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Ação civil pública impede transferência de terreno do Exército a fundação ligada a militares

Vista área do terreno de propriedade do Exército na região de Campinas - UOL
Vista área do terreno de propriedade do Exército na região de Campinas Imagem: UOL

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

04/06/2017 04h00

Uma ação civil pública de autoria do MPF-SP (Ministério Público Federal em São Paulo) impede, desde 2012, que o Exército repasse à FHE (Fundação Habitacional do Exército) um terreno localizado entre as cidades de Campinas e Valinhos -- 86 km distante da capital paulista.

Os representantes do MPF alegam que a área tem grande valor ambiental e a transferência de posse não é legal. O processo tramita na 8ª Vara Federal em Campinas. Por sua vez, o Exército contesta essa avaliação e afirma que o contrato de permuta com a fundação é regular.

Procuradores da República em São Paulo abriram pelo menos dois inquéritos para apurar suspeitas de irregularidades em contratos de repasses de terrenos envolvendo o Exército brasileiro e a FHE, uma entidade dirigida por militares, mas de direito privado.

Promulgada pelo presidente general Emílio Garrastazu Médici, durante a ditadura militar, a lei 5.561/1970 permite que o Comando do Exército aliene imóveis destinados à Força Armada, sem a necessidade de consultar qualquer outro órgão público. Para os representantes do MPF, a lei é inconstitucional.

Lugar para criação de cavalos

Desde 2010, o MPF-SP investiga a destinação da chamada Fazenda Remonta, também conhecida como Coudelaria de Campinas (lugar para aperfeiçoamento de raças de cavalo), localizada entre esta cidade e Valinhos. O local foi doado ao Exército brasileiro pelo Estado de São Paulo, na década de 1940.

“Trata-se de área de grande valor ambiental, com a presença de significativa vegetação e grande variedade de fauna”, afirma o procurador da República Edilson Vitorelli, autor da ação civil pública.

Procurador Edilson Vitorelli - UOL - UOL
O procurador da República Edilson Vitorelli em seu gabinete
Imagem: UOL
A Fazenda Remonta é vizinha da Fazenda Serra d’Água, pertencente ao Estado de São Paulo, e que foi transformada recentemente em unidade de conservação. "Devido à proximidade da Fazenda Serra D ´Água e da Fazenda Remonta, é imprescindível o estabelecimento de corredores ecológicos entre ambas as áreas, para o trânsito e preservação fauna e da flora local", afirma o procurador.

Mudança de postura

Ao ser informado de que o Exército pretendia realizar a transferência do terreno à FHE --a entidade pretendia construir um projeto de caráter comercial na região--, o MPF realizou reuniões sobre o assunto no segundo semestre de 2010. Nestes encontros, militares afirmaram que a área estava destinada para um "projeto de capacitação profissional" do Exército.

Em novembro daquele ano, o MPF foi informado por documento oficial de que o Comando do Exército se manifestou favorável à rescisão do contrato de permuta com a FHE.

Porém, dois anos depois, as coisas mudaram: “O Exército Brasileiro, inexplicavelmente, passou a seguir postura oposta à que vinha adotando nas tratativas então realizadas com o Ministério Público Federal", afirma o procurador. Assim, o MPF decidiu entrar com a ação civil pública para impedir que o contrato fosse concretizado.

Fazenda foi dividida

Em resposta o UOL, o Exército informa que dividiu em três lotes a área da Fazenda Remonta, sendo que o lote central foi cedido gratuitamente ao Estado de São Paulo para a duplicação de uma rodovia na região. "Com a inauguração da estrada, a área objeto da alienação tornou-se isolada da porção principal do imóvel, inviabilizando seu uso original como área de instrução militar", diz o Exército em sua resposta (leia mais abaixo).

"Um dos imóveis foi permutado com a FHE (lado do município de Valinhos), o outro imóvel permanece sob a jurisdição e administração do Exército (lado do município de Campinas)", diz o Exército.

Avaliação do terreno é contestada

O MPF também contesta o valor atribuído ao terreno que consta no contrato, R$ 12,4 milhões. "Essa avaliação está eivada de vícios e é de frágil credibilidade", diz o procurador Edson Vitorelli.

O contrato prevê que, em contrapartida, a FHE realizaria obras para o Exército, por meio "da construção e entrega de edificações”, sendo que uma parte do valor do contrato ficaria como crédito do Exército junto à fundação.

"As obras de contrapartida previstas já haviam sido realizadas naquela ocasião e já estavam sendo utilizadas pelo Exército desde meados de 2008. Contudo, considerando que há uma ACP (ação civil pública) em curso, o Comando da Força aguarda o deslinde da ação judicial", informa o Exército.

Procurada pela reportagem, a FHE afirma que "aguarda o julgamento da ação civil pública para avaliar a vocação do terreno e, se for o caso, desenvolver um projeto para a área". Não há previsão para que o juiz federal responsável pelo caso emita sua sentença.

Placa do Exército - UOL - UOL
Placa indica área militar na estrada da Coudelaria, no interior de São Paulo
Imagem: UOL
Resposta do Exército

Leia abaixo as respostas enviadas pelo Exército, por meio de sua assessoria de comunicação:

Qual o posicionamento jurídico do Exército em relação à ação civil pública da Fazenda Remonta?

O Exército tem conhecimento da Ação Civil Pública (ACP) sobre o assunto. No bojo da ACP é apresentada a posição do Exército que questiona tecnicamente o valor ambiental da área em litígio, tendo inclusive apresentado parecer técnico-ambiental com os argumentos que embasam tal posição (documento que compõe os autos da ACP).

Por que o Exército resolveu alienar o terreno e qual é a sustentação jurídica para realizar este ato?

Para atender o interesse estadual, que possuía um projeto de anel viário circundando os municípios da região de Campinas, a área total da Coudelaria de Campinas foi desmembrada em três lotes distintos: o lote central foi cedido, não onerosamente, ao Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo, para a extensão e a duplicação da Rodovia Magalhães Teixeira. Com a inauguração da estrada, a área objeto da alienação tornou-se isolada da porção principal do imóvel, inviabilizando seu uso original como área de instrução militar.

A Estratégia Nacional de Defesa (END) prevê o tratamento especial dos imóveis das Forças Armadas como ativos patrimoniais. Já a presente alienação atende aos planos de reestruturação do Exército. Esses planos, de caráter permanente e dinâmico, elaborados pelo Estado-Maior do Exército, guardam estrita consonância com os conceitos e decorrências da Estratégia Nacional de Defesa e a necessidade de evolução do dispositivo territorial da Força Terrestre, abrangendo instalações, aquartelamentos e próprios nacionais residenciais.

As necessidades do Comando do Exército de realocação/construção de quartéis e Próprios Nacionais Residenciais para cumprimento da Estratégia Nacional de Defesa, visando atender sua missão constitucional, estão consubstanciados nos planos de reestruturação do Exército.

A fim de bem cumprir sua missão constitucional, o Exército promove remanejamentos patrimoniais. Nestes remanejamentos, a Força Terrestre negocia bens imóveis cuja utilização ou exploração não atendam mais suas necessidades. Os ativos adquiridos com os citados procedimentos são utilizados na reestruturação do Exército. Esse procedimento é previsto na Lei nº 5651/70.

A análise do negócio entabulado entre Exército e FHE consiste na alienação mediante permuta celebrada nos termos da Lei 9636/98, Lei 5651/70, Lei 6855/80 e demais normas pertinentes.

Importante atentar também que foi consultada a unidade da Advocacia Geral da União (Consultoria Jurídica da União - CJU - no estado de São Paulo), atual responsável pela consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo, nos termos da LC 73/93, a qual aprovou a avença.

Foi informado oficialmente por representante do Exército ao MPF de que havia interesse do Ministério da Defesa em transformar a área como parte de um projeto de capacitação profissional do Exército?

Nesse ponto cabe esclarecer que a área da Fazenda Remonta foi desmembrada em dois imóveis, após ser cortada por uma rodovia. Um dos imóveis foi permutado com a FHE (Lado do município de Valinhos), o outro imóvel permanece sob a jurisdição/administração do Exército (lado do município de Campinas).

Somente em relação ao imóvel que permanece com a Força há projeto de modernização/revitalização da área, haja vista sua constante utilização para adestramento/treinamento de tropas.

As obras de contrapartida previstas já haviam sido realizadas naquela ocasião e já estavam sendo utilizadas pelo Exército desde meados de 2008. Contudo, considerando que há uma ACP em curso, o Comando da Força aguarda o deslinde da ação judicial.