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Saiba para que servem e como são financiados institutos de ex-presidentes

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

06/07/2015 06h00Atualizada em 16/07/2015 22h55

Após a informação de que a Camargo Corrêa --empreiteira investigada na operação Lava Jato-- doou R$ 3 milhões ao Instituto Lula entre 2011 e 2013, divulgada no começo deste mês, esse tipo de entidade ganhou destaque no noticiário. Atualmente no Brasil há três institutos e fundações de ex-presidentes. Além de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Itamar Franco (1992-1994) também emprestam seus nomes a organizações similares.

Inspirados em institutos de ex-presidentes dos Estados Unidos, Europa e África, as fundações brasileiras têm como objetivo difundir o legado e o pensamento político de seus patronos, além de arquivar e expor bibliografias, diplomas e outros objetos que remetem à história desses políticos.

Os institutos de Lula e FHC são organizações privadas com sede em São Paulo. Segundo seus gestores, a verba vem de doações de empresas e pessoas físicas, além de recursos captados via Lei Rouanet (no caso da Fundação Instituto FHC), com isenção de impostos a empresas. As entidades não informam oficialmente os doadores ou os valores dessas doações. Já o Instituto Itamar Franco é financiado pelo governo federal após ter doado seu inventário à Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), em 2010.

Enquanto o Instituto Lula diz em seu site que "declara suas movimentações à Receita Federal e cumpre todas suas obrigações tributárias", o superintendente da Fundação Instituto FHC, Sérgio Fausto, informou que "as contas são auditadas e anualmente as informações contábeis são enviadas à Curadoria de Fundações do Ministério Público de São Paulo".

Denúncias apontaram que além da Camargo Correa, a Odebrecht, outra construtora citada na Lava Jato, doou para o Instituto Lula. "Várias empresas contribuíram para o instituto, mas são contribuições legais", disse o presidente, Paulo Okamotto, que deverá ser convocado para depor na CPI da Petrobras. Em retaliação à convocação de Okamotto à CPI, o deputado Jorge Solla (PT-BA) protocolou pedidos de convocação e quebras dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de Sérgio Fausto.

O ex-presidente José Sarney (1985-1990) chegou a criar no Maranhão a FMRB (Fundação da Memória Republicana Brasileira) em 1990, depois rebatizando-a em 2000 como Fundação José Sarney. A entidade privada entrou em processo (ainda não concluído) de liquidação em 2011 e foi estatizada no mesmo ano em uma decisão da então governadora Roseana Sarney, filha de José Sarney. Entre denúncias e irregularidades ao longo dos anos, voltou a se chamar FMRB, com o acervo do ex-presidente guardado no Convento das Mercês, prédio histórico de São Luís datado do século 17.

Importância

Na opinião dos professores de ciência política ouvidos pelo UOL, instituições como essas são importantes para preservar parte da história e da política do país. O financiamento via doações de empresas também não é prejudicial a princípio, se realizado de forma lícita.

"São uma fonte muito grande de pesquisa. Lá nos Estados Unidos essas organizações buscam participação maciça da iniciativa privada, e o Estado se retrai. Aqui no Brasil, instrumentos de renúncia fiscal (como a lei Rouanet) fazem todo sentido de ser usados. Não dá para comparar a realidade política americana com a brasileira", explica João Paulo Machado Peixoto, da UnB (Universidade de Brasília).

"Os ex-presidentes têm influência, e isso abre portas. Por isso grandes empresas querem contar com a influência deles. A princípio existe uma certa histeria nessa questão dos recursos privados, mas na minha opinião, não tenho nenhuma restrição. Já fui a institutos sobre Lyndon Johnson e Bill Clinton nos EUA, e todos recebem muitos recursos", defende Leonardo Avritzer, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Lula

Surgido em 2011, o Instituto Lula foca em atividades de cooperação e estímulo às políticas públicas de países da África e a América Latina - a Fundação Nelson Mandela, na África do Sul, é citada como uma das principais influências. A sede do instituto, no bairro paulistano do Ipiranga, guarda acervo sobre a vida política de seu patrono, mas o conteúdo ainda está sendo classificado e recuperado para futuras exposições.

Alguns dos recentes eventos promovidos pela instituição discutiram temas como a aplicação do Plano Nacional de Educação (PNE); os seminários "Conversas Sobre África", sobre as conexões entre o Brasil e o continente africano, como o combate ao racismo; o potencial do Brasil para investimentos externos, no qual Lula falou com empresários franceses; e um encontro com o ex-primeiro-ministro da Espanha Felipe González, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), onde Lula reclamou que o PT atualmente "perdeu um pouco da utopia. A gente só pensa em cargo, em ser eleito".

FHC

Fernando Henrique Cardoso criou seu instituto em 2004 inicialmente para arquivar documentos referentes ao seu mandato, para cumprir a Lei nº 8.394, de 1991, que determina que ex-presidentes devem ficar responsáveis por esse conteúdo. A entidade também promove discussões sobre política no âmbito nacional e mundial, como a repressão no governo da Turquia, o ano eleitoral na Argentina e o enfrentamento da crise hídrica de São Paulo, com a presença de Jerson Kelman, presidente da Sabesp.

O Instituto FHC possui ainda uma biblioteca de 17 mil livros e 230 mil negativos de fotos, além de organizar a exposição fixa "Um Plano Real", que aborda fases da economia brasileira que culminaram no plano lançado pelo tucano e na troca de moeda, em 1994; e o próprio Fernando Henrique Cardoso ministra os chamados "Diálogos com um presidente", que são encontros periódicos onde estudantes do ensino médio fazem diversas perguntas a FHC sobre temas diversos, da legalização da maconha às privatizações.

Itamar Franco

Criado em 2002, o Instituto Itamar Franco é o mais antigo das quatro entidades. No entanto, sua atuação até o momento está limitada à manutenção do inventário do ex-presidente morto em 2011, com mais de 102 mil correspondências e mais de 7 mil títulos do acervo bibliográfico, além de hemeroteca, arquivo de imagem e objetos pessoais. A Universidade Federal de Juiz de Fora está construindo um prédio de 815 m², ainda sem data para ficar pronto, para disponibilizar o material ao público e promover discussões sobre políticas públicas.

Sarney

As polêmicas envolvendo a Fundação José Sarney começaram em 2005. Na ocasião, uma lei estadual que despejava Fundação Sarney do Convento das Mercês. O então senador Sarney contestou no Supremo Tribunal Federal, que deu uma liminar que garantiu a permanência da fundação no local.

A entidade foi alvo de denúncia em 2010, quando a CGU (Controladoria Geral da União) identificou desvio de R$ 129 mil de recursos advindos da Petrobras. Depois, já como FMRB, foi investigada em 2013 por problemas da liquidação da organização privada original e contas infladas. No início deste ano, após a posse do novo governador Flávio Dino (PC do B), seus 48 funcionários foram exonerados e 21 deles foram renomeados pouco depois.

No acervo consta 1 milhão de documentos sobre o ex-presidente, além de 35 mil livros, 4 mil objetos museológicos (como peças sacras, trajes e condecorações de Sarney) e 20 mil itens audiovisuais. "Parte está em reserva técnica, parte em exposição", disse o atual presidente da FMRB, Valdênio Caminha.

Seu conselho curador é composto por representantes do governo do Maranhão, da Academia Maranhense de Letras, de funcionários do museu, da Federação das Indústrias do Maranhão e duas vagas para "pessoas indicadas pelo patrono" José Sarney, segundo a lei 9.479/2011. Em caso de morte de Sarney, as vagas serão preenchidas via "indicação dos herdeiros e/ou sucessores do patrono".