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Delatores apontam políticos que estariam na "caixinha" da JBS

Ayrton Vignola/Estadão Conteúdo
Imagem: Ayrton Vignola/Estadão Conteúdo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio e em São Paulo

19/05/2017 20h21Atualizada em 20/05/2017 16h38

A delação da JBS, cujo sigilo foi derrubado nesta sexta-feira (19) pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), cita políticos como o presidente Michel Temer e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, acusados de receberem dinheiro a fim de influenciar favoravelmente os interesses do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, nos mais diversos campos.

Os nomes constam em despacho de Fachin, em documento que homologa as delações, uma espécie de resumo dos pedidos de inquérito encaminhados ao ministro do STF pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Segundo o documento, teriam sido pagos ao menos R$ 352 milhões e US$ 80 milhões. Os valores chamam atenção pelo montante --na maior parte das vezes na casa dos milhões--, e pela variedade; há dinheiro para políticos dos mais diversos partidos e Estados do país.

Além do despacho de Fachin, vídeos com depoimentos dos delatores ao Ministério Público Federal também citam outros políticos suspeitos de receber dinheiro da empresa de forma irregular.

Em um dos vídeos da homologação de sua delação ao STF, o diretor de Relações Institucionais da Holding J&F, Ricardo Saud, diz que a empresa também pagou propina para 22 partidos durante as eleições de 2014. O dinheiro, segundo ele, era repassado através de doações oficiais, notas frias e em dinheiro em espécie.

 

Confira abaixo quem teria entrado na “caixinha” da JBS:

Michel Temer, presidente – R$ 15 milhões

O presidente Michel Temer (PMDB) teria recebido valores próximos a R$ 15 milhões em pagamentos de "vantagens indevidas" na campanha eleitoral de 2014, segundo delação de Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da holding J&F. A quantia teria como contrapartida atuação favorável aos interesses do grupo.

Os depoimentos, que também foram feitos por um dos donos do grupo, o empresário Joesley Batista, apontam "solicitação de vantagem indevida por parte do atual presidente da República, bem como do deputado federal Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR), no montante de 5% do lucro obtido com o afastamento do monopólio da Petrobras no fornecimento de gás a uma das empresas do grupo".

"Além disso, haveria solicitação de outros valores relacionados à atuação em benefício do grupo empresarial J&F no tocante ao destravamento das compensações de créditos de PIS/COFINS com débitos do INSS", aponta a delação.

A reportagem do UOL entrou em contato com o Palácio do Planalto que, por meio de nota, afirmou que "a acusação não procede e o diálogo do presidente com o empresário Joesley prova isso" --uma referência à gravação feita por Joesley em que, na interpretação da Procuradoria Geral da República, Temer teria concordado com iniciativa do empresário de comprar o silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha.

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente – US$ 50 milhões

O dinheiro, de acordo com Joesley e Saud, foi pago a fim de beneficiar o grupo em negócios relacionados ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social) e Funcef (Fundação dos Economiários Federais). Guido Mantega, dizem os delatores, teria atuado como intermediário no repasse dos valores, feito em dólar.

Lula afirmou, através de sua assessoria, que os trechos da delação que citam o ex-presidente “não decorrem de qualquer contato com o ex-presidente, mas sim de supostos diálogos com terceiros, que sequer foram comprovados”.

“A verdade é que a vida de Lula e de seus familiares foi - ilegalmente - devassada pela Operação Lava Jato. Todos os sigilos - bancário, fiscal e contábil - foram levantados e nenhum valor ilícito foi encontrado, evidenciando que Lula é inocente.”

Em entrevista à Folha neste mês, o ex-ministro Guigo Mantega negou envolvimento com irregularidades e afirmou que acusações como as de executivos da Odebrecht eram 'ficções' para conseguir fechar delação premiada, histórias "inverossímeis" e sem provas.

Dilma Rousseff, ex-presidente - US$ 30 milhões

Assim como Lula, o valor pago à presidente, afirmam Saud e Joesley, seria uma forma de garantir a atuação de Dilma em favor da empresa junto ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social) e Funcef (Fundação dos Economiários Federais). Guido Mantega também teria atuado como intermediário.

Em nota, a assessoria de Dilma diz que "são improcedentes e inverídicas as afirmações do empresário". E enumera três pontos: "1. Dilma Rousseff jamais tratou ou solicitou de qualquer empresário ou de terceiros doações, pagamentos e ou financiamentos ilegais para as campanhas eleitorais, tanto em 2010 quanto em 2014, fosse para si ou quaisquer outros candidatos. 2. Dilma Rousseff jamais teve contas no exterior. Nunca autorizou, em seu nome ou de terceiros, a abertura de empresas em paraísos fiscais. Reitera que jamais autorizou quaisquer outras pessoas a fazê-lo.3. Mais uma vez, Dilma Rousseff rejeita delações sem provas ou indícios. A verdade vira à tona."

Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados – R$ 50 milhões

Segundo a delação do dono da JBS, Cunha recebeu R$ 20 milhões para ajudar a empresa em questões relacionadas a financiamentos da Caixa Econômica Federal e do FI-FGTS e outros R$ 30 milhões para que ele, como presidente da Câmara, apoiasse as demandas da empresa junto aos deputados.

Em depoimento, Joesley diz ainda que, entre 2011 e 2015, teria repassado ao grupo de Cunha propina no valor de R$ 170 milhões.

A reportagem ainda não conseguiu entrar em contato com os advogados de Cunha --recentemente, o ex-deputado contratou novos defensores.

Aécio Neves (PSDB-MG), senador licenciado – R$ 2 milhões

Joesley e Saud afirmam que o tucano recebeu propina para favorecer os interesses da J&F no Senado, em especial na liberação de créditos do ICMS e na tramitação da lei de abuso de autoridade e de anistia a caixa dois. 

Em nota, a assessoria de imprensa do senador evitou comentar os R$ 2 milhões e afirmou que Aécio nunca colocou “qualquer empecilho aos avanços da Operação Lava Jato”. “Ao contrário, como presidente do partido, o senador foi um dos primeiros a hipotecar apoio à operação.”

Eunício Oliveira (PSDB-CE), presidente do Senado - R$ 5 milhões

O atual presidente do Senado, diz Saud em sua delação, recebeu o valor através de doações oficiais fora do período eleitoral para ajudar na aprovação da medida provisória que disciplinava créditos de PIS/COFINS.

O UOL tenta contato com o senador, que ainda não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.

Sérgio Cabral (PMDB-RJ), ex-governador do Rio de Janeiro - R$ 47,5 milhões

Saud afirma que Cabral recebeu R$ 40 milhões através de doações da empresa ao PMDB e PDT e outros R$ 7,5 milhões em dinheiro em pagamentos feitos pessoalmente ao ex-secretário de Obras do Estado, Hudson Braga.

A defesa do ex-governador, preso desde novembro em decorrência da Operação Calicute, braço da Operação Lava Jato no Rio, informou que só se manifestará no processo em curso na Justiça.

André Puccineli (PMDB-MS) e Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), ex-governador e governador do Mato Grosso do Sul – R$ 150 milhões

De acordo com a delação dos executivos da JBS Wesley Mendonça Batista e Valdir Boni, o governador e o ex-governador teriam recebido o montante entre 2007 e 2016 para conceder benefícios fiscais à companhia.

Em nota oficial, o governador Reinaldo Azambuja afirmou que dos cinco termos de acordo de incentivos fiscais firmados entre a JBS e o Estado do Mato Grosso do Sul, citados por Joesley Batista em delação premiada, apenas um foi assinado em sua gestão. Segundo ele, o acordo foi feito de maneira legal, seguindo uma política estadual de incentivos. Azambuja afirmou ainda que recebeu da JBS R$ 10,5 milhões, repassados pelo PSDB, para sua campanha em 2014, dinheiro, segundo ele, regularmente declarado na prestação de contas eleitorais. “Reforço que qualquer outra alegação de fatos ilícitos envolvendo meu nome e a empresa JBS não condiz com a verdade”, encerra o governador.

A reportagem entrou em contato com a sede do PMDB no Estado, mas ainda não obteve resposta. O UOL não conseguiu contato com Puccineli.

Cid Gomes (PDT-CE), ex-ministro da Educação e ex-governador do Ceará -  R$ 20 milhões

De acordo com a delação de Batista, o dinheiro foi depositado em troca da liberação de créditos de ICMS em benefício do grupo empresarial J&F quando Cid era governador do Ceará.

Procurado pelo UOL, Gomes disse repudiar as referências a ele na delação. "Nunca recebi um centavo da JBS. Todo o meu patrimônio, depois de 34 anos trabalhando é de R$ 782 mil, tendo sido duas vezes deputado, duas vezes prefeito e duas vezes governador." 

Raimundo Colombo (PSD-SC), governador de Santa Catarina - R$ 10 milhões

O governador, afirma Saud, recebeu o dinheiro para favorecer a companhia em uma licitação da Companhia de Água e Esgoto de Santa Catarina.

Em nota, Colombo afirmou que a JBS fez doações ao diretório nacional do PSD, que repassou o valor a sua campanha no Estado. “A doação feita pela JBS foi dentro da legislação eleitoral de forma oficial na conta bancária do partido e está registrada na prestação de contas apresentada e aprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral”, afirma.

Fernando Pimentel (PT-MG), governador de Minas Gerais - R$ 3,6 milhões

Segundo Saud, Pimentel recebeu o dinheiro quando era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do governo Dilma a fim de influenciar favoravelmente a favor da empresa. Os repasses, diz o executivo, foram feitos por intermédio do escritório de advocacia Andrade, Antunes e Henrique Advogados. 

Em nota, o governador afirmou que “não tem e não teve, em tempo algum, qualquer ligação” com o escritório citado por Saud e diz que não há provas que sustentem essa acusação.

Antônio Palocci (PT-SP), ex-ministro da Fazenda, ex-ministro da Casa Civil – R$ 30 milhões

O dinheiro, de acordo com Joesley, foi depositado diretamente para o ex-ministro tendo como pretexto a campanha de Dilma à presidência em 2010. 

A defesa de Palocci informou que ele só pronunciaria na Justiça.

Delcídio do Amaral, ex-senador -  R$ 5 milhões

Na delação, Saud diz que fez o pagamento a Delcídio a fim de conseguir "concessão de Tares (Termos de Acordo de Regime Especial)".

A reportagem entrou em contato com o escritório que representa o político, mas foi informada de que o advogado de Delcídio estava viajando e não poderia retornar o contato.

José Serra, senador e ex-ministro das Relações Internacionais - R$ 6,4 milhões
 
Em depoimento gravado em vídeo e divulgado pelo STF, Joesley afirmou que repassou R$ 6,4 milhões via caixa dois à campanha do senador José Serra (PSDB-SP) na disputa para à Presidência da República em 2010, quando o tucano foi derrotado por Dilma.
 
De acordo com ele, R$ 6 milhões doados à campanha de Serra foram justificados na contabilidade da JBS como sendo referentes a compra de um camarote em uma corrida de Fórmula 1. Joesley não deixa claro em que ano isso aconteceu nem se foi na corrida disputada no Brasil.
 
Outros R$ 420 mil doados via caixa dois foram justificados com uma nota fria da empresa APPM Analista e Pesquisa, segundo Joesley.

 

O UOL ainda não conseguiu contato com as defesas dos acusados. Serra, que já é investigado no âmbito da Operação Lava Jato, tem negado todas as acusações.

Lúcio Bolonha Funaro, doleiro - R$ 11 milhões

Tanto Batista quanto Saud afirmam que o doleiro, preso no âmbito da Lava Jato, recebeu o dinheiro como contrapartida da venda da empresa Jandelle/Big Frango. Em depoimento ao MPF, Joesley confirmou que Funaro era operador de Eduardo Cunha, e que teria pagou ao grupo, de 2011 a 2015, propinas na ordem de R$ 170 milhões.

O advogado de Funaro informou que ele só irá se posicionar após analisar cuidadosamente o material da denúncia. 

Luiz Fernando Emediato, publisher -  R$ 2,8 milhões

De acordo com Saud, Emediato teria recebido o dinheiro como forma de influenciar favoravelmente a empresa enquanto membro do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Por e-mail, Emediato negou as acusações. “O único trabalho que fiz para a JBS, como assessor de comunicação, foi de junho de 2013 a junho de 2014, para a campanha da marca Friboi, a pedido do próprio Joesley, de quem sou amigo desde que propus escrever um livro sobre a história do pai dele. Minha empresa deu as notas e recebeu pelo que fez. Ricardo Saud errou feio aí. Vou pedir ao Joesley que esclareça isso.”

Cláudio Humberto, jornalista – pagamentos mensais de R$ 18 mil

Criador do site Diário do Poder, Humberto, afirma Saud, recebeu uma mesada mensal por dois anos para que deixasse de fazer reportagens citando o executivo como o “homem da mala” do grupo J&F.

A reportagem tentou diversas vezes contato com o jornalista, mas não obteve resposta.

A delação a que o UOL teve acesso cita ainda o procurador da República Ângelo Goulart Villela, o advogado Marco Aurélio Carvalho e fiscais da Secretaria Estadual da Receita em Rondônia, mas não estabelece valores. O procurador teria como contrapartida a "atuação favorável à J&F na Operação Greenfield” e a ajuda na “obstrução da celebração de acordos de colaboração premiada pelo mesmo grupo empresarial”.

Já Carvalho, ajudaria os interesses da empresa no Ministério da Justiça. No caso dos fiscais, a delação não cita nomes e fala apenas na obtenção de benefícios fiscais no Estado. O UOL tentou contato com Villela e Carvalho, mas não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.

*Colaboraram Mirthyani Bezerra e Gisele Alquas