importância que outra e destaca que algumas das testemunhas apresentadas pela defesa têm vínculo de amizade com os réus.

Ainda de acordo com o magistrado, o delito imputado a ele se caracteriza não apenas pela concessão de empréstimos simulados mas também serviu para facilitar a lavagem de dinheiro e a utilização de mecanismos fraudulentos, a exemplo das sucessivas renovações dos empréstimos.

Outro lado

O Banco Rural, por meio de sua assessoria de imprensa, enviou nota na qual diz ter "esclarecimentos" sobre o voto de Barbosa. A nota termina com um link para um site criado exclusivamente para a defesa do banco e de seus executivos: defesa.bancorural.com.br. No topo da página do banco, um texto insinua que o STF trata de maneira política o julgamento da ação penal do mensalão. 

"Um julgamento técnico, apartado das questões políticas, irá demonstrar que os executivos do Banco Rural atingidos pelo processo do Mensalão são inocentes, pois cumpriram a legislação e as normas bancárias vigentes à época", diz o texto no site. Logo abaixo, diz que "quatro pessoas que integravam o quadro de executivos do Banco Rural estão entre os 38 réus que serão julgados no processo do Mensalão (...) O Banco Rural tem convicção da inocência desses profissionais e vem a público contribuir para os esclarecimentos dos fatos".

O advogado de José Roberto Salgado, Márcio Thomaz Bastos, criticou o relator durante o intervalo da sessão. “Ele [o ministro Joaquim Barbosa] afirmou pelo menos cinco vezes que o José Roberto Salgado teria dado um dos empréstimos para a Grafitti e ele não deu. Houve um erro no voto do relator. [O empréstimo à empresa Grafitti Participações, de Marcos Valério] Foi feito pelo [falecido presidente do Banco Rural José Augusto] Dummont e não foi feito pelo José Roberto e este fato foi repetido várias vezes como se fosse uma coisa fundamental, só que é um dado ao contrário da realidade”, completou. 

“José Roberto não fez nenhum empréstimo. Assinar renovação é outra coisa. Empréstimo é uma coisa. Renovação é outra. Renovação é uma tentativa de salvar o crédito, como o do PT que foi salvo (...) e não envolve recurso novo”, disse Bastos.

O defensor de Kátia Rabello, José Carlos Dias, disse que continua otimista. "A minha expectativa é de absolvição. O voto dele [Barbosa] foi no sentido da gestão fraudulenta. Ele cometeu várias imprecisões. Não vou, de público, entrar em detalhes na apresentação do voto dele, mas vamos colocar isso no papel e entregar o memorial para sensibilizar os outros ministros", afirmou. "Ela adotou a causação em todos os seus termos. Ela pode ter errado, mas não de má-fé", disse Dias sobre Kátia Rabello.

Amanhã, a defesa dos réus do Banco Rural deve entregar um memorial rebatendo algumas das acusações aos ministros do STF.

"Novela" e HQ lembram o caso

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Próximos votos

Pela ordem regimental, após o revisor, proferirão os votos sobre estes réus os ministros: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, que, como presidente da Suprema Corte, é sempre último a votar.

O ministro Celso Peluzo, que hoje completou 70 anos, se aposentou do STF e não julgará os próximos réus do processo.

Réus já condenados

Até o momento, a Suprema Corte já condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).

Além de Cunha, foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitários).

As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados.

A única absolvição, até o momento, foi a do ex-secretário de Comunicações do governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.

A pedido do relator, o julgamento vem sendo realizado em partes ou “fatias” para facilitar, na visão de Barbosa, o entendimento dos cenários em que cada um dos réus está inserido nos núcleos e delitos que compuseram o complexo esquema de corrupção que ganhou a denominação de mensalão. 

Pela ordem divulgada por Barbosa, depois do item 5 (sobre gestão fraudulenta) --analisado agora--, serão apreciados os itens 4 (sobre lavagem de dinheiro); 6 (referente a corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula); 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT); 8 (evasão de divisas); e 2 (formação de quadrilha).

Apenas ao final do julgamento dos itens do processo os ministros irão discutir e definir as penas que deverão ser aplicadas aos réus condenados referentes aos crimes cometidos.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37—e, entre eles, há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).

No total, foram denunciados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.

O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo