Esquema 'premiava' Cabral por reajuste da tarifa de ônibus, diz Lava Jato no Rio
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), preso desde novembro do ano passado, recebeu ao menos R$ 122,8 milhões em propina para editar decretos, projetos de lei e outros dispositivos oficiais a fim de favorecer as empresas de ônibus que atuam no Estado, informou nesta segunda-feira (3) o MPF (Ministério Público Federal). Segundo as investigações, "sempre que havia reajuste" da tarifa das linhas de ônibus intermunicipais, Cabral recebia "prêmios" da Fetranspor, que reúne dez sindicatos de empresas de ônibus que atuam no Estado.
Os R$ 122,8 milhões integram um conjunto maior de pagamentos ilícitos, na ordem de R$ 260 milhões, apurado na investigação que resultou na Operação Ponto Final, realizada pela Polícia Federal, na manhã de hoje. A movimentação financeira, que vai de 2010 a 2016, consta em documentos de contabilidade paralela entregues por um colaborador, cuja identidade não foi revelada, em acordo de delação premiada.
"Todo o dinheiro arrecadado nesse tempo todo formava a caixinha da propina distribuída a agentes públicos. Essa cifra atingiu quase meio bilhão de reais", afirmou o procurador da República José Augusto Vagos. Os R$ 260 milhões apurados pelo Ministério Público Federal, segundo Vagos, fazem parte desse total de R$ 500 milhões de propina paga a agentes públicos entre 2010 e novembro de 2016, mês no qual Cabral e seus aliados foram presos, na Operação Calicute.
Toda a propina era financiada em espécie e recolhida por empresas do ramo de transporte de valores, possibilitando assim a ocultação dos recursos e facilitando o processo de lavagem do dinheiro. A logística da "caixinha da propina", revela o MPF, ficava principalmente a cargo da empresa Trans Expert.
"Esse era um esquema tão arraigado e tão forte que os pagamentos permaneceram após o final do segundo mandato do Cabral", declarou Vagas, em referência ao ano de 2014, quando Cabral, com popularidade em baixa, renunciou ao cargo de chefe do Executivo fluminense.
Os aumentos no valor da passagem eram autorizados pelo ex-presidente do Detro (Departamento de Transportes Rodoviários) Rogério Onofre, com a anuência do ex-governador. Cabia ao próprio Cabral fazer a distribuição interna do dinheiro entre os integrantes do grupo criminoso. O próprio Onofre, narra o MPF, ficou com cerca de R$ 44 milhões. "Ele[Cabral] tinha muitos créditos a receber da Fetranspor", destacou o procurador da República Eduardo El Hage.
O MPF informou que, em dado ano da gestão Cabral, os provedores da propina foram beneficiados com um percentual de reajuste excessivamente superior ao que era sugerido por estudos técnicos. "Ele [Onofre] autorizava concessão de aumento da tarifa, está sob investigação a relação entre uma autorização de aumento acima do esperado no limite técnico de 2%, e ele deu 7%", destacou a procuradora da República Mariza Ferrari.
Os empresários obtiveram ainda, de acordo com os investigadores, lucros significativos com isenções fiscais, medidas referentes à cobrança de impostos --como IPVA e o ICMS que incide sobre o diesel--, e outros atos que estão sendo analisados pela força-tarefa fluminense da Operação Lava Jato.
Há também menção a pagamentos indevidos feitos a agentes públicos que possuem prerrogativa de foro --por esse motivo, nomes não foram revelados, já que, nesse caso, a competência é do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os procuradores não informaram, por exemplo, se o ex-secretário de Estado de Transporte Júlio Lopes, que é deputado federal pelo PP e investigado na Lava Jato, estaria entre os citados.
Filho do 'Rei do Ônibus' preso no Galeão
Até o começo da tarde de hoje, foram cumpridos dez dos 12 mandados de prisão expedidos pela 7ª Vara Federal Criminal (RJ), do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Estado. Os principais alvos são o presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, detido em seu apartamento, na zona sul carioca; e Jacob Barata Filho, capturado no aeroporto do Galeão quando tentava embarcar para Portugal, na noite do domingo (2). O investigado é filho de Jacob Barata, poderoso empresário conhecido como "Rei do Ônibus".
Duas pessoas com mandado de prisão em aberto não foram localizadas. São elas José Carlos Reis Lavouras, conselheiro da Fetranspor e sócio de mais de 13 empresas do ramo de transporte, e Márcio Miranda, funcionário de uma transportadora de valores utilizada para recolhimento da propina. Há expectativa de que Lavouras, que está em Portugal, retorne ao Rio de Janeiro no próximo sábado (8). Ele negocia para se apresentar voluntariamente à Polícia Federal. A PF informou já ter solicitado a colaboração da Interpol.
A investigação surgiu a partir da apreensão da contabilidade paralela feita por Carlos Bezerra, um dos operadores financeiros de Cabral --ambos foram presos na Operação Calicute, em novembro de 2016. As informações contidas nas planilhas comprovavam, dizem os procuradores, a existência de um sistema de cobrança e pagamento de propina no setor de transporte, o "mais antigo" dos esquemas, nas palavras do procurador El Hage.
De 2010 a 2016, os documentos indicam que os empresários de ônibus fizeram pagamentos ilícitos na ordem de R$ 260 milhões, sendo a maior parte para Cabral (R$ 122,8 mi). Já Rogério Onofre, ex-presidente do Detro que também foi preso nesta segunda, teria ficado com mais de R$ 44 milhões. Como a investigação ainda está em curso, os procuradores afirmam que os valores globais e os outros beneficiários serão apontados na denúncia que será enviada à Justiça.
Outro lado
Por meio de nota, a defesa de Jacob Barata Filho informou que o empresário realizava viagem de rotina a Portugal, "onde possui negócios há décadas e para onde faz viagens mensais". A assessoria de imprensa das empresas de Jacob informou que ele possuía passagem de retorno ao Brasil, previsto para o dia 12 de julho. Informações preliminares davam conta de que ele viajava apenas com bilhete de ida. A defesa informou ainda que se pronunciará assim que tiver acesso aos autos do processo.
O UOL ainda não conseguiu localizar a defesa dos demais investigados.
Por meio de sua assessoria de comunicação, o Detro informou que "a fiscalização continua atuante em todo o Estado" e que não iria comentar a prisão de Onofre.
A Fetranspor, por sua vez, foi consultada, e disse estar à disposição da Justiça para eventuais esclarecimentos.
A defesa de Sérgio Cabral não se manifestou sobre as acusações, mas vem afirmando que o ex-governador só se manifestará em juízo.
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