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Fuga de Pizzolato pega parentes de surpresa em Concórdia (SC)

Ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, durante depoimento na CPMI dos Correios, no Senado, em Brasília (DF) - Caio Guatelli/Folhapress
Ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, durante depoimento na CPMI dos Correios, no Senado, em Brasília (DF) Imagem: Caio Guatelli/Folhapress

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Concórdia (SC)

19/11/2013 06h00

Pelos relatos de amigos e parentes, o menino Henrique Pizzolato foi o filho homem mais amado de uma família muito unida. Na adolescência, era católico praticante. Recebeu do pai uma boa educação. Cresceu pela rígida ética de trabalho dos imigrantes italianos dos grotões de Santa Catarina.

Assim, mesmo tendo sido condenado no ano passado no julgamento do mensalão, a notícia da fuga dele para a Itália para escapar da prisão surpreendeu os parentes. Em uma carta divulgada domingo (17), o ex-diretor do Banco do Brasil afirmou que foi para a Itália, onde tentará um novo julgamento.

“Dio mio”, exclamou a tia Mercedes Nespolo, 67, escondendo o rosto com as mãos, na manhã de segunda-feira (18), na varanda de sua confortável casa de madeira na localidade rural de Engenho Velho, nos arredores de Concórdia, a 450 km de Florianópolis.

  • Renan Antunes de Oliveira/UOL

    Vista do Engenho Velho, área rural onde Henrique Pizzolato, nasceu e passou a infância e adolescência

“Que tristeza. A gente ouviu na rádio, ficamos surpreendidos. Parecia ser um caso político daqueles que se ajeita, mas desta vez não foi assim”, disse a tia de Pizzolato.

Henrique passou a infância e a adolescência em Engenho Velho. O pai dele, Pedro Pizzolatto, 85, que grafa o nome com a letra "t" dobrada, é filho de pai italiano, já na primeira geração brasileira, mas nascido em Guaporé (RS).

Ele foi professor da Escola Estadual Básica José Pierezan entre 1954 e 1967. Ali, educou os próprios filhos e toda a criançada da vizinhança, sendo lembrado com carinho pelos antigos moradores.

Engenho Velho é um pequeno paraíso italiano nas encostas do rio Jacutinga. Seu centrinho ainda hoje tem apenas 40 casas em torno da igrejinha e da cooperativa agrícola. Os canteiros das ruas são floridos e parecem extensões dos jardins dos moradores. Paz, sossego, tranquilidade e marasmo podem ser sinônimos em Engenho Velho.

O Henrique criado ali foi o segundo filho, primeiro homem, dos seis do casamento do pai com Odila Ozelame. A mãe morreu quando ele tinha nove, deixando o pai pobre: “Naquele tempo não existia INSS, a gente pagava tudo, ele gastou o dinheiro que tinha com a doença de Odila”, conta dona Mercedes.

Cinco meses depois o viúvo Pizzolatto casou com Élida Nespolo, irmã de Mercedes. Levou junto a criançada e teve mais quatro, um homem e três mulheres. Com as terras da nova mulher, ele foi se recuperando, criando porcos e galinhas para os frigoríficos da região, até arrumar emprego público na prefeitura local.

Trabalho na roça

Dona Mercedes viu o menino Henrique crescer. “Ele trabalhava duro na roça com as irmãs, plantava mandioca, cuidava dos porcos. Nunca fugiu da responsabilidade. O pai dele era muito rigoroso, todos os filhos trabalhavam do mesmo jeito."

A tia conta que o cunhado "educou muito bem os filhos". "Uma vez o Henrique fez uns desaforos para minha irmã numa festa da igreja. O Pedro pegou um espeto e deu uma surra nele. Enquanto batia, ele dizia para o filho: ‘Respeite esta mulher, ela está te criando’, daí pra frente o Henrique passou a chamá-la de mãe”.

Anos depois, a relação com a madrasta melhorou muito. “Quando Élida adoeceu em 2007, Pedro e Henrique estavam no quarto dela no hospital, abraçados, chorando”, lembra a tia. Mais: “O Henrique ajudou muito nas despesas com a Élida”, afirma.

Henrique é o único irmão vivo da família. Celso (de Odila) e Gilnei (de Élida) morreram em acidentes de trânsito. 

Silvana, 40, filha de Élida, é a freira que tem sido mencionada nas reportagens como a que reside na Itália: “Não, a Silvana é minha sobrinha e já voltou, está morando em São Paulo, dirigindo uma escola”, afirma tia Mercedes.

As sete irmãs de Henrique se dividem entre empregos de enfermeiras, professoras, administradoras e secretárias, todas já devidamente blindadas para a aproximação de repórteres perguntando sobre o irmão famoso.

“Ninguém na nossa família é pobre, mas ninguém é rico”, disse o primo Idair Pizzolatto, 54, dono de uma pequena transportadora no distrito de Santo Antônio. “Todos trabalham e todos estão bem de vida, mas somos gente simples” [ele é filho de Ernesto, irmão de Pedro].

Idair lembra de ter trabalhado "na construção de um açude na propriedade do tio Pedro quando tinha 14 anos", no Engenho Velho, na companhia de Henrique.

“Depois daquilo eu não o vi mais. Exceto por uma vez que ele apareceu em Concórdia para dar uma palestra aos funcionários do Banco do Brasil. Eu vi alguém carregando a mala dele e disse para minha mulher: ‘Aquele está tão bem de vida que já tem alguém para carregar a pasta’”.

Idair conta que a família Pizzolatto tem uma tradição de vestir-se com elegância "até quando faz 40ºC", para seguir o estilo do avô italiano Victorio.

"Ele usava terno, gravata e chapéu de pano. Quando descia do ônibus, todo mundo já sabia quem era”, diz ele. Victorio Pizzolatto morreu na década de 1960 e está enterrado em Concórdia.

Cronologia do mensalão

  • Nelson Jr/STF

    Clique na imagem e relembre os principais fatos do julgamento no STF

“O 'nono' é que nos deu direito à cidadania italiana”, diz Idair. “Ele foi soldado condecorado na Primeira Guerra Mundial [1914-1918]. Chegou ao Brasil depois dela, ferido, aleijado de uma mão. Recebeu pensão do governo italiano até morrer.”

"Nono" Pizzolatto entrou no Brasil numa leva que se estabeleceu em Guaporé. Na década de 1930, mudou-se com os filhos pequenos para Concórdia, ocupando o Engenho Velho.

Reduto de italianos e piada com o mensalão

Concórdia está no oeste catarinense, a 450 km de Florianópolis. Tem IDH de Primeiro Mundo (0,849), o 32º do Brasil. Dos seus 70 mil habitantes, cerca de 50 mil são descendentes de italianos, segundo Helena Gorlin, da Associação Italiana Vêneta de Concórdia (AIVC).

Toda família Pizzolato que ficou em Santa Catarina, bem como a maioria dos habitantes da região, falam com sotaque regional italiano, invertendo a letra R. Exemplo: “Meu caro custou carro”, para dizer que um carro custou caro. 

Por quase 30 anos, Concórdia cresceu em torno da então poderosa Sadia. Até a década de 1990, ela representava 80% do PIB da cidade. Hoje BRF, a participação da empresa caiu para 50%.

No domingo (17) à noite, havia seis parceiros jogando cartas e tomando vinho. No meio da gritaria do carteado, a TV mostra o avião da PF levando os condenados. A turma não desvia o olhar das cartas, mas o agricultor aposentado Perca Natureza comenta: “Deviam derrubar este avião!”.

  • Renan Antunes de Oliveira/UOL

    Na terra de Pizzolato, jogo de cartas e piadas sobre o mensalão

A jogatina continua, com mais piadas sobre o mensalão.

O homem de camisa azul diz que "o Henrique pode estar escondido lá no sítio do Jacutinga".

Um dos homens de chapéu retruca: "Agora que ele tem nosso dinheiro não vai se esconder naqueles cafundós". Outro completa: "Já tá no 'bem-bom' na Itália".

Pai não quis falar 

Pedro Pizzolatto, pai de Henrique Pizzolato, abriu a porta do apartamento onde vive, às 7h45 de segunda-feira (18).

Leia na Folha: Pai lamenta sumiço de Henrique Pizzolato

Estava calmo, acostumado com o assédio de repórteres. Fez um pedido. “Por favor, respeitem a dor de um pai. Não quero falar sobre o assunto. Faz 45 dias que não falo com meu filho.” Em seguida, fechou a porta.

Pai e filho têm uma grande semelhança física. Segundo os familiares, são grandes amigos. Henrique sempre visitou o pai, nos últimos anos às escondidas. Vizinhos contam que o filho trouxe [o operador do mensalão] Marcos Valério para um churrasco no sítio do pai, no Engenho Velho, mas não há registro disto na imprensa local.

Pedro não está doente como dizem. Anda firme e fala forte, apesar da idade. Dirige o próprio carro, que contou para os amigos ter sido um presente do filho. Passa os fins de semana com a mulher, 35 anos mais jovem, no Sítio do Nêto, em Engenho Velho.