Empréstimos do Banco Rural a Valério e PT foram fraudulentos, diz relator do mensalão
O ministro-relator Joaquim Barbosa afirmou nesta quinta-feira (30), durante sessão do julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, que os empréstimos feitos pelo Banco Rural para o PT e as empresas de Marcos Valério foram fraudulentos.
Segundo Barbosa, o banco ocultou documentos e omitiu informações para que os empréstimos não fossem descobertos. "O Banco Rural extraviou dezenas de microfichas, balancetes, incluindo todas as do segundo semestre de 2005. Toda a remuneração referente a novembro de 2004 foi ocultada pelo Banco Rural", afirmou Barbosa. "O Banco Rural omitiu livros contábeis e não os conservou como era a sua obrigação."
As afirmações foram feitas durante a leitura do voto do relator sobre o item 5 da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República, que trata dos réus do Banco Rural: Kátia Rabello, ex-presidente; Ayanna Tenório, ex-vice-presidente; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional; e Vinícius Samarane, ex-diretor estatutário e atual vice-presidente. A sessão do mensalão será retomada na próxima segunda-feira (3), quando o relator continua lendo seu voto sobre estes réus.
Os quatro réus são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas --exceto Ayanna Tenório, que é acusada apenas dos três primeiros delitos.
De acordo com a acusação, os quatro réus relacionados ao Banco Rural fariam parte de um esquema de empréstimos simulados usados para lavagem de dinheiro, por meio do uso de mecanismos fraudulentos de renovação de empréstimos fictícios. O dinheiro alimentaria o chamado "valerioduto" --usado, segundo a Procuradoria, para comprar apoio de parlamentares no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a tese da PGR, o banco concedeu empréstimos milionários sem que os clientes dessem garantias suficientes para pagá-los e omitiu os verdadeiros beneficiários dos recursos, obtidos em saques entre 2003 e 2004.
Em sua defesa, representantes do Banco Rural alegam que os empréstimos eram verdadeiros e que não havia indícios de lavagem de dinheiro nos saques efetuados pelas empresas de Valério.
Valerioduto
Em seu voto, Barbosa concordou, por ora, com a maior parte das acusações da Procuradoria. O relator apontou discrepâncias entre os valores que constavam das contas bancárias das agências de Marcos Valério, quando foram feitos os empréstimos junto ao Banco Rural, e os valores que constam no Banco Central.
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Citando perícias, o relator afirmou que a contabilidade apresentada pela agência de propaganda era fraudulenta, e a empresa SMP&B, de Valério, não dispunha de garantias suficientes para obter os empréstimos.
Segundo Barbosa, o Banco Rural não seguiu procedimentos do Banco Central para evitar lavagem de dinheiro e tinha a obrigação de saber que as informações da SMP&B eram inidôneas.
Barbosa citou diversos pareceres dos comitês de análise afirmando que o Banco Rural não dispunha de garantias suficientes para efetuar os empréstimos para as agências de Valério. Segundo o ministro, ao se cadastrar no banco, o publicitário informou ter rendimento de R$ 15 mil, mas não declarou nenhum bem como garantia.
Para obter um dos empréstimos, a SMP&B apresentou como garantia o contrato da DNA Propaganda com o Banco do Brasil, também fraudulento, segundo a acusação. Barbosa afirmou que Marcos Valério, proprietário das duas agências, assinou todos os contratos como avalista dos empréstimos.
O ministro-relator sustentou que o Banco Rural permitia que as agências de Marcos Valério e o PT pegassem novos empréstimos mesmo sem pagar os anteriores, que tinham o prazo para pagamento estendido. De acordo com o ministro, ao renovar os empréstimos, o banco usava a mesma classificação de risco dos contratos anteriores.
Barbosa citou relatório de um analista do próprio banco que apontou que o risco de fazer os empréstimos era muito elevado e que os dados cadastrais não eram atualizados. Um dos laudos citados pelo ministro destaca que um dos empréstimos à agência de Valério foi renovado cinco vezes.
As renovações foram aprovadas por José Roberto Salgado e Ayanna Tenório, afirmou Barbosa. Mesmo com os dados cadastrais e de crédito incompletos, segundo análise contábil de auditor do banco, os empréstimos continuaram a ser renovados, disse o ministro.
Barbosa afirmou ainda que os riscos dos empréstimos eram tão elevados que um dos membros do comitê do banco afirmou que a proposta de renovação de um deles apresentava o "risco banqueiro", sendo necessários os votos de Kátia Rabello e José Roberto Salgado para aprová-los.
Empréstimos ao PT
O ministro argumentou ainda que, no cadastro para concessão dos empréstimos em nome do ex-presidente do PT José Genoíno Neto e do ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, constam apenas cópias simples dos documentos de identidade, sem nenhuma análise de crédito.
O ministro disse que o banco se omitiu ao não observar a deficiência financeira do PT, que na época tinha dívidas de mais de R$ 2,3 milhões. "Tais fatos dão pleno suporte à afirmação da acusação de que os cadastros existentes sequer eram atualizados e eram falsos", disse Barbosa.
Com relação às dez renovações de contrato entre o Banco Rural e o PT, Barbosa ressalta que quase a totalidade delas foi assinada por José Roberto Salgado e duas delas por Kátia Rabello.
As propostas de créditos do PT não foram devidamente analisadas pela ausência de informações financeiras e contábeis, segundo Barbosa, ressaltando que isso "reforça o caráter simulado" dos empréstimos.
O ministro analisou as informações prestadas em interrogatório por Delúbio Soares e José Genoíno, que foram avalistas dos empréstimos feitos pelo PT. Delúbio declarou ter R$ 163 mil e um carro modelo Honda Corolla e Genoíno, uma casa no valor de R$ 120 mil. Ambos disseram que não apresentaram enriquecimento elevado no período.
Segundo Barbosa, o Banco Rural, contrariando as normas do Banco Central e de normativos internos, classificou as operações de crédito do mesmo grupo com riscos diferentes.
O ministro afirmou ainda que a ré Kátia Rabello admitiu que os empréstimos só foram cobrados pelo Banco Rural porque o escândalo do mensalão veio à tona.
Outro lado
Os advogados Marcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias, que defendem, respectivamente, José Roberto Salgado e Kátia Rabello, criticaram o voto do relator. Segundo os defensores, o ministro está descrevendo o crime de gestão temerária, e não o de gestão fraudulenta, que é o delito pelo qual ambos são acusados.
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Gestão temerária ocorre quando é feito um empréstimo com um risco acima do normal. Também é crime, mas com menor gravidade que gestão fraudulenta. "Ele está descrevendo uma gestão temerária. Ele não está descrevendo uma gestão fraudulenta", disse Bastos. "Eu tenho certeza que ele [relator] vai dizer, no fim, que nenhum dos quatro do Banco Rural que fazem parte da denúncia participou da concessão nem do empréstimo da SMP&B, da Graffiti, nem do PT."
Por meio de nota divulgada hoje, a diretoria do Banco Rural afirmou que os empréstimos "foram periciados pela Polícia Federal e considerados verdadeiros. "O valor global dos empréstimos era proporcional à capacidade dos tomadores e correspondiam a menos de 1% da carteira do Rural em 2003."
A diretoria do banco afirma ainda que antes da eclosão do mensalão o banco recusou-se a renovar os empréstimos com as empresas de Valério. Por fim, o Banco Rural afirma que os ex-dirigentes acusados no mensalão "limitaram-se a participar pontualmente de alguns processos de renovação que não implicaram o desembolso de recursos novos pelo banco".
Condenações
Antes de Barbosa retomar a palavra foram condenados o deputado federal João Paulo Cunha, o publicitário Marcos Valério e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz pelos crimes de corrupção e peculato (uso de agente público para desviar recursos). Cunha também foi condenado por lavagem de dinheiro, apesar da ministra Rosa Weber ainda não ter se manifestado sobre este crime.
Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, também foi condenado por peculato e corrupção passiva por todos os ministros da Corte. O réu também foi condenado por lavagem de dinheiro.
Os crimes estão relacionados aos contratos das empresas de Marcos Valério e dos ex-sócios com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil durante a época do suposto esquema do mensalão.
O dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37—e, entre eles, há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).
No total, foram denunciados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.
O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
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