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O Brasil virou a "república da traição"? Veja alguns casos políticos e conclua

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

30/06/2016 06h00

O mundo da política brasileira neste ano tem tido frequentes casos em que pelo menos uma das partes envolvidas se considera traída.

O ano ainda nem passou da metade, mas já é marcado por delações bombásticas com gravações ocultas, votos surpreendentes no Congresso e um processo de impeachment cheio de reviravoltas.

A palavra foi citada inclusive no discurso de Dilma Rousseff (PT) logo após o seu afastamento da Presidência da República, no dia 12 de maio. "Estou vivendo a dor da traição", declarou a petista a apoiadores do seu governo, em frente ao Palácio do Planalto.

Sem citar seu nome, Dilma se referia ao vice, Michel Temer (PMDB), que se tornou presidente interino após a sua saída, garantida por votação majoritária no Senado, onde corre o impeachment contra ela.

Em abril, a revista britânica "The Economist" estampou em sua capa o título "A traição do Brasil", sobre uma montagem do Cristo Redentor pedindo socorro. De acordo com a publicação, que defendeu a realização de novas eleições, o país sofreu uma "grande traição" tanto pela presidente afastada quando pela classe política.

Houve traição? Relembre alguns casos recentes e tire suas conclusões

Michel Temer sorrindo - Reprodução/"Folha de S.Paulo" - Reprodução/"Folha de S.Paulo"
O então vice-presidente, Michel Temer, sorri ao acompanhar votação do impeachment na Câmara pela TV
Imagem: Reprodução/"Folha de S.Paulo"

  • Michel Temer x Dilma Rousseff

Vice de Dilma nas eleições de 2010 e 2014 e declaradamente contrário ao impeachment em meados de 2015, o atual presidente interino se afastou da petista no fim do ano passado, e, em 2016, passou a atuar nos bastidores para garantir os votos necessários no Congresso para afastá-la.

No início de abril deste ano, vazou um áudio em que o então vice-presidente ensaiava discurso como se o impeachment já tivesse sido chancelado pela Câmara.

Em resposta à divulgação do discurso, Dilma usou a palavra traição, fazendo referência, sem citar seus nomes, a Temer e ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (que aceitou o processo).

"Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a traição à pátria em curso, não há mais. Um deles é a mão, não tão invisível assim, que conduz com desvios de poder. O outro esfrega as mãos e ensaia a farsa de um pretenso discurso de posse. Cai a máscara dos conspiradores, o Brasil e a democracia não merecem tamanha farsa", declarou a petista.

Em 17 de abril, dia da votação que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment pelo plenário da Câmara, Temer foi fotografado sorrindo assistindo à sessão pela televisão. 

Em entrevista à GloboNews na semana passada, Temer rebateu. "Muitas vezes dizem que houve golpe. E golpe é ruptura em relação à Constituição. E aquilo que está havendo é obediência estrita ao texto constitucional.  Eu não traí a ninguém. Na verdade, o que houve foi um processo de impedimento. Eu não fiz nenhum movimento em relação a isso. E o impedimento se deu, convenhamos, até por uma maioria muito significativa".

Sérgio Machado - Reprodução de vídeo - Reprodução de vídeo
O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado delatou antigos aliados do PMDB
Imagem: Reprodução de vídeo

  • Sérgio Machado x cúpula do PMDB

Antevendo uma colaboração com a Justiça --homologada neste mês-- para atenuar a sua pena e a de seus filhos, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado resolveu gravar conversas com caciques do PMDB nacional.

Em maio, o jornal "Folha de S.Paulo" revelou trechos de alguns diálogos dele com o presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente da República José Sarney e o senador Romero Jucá, que ocupava o Ministério do Planejamento do governo Temer e foi forçado a deixar o cargo por conta da repercussão dos áudios.

Os grampos de Machado também derrubaram Fabiano Silveira do comando do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Ex-senador, Machado era considerado um dos principais aliados de Renan.

Por conta das gravações, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu as prisões de Calheiros, Jucá e Sarney. Os pedidos foram negados pelo ministro do STF Teori Zavascki.

Delcídio do Amaral - REUTERS/Ueslei Marcelino/3.mar.2016 - REUTERS/Ueslei Marcelino/3.mar.2016
O ex-senador Delcídio do Amaral citou petistas em sua delação premiada
Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino/3.mar.2016

  • Delcídio do Amaral x petistas

Filiado ao PT desde 2001, o ex-senador Delcídio do Amaral se considerou abandonado pelos correligionários quando foi preso, no ano passado. Na ocasião, ele era líder do governo Dilma no Senado.

Em sua delação premiada, homologada em março desse ano, Delcídio levanta a suspeita de que Dilma, na época presidente do Conselho de Administração da Petrobras, deveria saber sobre o esquema de corrupção envolvendo a Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, adquirida pela Petrobras em 2006. A petista rebateu dizendo que o ex-aliado agiu "pelo desejo de vingança, pelo imoral e mesquinho desejo de vingança, e de retaliação de quem não defendeu quem não poderia ser defendido pelos atos que praticou".

Delcídio também entregou à PGR (Procuradoria-Geral da República) gravações de conversas de um de seus assessores com o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Nos áudios, é possível ouvir o petista tentando evitar a delação de Delcídio, oferecendo ajuda financeira e lobby junto ao STF para sua soltura. Para Delcídio, o ministro "agiu como emissário da presidente da República e, portanto, do governo".

O acordo de colaboração previa que Delcídio poderia continuar a exercer o mandato de senador, mas ele foi cassado pelo plenário da Casa em maio, um dia antes do afastamento de Dilma.

Wladimir Costa - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O deputado federal Wladimir Costa (SD-PA) votou a favor da cassação de Cunha no Conselho de Ética, no último dia 14
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

  • Wladimir Costa x Eduardo Cunha

Conhecido por seu estilo excêntrico e por estourar um lança-confete no plenário da Câmara durante a votação do impeachment de Dilma, o deputado Wladimir Costa (SD-PA) surpreendeu a todos durante a sessão do Conselho de Ética que aprovou o parecer favorável à cassação do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no último dia 14.

Na ocasião, ele chegou a discursar repetindo argumento da defesa de Cunha, de que o peemedebista não é titular de contas no exterior, mas de um tipo de investimento chamado trust e, portanto, não teria mentido à CPI da Petrobras. Em seguida, depois que a deputada Tia Eron (PR-BA), dona do único voto considerado indefinido até então, se posicionou contra Cunha, Costa fez o mesmo, provocando alvoroço no plenário. Sua legenda é controlada pelo deputado Paulinho da Força (SD-SP), um dos aliados mais próximos de Cunha.

Em entrevista ao jornal "O Globo", depois da votação, Costa disse ter tomado a decisão 24 horas antes da votação. "Não posso botar isso na minha biografia", disse, e afirmou que não deve nada ao presidente afastado da Casa.

Na terça-feira (21), o peemedebista afirmou em entrevista coletiva que a decisão do ex-aliado resultou de "efeito manada" provocado pelo sistema de votação escolhido, no qual os deputados anunciavam o voto no microfone um após o outro. Em julgamento nesta quarta (22) pelo suposto recebimento de propina em contas secretas na Suíça, os onze ministros do STF decidiram, por unanimidade, abrir ação penal e tornar Cunha réu pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica com fins eleitorais. Esta é a segunda ação em que Cunha se torna réu pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 
  • Alfredo Nascimento x Dilma Rousseff

Apesar de, horas antes, o partido presidido por ele até então orientar sua bancada na Câmara a votar contra, o deputado federal Alfredo Nascimento (PR-AM) surpreendeu e renunciou ao seu cargo no comando da legenda para votar a favor do impeachment de Dilma.

Em 2011, ele foi ministro dos Transportes da petista por pouco mais de sete meses. Deixou o cargo depois de ter sido acusado de participar de um esquema de corrupção dentro do ministério. Nascimento nega as acusações. A saída dele e de outros ministros também suspeitos de corrupção foi chamada pela presidente, à época, de "faxina ética".

Além de Nascimento, outros 25 deputados do partido votaram pela admissibilidade do processo de impeachment. Dez integrantes do partido se posicionaram contra, três se abstiveram e uma --Clarissa Garotinho (PR-RJ)-- faltou à sessão.

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