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De saída do TSE, ministro diz que "o caixa 2 sempre vai existir"

Admar Gonzaga Neto, ministro do TSE - Divulgação/TSE - Divulgação/TSE
Ministro substituto do TSE desde 2013, o jurista Admar Gonzaga Neto vai ocupar a vaga de Henrique Neves
Imagem: Divulgação/TSE

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

13/04/2017 04h00

Mais de oito anos depois de se tornar ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o advogado Henrique Neves encerra o seu mandato na Corte neste domingo (16), deixando para trás o julgamento que pode levar à cassação da chapa presidencial de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB).

Em clima de despedida, enquanto retirava seus livros da estante, o ministro recebeu a reportagem do UOL em seu gabinete para conceder uma entrevista na segunda-feira (10) e foi logo avisando que, em respeito aos colegas que continuarão o julgamento, não falaria sobre a Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) nº 1943-58.

"Já não tenho mais nada a ver com a ação. Esqueci tudo", declarou. O voto, 90% pronto, será apagado. Vai ficar para a posteridade. O ministro diz não ver espaço para se sentir frustrado por não poder julgar a ação. Para ele, juiz "não pode ter vontade". Cada ação deve ser encarada como qualquer outra.

Com a experiência de quem desde agosto de 2008, quando assumiu como ministro substituto, participou da organização e fiscalização de cinco eleições, Neves disse acreditar da prática de "caixa 2" --doações eleitorais não declaradas oficialmente-- nas campanhas “sempre vai existir”, independente do modelo de financiamento adequado.

Para combater o que chamou de “desvio da regra”, defendeu o aprimoramento de mecanismos de fiscalização para que se mostre que “o atalho pode terminar num precipício”.

O ministro também afirmou que a legislação eleitoral precisa passar por mudanças e sinalizou que prefere o sistema distrital misto – em que o eleitor tem dois votos, um proporcional, para candidatos no seu distrito, e o outro majoritário, para partidos.

Titular da Corte desde novembro de 2012, ele será substituído pelo ministro substituto e amigo Admar Gonzaga Neto, nomeado por Temer dias antes do início do julgamento da chapa --adiado na primeira sessão. Caberá ao sucessor dar um dos sete votos que podem retirar Temer da Presidência da República. Henrique Neves estará assistindo pela TV Justiça.

UOL - O senhor tem mais de oito anos de atuação no TSE, como ministro substituto e efetivo. Com essa experiência, o senhor considera o atual sistema eleitoral brasileiro justo?

Henrique Neves - No que diz respeito à máquina para realizar as eleições, eu não conheço igual no mundo. Na Justiça Eleitoral brasileira, eu não vejo nenhuma dificuldade.

Mas a forma pela qual as eleições são feitas, que é algo que não depende da Justiça, e sim da lei, essa sim me parece que chegou a um ponto em que é necessário se pensar em um novo modelo.

O ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, declarou que o Brasil corre o risco de ter uma eleição "muito distorcida" e “entregue ao crime organizado” no ano que vem se não aprovar uma mudança no sistema eleitoral até o dia 2 de outubro. O senhor concorda?

O sistema eleitoral brasileiro tem uma característica única no mundo. Nós utilizamos uma lista aberta na qual o eleitor muitas vezes não percebe que o voto dele, antes de ir para o candidato da sua escolha, vai para o partido político. Somente aqueles que ultrapassam o coeficiente eleitoral são vitoriosos nas eleições.

E depois o voto individual, no candidato, serve apenas para ordenar quem daqueles candidatos de determinado partido deve ser o eleito, por um critério majoritário.

Mas quando você está votando primeiro no partido, e são admitidas [também] as coligações, o voto vai para a pessoa da sua escolha e é aproveitado por todos os candidatos daquele partido, e também de todos os que são coligados.

Então podem ser pessoas sobre alguns temas específicos totalmente antagônicas. E o eleitor não tem essa informação no momento de realizar o voto. Quer dizer, ele até tem, mas é muito difícil de pesquisar para saber quem são todos os candidatos da coligação.

Se coubesse ao senhor, qual seria o sistema adotado? Votação em lista fechada, distrital misto?

O melhor sistema vai ser aquele que atenda a vontade do eleitor. Ou seja, o mais simples possível.

Se o eleitor quer votar em pessoas, em candidatos, o melhor sistema é o distrital ou majoritário, simplesmente: a pessoa que tiver mais votos, não importa qual partido, será eleita.

Se o eleitor, por outro lado, acha que o melhor é votar não em pessoas, mas em ideias, nos partidos, então nós temos o sistema de listas fechadas, no qual o eleitor escolhe a ideologia do partido e depois é que se verifica quem são as pessoas eleitas. Antes de votar, ele até já sabe quem são os beneficiários.

Agora, se não se tem certeza se o eleitor que o sistema majoritário para votar no indivíduo ou se ele quer o sistema de lista fechada, uma solução é um modelo híbrido. Fala-se no modelo distrital misto, como se diz do da Alemanha. O eleitor teria direito a dois votos, votaria numa pessoa em seu distrito, para que aquela pessoa seja a sua representante, e ao mesmo tempo, considerando o cenário nacional, votaria num partido.

Mas como ficaria a questão do financiamento nesse caso?

Primeiro tem que se definir qual é o modelo. Se o modelo for o distrital misto ou o de lista fechada, a quantidade de dinheiro é muito menor. Porque no sistema de listas, o dinheiro não chega na mão do candidato --o que alguns consideram que seria algo benéfico. É o partido que faz a propaganda, em favor de toda a lista.

Ministro do TSE, Henrique Neves - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
O ministro do TSE Henrique Neves concedeu entrevista ao UOL em sua última semana como integrante da Corte
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Se, no outro lado, nós mantemos uma campanha onde o que vale não é a ideologia partidária, mas sim a posição pessoal, e aí se transforma em campanhas individuais, o primeiro adversário de um candidato é o seu companheiro de partido, no modelo atual. Ele não pode massacrar o companheiro do partido porque precisa dos votos dele para atingir o coeficiente eleitoral, mas ele tem que superar a votação obtida pelo seu correligionário.

No financiamento, a principal regra é transparência e possibilidade de controle absoluta. Na minha visão, a melhor transparência que poderia ser dada seria o sistema de prestação de contas online.

O candidato recebeu o dinheiro e gastou o dinheiro, ele informa a Justiça Eleitoral e esse dado vai imediatamente para a internet, para que durante as campanhas eleitorais o eleitor possa inclusive verificar quem está financiando o candidato, se houver recursos públicos, como estão sendo usados, se está comprando tempo de propaganda ou contratando empresa que seja de algum familiar dele para prestar algum serviço bem acima da média. Esse tipo de controle é um elemento fundamental para a formação a convicção e da escolha do eleitor, que deve ser totalmente livre.

As doações de empresas para as campanhas eleitorais foram proibidas em 2015. Isso contribuiu para aumentar o 'caixa dois' nas campanhas?

Na realidade, o ‘caixa dois’ sempre vai existir. O que nós temos que fazer é ter mecanismos de fiscalização cada vez mais sólidos para combatê-lo.

Seja o dinheiro que venha de empresas, da pessoa privada ou de recursos públicos, sempre haverá aquela pessoa que quer desviar da regra, buscar um atalho que não é permitido pela legislação.

Os próprios partidos políticos, uma campanha fiscaliza a outra. E o eleitor também pode trazer denúncias. Hoje a Justiça Eleitoral tem mecanismos que, pelo celular, a pessoa pode tirar foto de algo que ela considera que é irregular e encaminhar. Tudo isso é que tem que ser aprimorado para que se mostre que, muitas vezes, o atalho pode terminar num precipício.

O senhor foi relator da resolução nº 23.465/2015, que disciplina a criação e extinção de partidos políticos. O atual número de legendas no país [35] é adequado à democracia brasileira?

Eu não sou contra o número total de partidos políticos. Em vários países no mundo, existe um número muito superior ao brasileiro. É certo que no Brasil todos têm que ter caráter nacional. O que se tem [que observar] é o acesso desses partidos ao poder, às cadeiras da Câmara dos Deputados. Esse não é um problema do número, é um problema da fórmula de cálculo do resultado das eleições.

Colocar uma cláusula de barreira e terminar com as coligações pode liquidar esse assunto e diminuir muito o acesso dos partidos à Câmara, mas também tem que ser visto com muito cuidado, porque se a regra for muito rígida, acaba privilegiando só dois ou três partidos, e aí as minorias ficam sem qualquer representação. Então é um ponto de equilíbrio que tem que ser achado com muito cuidado.

Como é a sua relação com o ministro substituto Admar Gonzaga Neto? O senhor já conversou com ele sobre as ações que estão sob sua responsabilidade, como a que julga a chapa Dilma-Temer?

Eu conheço o ministro Admar há muito tempo. Somos amigos da época de faculdade. O que eu estou tentando fazer é deixar o mínimo de ações possíveis para que ele tenha que decidir. Todas aquelas que chegaram para mim eu tentei liquidar. Sobrará um número pequeno, talvez 15 ou 20, de ações em que não depende da minha vontade decidir, e sim da publicação de pauta, de uma série de coisas.

Todas essas eu passarei para ele, mas ele vai ter que examinar e tem toda a liberdade para definir como ele acha que deve definir. A assessoria aqui [do TSE] tem todas as condições de informar para ele os fatos do processo. Mas uma vez que eu encerro o meu mandato, eu efetivamente encerro.

O senhor se despede do TSE no próximo domingo (16), mas como não haverá sessões essa semana, a sua última participação aconteceu na quinta passada. Já tem planos sobre o que vai fazer depois?

É bom para a Justiça Eleitoral que tenha essa rotatividade, porque trata de algo muito sensível: a soberania popular e o resultado das eleições. A postergação no cargo acaba fazendo com que as pessoas tenham a tendência de se acomodar, ter os vícios mantidos. Então é boa essa oxigenação.

Isso vem desde 1932 e quem escolhe os membros do TSE é o Supremo Tribunal Federal, que faz uma lista de três nomes. E aí esses nomes são encaminhados à Presidência da República para a escolha de qualquer um deles. Eu acho muito bom esse modelo.

Eu saio com a certeza de que chegou o meu tempo. Desde o dia em que eu tomei posse eu sabia a data até quando eu poderia estar aqui. Vou trabalhar até o último dia. A partir daí, volto à advocacia normal, que é de onde eu sou oriundo. E agora vou ficar olhando pela TV Justiça os julgamentos.

Como advogado, como o senhor espera encontrar o sistema eleitoral?

Vamos ver o que o Congresso resolve das reformas. Desde 1997 para cá, quando se fez uma lei única para reger todas as eleições, essa lei foi alterada 11 vezes. E só houve 10 eleições nesse período. Para o próximo ano, com certeza algumas alterações virão. E a cada uma delas, a gente tem que examinar e verificar o reflexo efetivo que elas trazem ao processo eleitoral.