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Proposta de Doria para seca do Nordeste virar atração turística volta a causar polêmica

Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Imagem: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Demétrio Vecchioli

Colaboração para o UOL

29/06/2017 13h31

“A seca, os flagelados famintos e a caatinga nordestina poderão virar atração turística por sugestão do presidente da Embratur, João Doria Júnior, que propôs em Fortaleza (CE) a instalação de albergues turísticos na região.” A notícia é antiga, mais especificamente de 2 de julho de 1987, mas vem causando grande repercussão trinta anos depois. Muitos internautas duvidaram da veracidade, mas registros dos jornais da época comprovam que a proposta foi citada por ele.

Doria - FSP - Reprodução/Folha - Reprodução/Folha
Reprodução da Folha de S.Paulo em 2 de julho de 1987
Imagem: Reprodução/Folha

À época, os principais jornais do país publicaram declarações polêmicas de Doria, então presidente da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), que cumpria o papel que hoje é exercido pelo Ministério do Turismo. Desde terça-feira, reproduções dessas reportagens viralizaram nas redes sociais.

O jornal O Estado de S. Paulo de 1º de julho de 1987, por exemplo, contou que Doria apresentou a sugestão a um grupo de 300 empresários do setor turístico em Fortaleza. “Transformar as caatingas nordestinas em ponto de visitação turística para gerar uma fonte de renda para a população sofrida dessas áreas, desde que respeitadas as características culturais e humanas das populações, sem a exploração da miséria”, disse o agora prefeito de São Paulo no evento.

O Estado contou que os jornalistas ficaram surpresos com a declaração e pediram que presidente da Embratur “escrevesse” o que ele estava dizendo e que Doria “não se recusou”. Depois, argumentou: “Em Serra Pelada, onde milhares de garimpeiros vivem em condições subumanas, essa garimpagem já se transformou em ponto de visitação. Lá existem até especialistas em fotografia daqueles homens, transportando sacos de areia nas costas, em busca de ouro”.

Doria ainda disse que queria transformar a seca em “algo positivo”, sugerindo que os trabalhadores que morriam de seca e fome desenvolvessem outras atividades e vivessem de artesanato.

Estadão - Doria - Reprodução/Estadão - Reprodução/Estadão
Reprodução d'O Estado de S. Paulo em 1 de julho de 1987
Imagem: Reprodução/Estadão

Procurada, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo respondeu em nome de Doria, afirmando que “as publicações de 1987 foram desvirtuadas”. “João Doria, então presidente da Embratur, defendeu que o Ceará não explorasse apenas o litoral em termos turísticos, mas valorizasse o interior, como a região da caatinga, para promover a geração de renda”, argumenta a prefeitura.

As declarações do hoje prefeito de São Paulo causaram péssima repercussão à época, como mostraria o jornal O Globo no dia 2 de julho de 1987, em matéria que teve o título: “Proposta de fazer da seca atração não agrada aos nordestinos”. Ao jornal, o Joaquim Francisco Cavalcante, então ministro do Interior, disse: “Prefiro acreditar que essas declarações não existiram”.

Roberto Magalhães, ex-governador de Pernambuco, também comentou: “Turismo não se faz com sofrimento, porque a seca é, na realidade, um drama causado pela conjunção da pobreza da natureza com a (pobreza) do homem sertanejo. Ela é uma vergonha nacional porque jamais se fez dela prioridade”.

Hoje cotado como pré-candidato à presidência do país pelo PSDB – assim como Doria – Tasso Jereissati, então governador do Ceará, saiu em defesa do presidente da Embratur, afirmando que suas declarações foram deturpadas, mas admitindo que Doria “não foi muito feliz”. Ainda segundo O Globo, as emissoras de rádio de Fortaleza dedicaram grande espaço à repercussão do que Doria disse e os ouvintes foram “unânimes” em reprovar a ideia.

O Globo ainda complementou a reportagem com uma coluna opinativa, na qual ironizou a ideia de Doria. “Do ponto de vista de quem só pensa em sua área de especialização, a ideia tem exemplar: se continuarem nessa insana irrigação, um dia ainda acabam com a seca, e onde é que os turistas vão gastar os dólares?”.

O Globo - Doria - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
Reprodução d'O GLobo em 2 de julho de 1987
Imagem: Reprodução/Globo

Confira a íntegra da nota enviada pela Secom, em nome de João Doria:

As publicações de 1987 foram desvirtuadas. João Doria, então presidente da Embratur, defendeu que o Ceará não explorasse apenas o litoral em termos turísticos, mas valorizasse o interior, como a região da caatinga, para promover a geração de renda. Trinta anos depois, estas regiões, e não apenas no Ceará, têm vários atrativos turísticos - caso de Quixadá, apenas para ficar num exemplo. Doria nunca disse que a miséria da seca deveria ser explorada nem defendeu redução de investimentos em irrigação. “A caatinga brasileira poderia ser um ponto de visitação turística e gerar uma fonte de renda para a população sofrida da área, respeitando as características culturais e humanas da população, sem exploração da miséria”, disse ele na ocasião.