Thomaz Bastos faz apelo aos ministros do STF: "é um julgamento feito uma vez só"
O advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, vice-presidente operacional do Banco Rural quando o mensalão veio à tona, fez um apelo aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) que julgam o caso, lembrando que, se condenados, os réus não terão como recorrer em outro tribunal. Na semana passada, Bastos e outros advogados de réus haviam pedido o desmembramento do julgamento do mensalão, justamente para que réus sem foro privilegiado pudessem recorrer. O pedido foi negado pelo STF.
“Tenho certeza que cada um [dos ministros] há de julgar com muito cuidado. Não temos duplo grau de jurisdição. É um julgamento de bala de prata, feito uma vez só”, disse, no início de sua sustentação oral na tarde desta quarta-feira (8).
Atualmente, José Roberto Salgado presta consultoria a empresas em Belo Horizonte, mas, na época do mensalão, segundo a Procuradoria Geral da República, ele aprovou a contratação e a renovação de empréstimos fraudulentos para o PT e as empresas de Marcos Valério, incluindo a agência SMP&B.
Denúncia não individualiza ação de Salgado, diz defesa
“Aqui é como se fosse um grande júri, com integrantes extremamente qualificados”, afirmou. “Estamos julgando seres humanos, aos quais são imputados delitos de penas altas, num processo difícil de ser julgado, que tem uma junção artificial de fatos”, acrescentou o ex-ministro.
Também pesa contra Salgado a acusação de que ele teria transferido ilegalmente dinheiro para o publicitário Duda Mendonça –responsável pela campanha eleitoral de Lula– no exterior. Salgado admite, porém, que movimentou recursos que já estavam fora do país. Ele responde por formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
Bastos procurou focar sua argumentação na desqualificação do depoimento da testemunha Carlos Godinho, que era superintendente do Banco Rural na época do escândalo. Segundo o advogado, em mais de 30 depoimentos contidos nos autos, ele é a única testemunha que aponta a participação de Salgado nos empréstimos ilegais ao PT e às empresas do publicitário Marcos Valério.
“A ação [da Procuradoria Geral da República] se baseou no depoimento de uma única testemunha: Carlos Godinho, ex-funcionário do Banco Rural, que foi demitido, que era ocupante de um cargo de terceiro escalão dentro do banco e que acusou para se defender do temor que tinha em ser responsabilizado [pelos ilícitos]”, disse.
O defensor argumenta que o depoimento de Godinho não tem validade em razão de ele ter falsificado um documento em um processo trabalhista no Banco Rural. “É por esta razão que o nome dele desaparece na sustentação oral do procurador-geral [Roberto Gurgel]. Nenhuma vez se fala em Carlos Godinho porque ele é um falsário. Está provado, em uma reclamação trabalhista, que ele falsificou um documento.”
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Bastos afirmou ainda que, em 2003, quando foram feitos os empréstimos ao PT e às empresas de Marcos Valério, Salgado trabalhava como superintendente de câmbio e na área internacional e que não tinha qualquer ligação com o setor que realizada os empréstimos.
Entretanto, segundo a denúncia da PGR, a área de câmbio do banco rural estaria envolvida no suposto esquema por meio da empresa Trade Link, que tinha os mesmos acionistas do banco e fez remessas à conta da empresa Dusseldorf, sediada em um paraíso fiscal nas Bahamas e criada para receber o dinheiro enviado por Marcos Valério a Duda Mendonça.
No terceiro dia dedicado às sustentações orais dos advogados dos réus serão ouvidas as defesas de três pessoas ligadas ao chamado núcleo financeiro do suposto esquema --Vinícius Samarane, Ayanna Tenório, além de Salgado. Também serão feitas as defesas do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e do ex-ministro de Comunicação Luiz Gushiken.
VINÍCIUS SAMARANE
Outro ex-diretor do Banco Rural que é réu no processo é Vinícius Samarane, que respondia pela área de controles internos quando o suposto esquema foi revelado e hoje é vice-presidente do banco. A Procuradoria alega que ele deixou de comunicar às autoridades sobre os saques realizados pela agência de Marcos Valério e as irregularidades nos empréstimos.
Em sua defesa, Samarane afirma que os saques feitos pela SPM&B ocorreram antes de ele assumir cargo de direção e que, por isso, ele não teria alertado o Banco Central sobre a movimentação. Samarane afirma ainda que, com exceção dos dirigentes do Banco Rural, não conhece os outros réus do processo. As acusações contra ele são de formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
AYANNA TENÓRIO
A terceira ré a ter a sua defesa apresentada será Ayanna Tenório, que assumiu o cargo de vice-presidente do Banco Rural no ano de 2004. O Ministério Público entende que ela autorizou a renovação de empréstimos ilícitos para as empresas de Marcos Valério e não avisou o Banco Central sobre as operações suspeitas.
Na época, ela era responsável pela área de recursos humanos do Banco Rural e afirma que votou a favor das renovações dos empréstimos da Graffiti Participações e da SMP&B por formalidade, seguindo orientação de José Roberto Salgado, que votara neste sentido.
Segundo sua defesa, Ayanna passou a ser responsável por avisar o Banco Central sobre movimentações suspeitas somente após os fatos relatados pela Procuradoria. Ela responde por formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro e gestão fraudulenta.
JOÃO PAULO CUNHA
O quarto réu a ter a sua defesa apresentada será o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). A sustentação oral será feita pelo advogado Alberto Toron. Ele ficará encarregado de convencer os ministros do STF de que não procede a acusação de que Cunha foi beneficiado pelo suposto desvio de recursos públicos à agência de Marcos Valério.
De acordo com a Procuradoria, Cunha recebeu R$ 50 mil do esquema para favorecer a empresa de Valério na concorrência pela publicidade da Câmara, quando era presidente da Casa. O procurador-geral, Roberto Gurgel, afirma que a campanha nunca saiu.
O deputado admitiu que sua mulher, Márcia Regina Milanésio Cunha, sacou R$ 50 mil em uma agência do Banco Rural em Brasília, mas afirmou não saber da origem ilícita do dinheiro. Segundo ele, o PT havia enviado a verba para pagar uma pesquisa eleitoral em Osasco, que é seu reduto político.
Cunha já era deputado pelo PT na época das denúncias e foi absolvido no processo de cassação, em 2005. Acabou sendo reeleito em 2006 e 2010 e hoje preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, além de ser candidato à Prefeitura de Osasco (Grande SP) este ano. No processo do mensalão, ele responde por lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção passiva e peculato.
LUIZ GUSHIKEN
A última defesa a ser apresentada hoje será a de Luiz Gushiken, que era ministro de Comunicação do governo federal em 2005. A denúncia apresentada ao STF afirma que Gushiken autorizou Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil à época, a adiantar os pagamentos do Fundo Visanet, que tem como maior acionário o Banco do Brasil, para a agência DNA, de Marcos Valério.
Gushiken afirma, porém, que seu cargo não tinha nenhuma relação com a direção do Banco do Brasil. Além disso, a defesa dele alega que o Fundo Visanet é uma sociedade privada, o que eliminaria o crime de peculato (apropriação de patrimônio público pelo servidor), do qual Gushiken é acusado. Em suas alegações finais entregues aos ministros do STF, porém, a Procuradoria decidiu pedir sua absolvição por falta de provas. Ainda assim, o ex-ministro pode ser condenado pelo Supremo.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fabrício Calado e Guilherme Balza, em São Paulo
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