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Fim de equipe exclusiva da PF tira prioridade da Lava Jato, diz procurador da operação

O procurador Paulo Roberto Galvão, da força-tarefa da Lava Jato - Alex Falcão - 29.mar.2016/Futura Press/Estadão Conteúdo
O procurador Paulo Roberto Galvão, da força-tarefa da Lava Jato Imagem: Alex Falcão - 29.mar.2016/Futura Press/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

07/07/2017 20h03

O fim da equipe exclusivamente dedicada à Operação Lava Jato na Polícia Federal do Paraná foi chamado de "retrocesso" pela força-tarefa do MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) que atua no caso. No entanto, segundo o procurador Paulo Roberto Galvão, que integra a força-tarefa, não há atrito com a PF.

"O Ministério Público está defendendo a polícia nesse caso. Estamos falando a favor da polícia, defendendo a polícia, dizendo que a polícia é importante e o trabalho dela não pode ser diminuído. É uma divergência de posição, mas o MP está falando da importância da polícia para a Lava Jato", afirmou em entrevista concedida ao UOL nesta sexta-feira (7).

Na quinta (6), a Polícia Federal anunciou o fim das equipes exclusivas para a Lava Jato e a Carne Fraca e a integração das mesmas à Delecor (Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas). Segundo o delegado Igor Romário de Paula, que coordena a investigação da Lava Jato no Paraná, a medida se refletirá "quase de forma irrelevante" no trabalho dos policiais envolvidos e a operação continuará sendo prioridade.

Para o procurador, porém, embora sejam mais delegados envolvidos, eles terão que se dividir entre mais tarefas, fazendo com que a Lava Jato deixe de ser o foco central. "Eles [os policiais] vão fazer Lava Jato, mas vão fazer oitiva, por exemplo, de investigação de interesse de outros Estados. Vão fazer uma série de outros crimes que entram na vala comum daqueles casos que a gente sabe que tem no Brasil e raramente vão para a frente. Você perde a prioridade para o caso".

A seguir, leia os principais trechos da entrevista do procurador Paulo Roberto Galvão.

UOL - A força-tarefa anunciou ter recuperado aos cofres públicos, nos últimos dez dias, R$ 903,9 milhões decorrentes de acordos de colaboração. Como é definido o valor que cada empresa paga e qual a destinação do dinheiro?

Paulo Roberto Galvão - O acordo é, antes de mais nada, uma negociação. Esses acordos que o MP tem feito na Lava Jato não dão quitação. Ou seja, não é tudo que uma empresa precisa pagar de ressarcimento. A gente verifica o que a empresa obteve de lucro indevido, o que pagou de propina e as informações que ela traz, ou seja, a gente pondera o que aquele acordo vai nos ajudar a obter em outras investigações. A partir disso, a gente estabelece um valor. O mais importante nos acordos não é o valor que eles estão pagando, é a quantidade de informações e provas que eles estão trazendo e que vão permitir que as investigações avancem para buscar valores de outras pessoas. Mas é claro que os valores que estão trazendo são importantes também.

A gente entende que o valor desviado de corrupção tem que voltar para os cofres públicos de onde saiu. O valor que foi desviado da Petrobras volta para a Petrobras. Tem outros órgãos públicos envolvidos. Em última análise, esse valor volta para o povo brasileiro, no Estado.

UOL - Esse valor deveria ser revertido em parte para as próprias investigações ou os órgãos que atuam nelas?

Galvão - A gente entende que sim, um pequeno valor. No caso da Braskem, foi reservado 1,5% do total por meio da lei de lavagem de dinheiro [a lei prevê que valores recuperados podem ser destinados aos órgãos de combate à corrupção e lavagem de dinheiro]. Deixando claro que essa utilização nos órgãos de investigação não é para pagar os membros. Na Lava Jato, a gente ainda não usou. Mas é um valor pequeno diante do total.

UOL - A lei de repatriação afetou os esforços do MP para a recuperação de dinheiro ilícito depositado no exterior?

Galvão - A gente não consegue fazer um levantamento, porque há uma série de sigilos e resguardos nesse sistema de repatriação que realmente dificultam a investigação. A gente está tentando de alguma forma ter acesso a mais informações, porque é um absurdo que uma pessoa investigada possa fazer uma repatriação de dinheiro que era ilegal. A gente já identificou pessoas investigadas que usaram esse regime para trazer dinheiro de propina para o Brasil. Ou seja, para legalizar o dinheiro que era de propina. Isso é um absurdo. Com certeza, isso pode dificultar. Não tenho como dar um número, um levantamento, até porque a gente não sabe o valor total, tudo isso precisa ser investigado. Tem muito o que procurar ainda.

UOL - Sobre as mudanças na investigação da Lava Jato pela Polícia Federal: não é melhor ter mais gente investigando mesmo que não haja exclusividade para a Lava Jato?

Galvão - O caso Lava Jato é a maior investigação que já houve no Brasil. Tem uma série de ramificações que se encaixam. Se você começa a dividir isso entre muitas pessoas, é impossível elas terem essa visão do todo. Cada um vai ver o que está no seu inquérito e vai perder a noção do geral. A gente viu isso em todas as fases da Lava Jato, nenhuma fase aconteceu sem juntar provas de diversos pedaços da Lava Jato. É muito importante essa visão do todo. Uma vez que você divide esse grupo, você dissipa esse conhecimento. 

Eles [os policiais] vão fazer Lava Jato, mas vão fazer oitiva, por exemplo, de investigação de interesse de outros Estados. Vão fazer uma série de outros crimes que entram na vala comum daqueles casos que a gente sabe que tem no Brasil e raramente vão para a frente. Você perde a prioridade para o caso.

Na verdade, a gente não teve a diminuição da demanda. Pode ter tido, sim, a diminuição das operações, das fases, mas a verdade é que existe um acúmulo de material gigantesco na Polícia Federal aguardando análise, aguardando levantamento e aguardando investigação para poder dar ensejo a novos casos, novas denúncias, quem sabe até novas fases. Pode ter tesouros ali, no sentido de provas. Discordamos completamente dessa ideia de que houve diminuição [de demanda].

UOL - Como a força-tarefa recebeu a decisão do STF sobre a validação de acordos de colaboração premiada?

Galvão - Recebemos muito bem, mas a verdade é a seguinte: antes de surgir essa discussão agora, para nós era muito óbvio que a única decisão possível era essa. Um acordo, uma vez feito, tem que ser homologado e respeitado pelo Estado, isso é um princípio básico. Se você faz um acordo para depois alguém dizer: "Ah, não, acho que não tá legal, não vou aplicar", você cria um desincentivo extremo a que pessoas venham colaborar. Ninguém vai dar a cara, apresentar provas contra si próprio, para ver no que vai dar. É preciso ter alguma segurança nesses casos.

UOL - Qual a avaliação que o senhor faz dos mandatos do procurador-geral Rodrigo Janot? O senhor avalia que ele deixa algum legado para o Ministério Público ou mesmo para o Brasil?

Galvão - Vou falar de dois grandes legados que ele está deixando. Um é a profissionalização de todo o funcionamento do Ministério Público. Isso é um trabalho que já vinha de antes, mas foram criadas áreas específicas, como uma secretaria para lidar só com cooperação internacional, uma secretaria só para gerenciar o relacionamento do Ministério Público com outras instituições. Trouxe pessoas muito boas para trabalhar perto dele. Retomou a questão das forças-tarefas, que há muito tempo não havia dentro do MPF. Soube identificar as áreas onde o MP estava deficiente e soube investir nessas áreas.

O segundo grande legado é a própria condução da Lava Jato. Decisões que ele tomou no curso desse processo, decisões de investigar não importa a quem isso venha atingir, foram decisões muito importantes que marcaram o mandato dele. Não estou dizendo que outras pessoas seriam diferentes, mas teria sido muito mais fácil e teria causado muito menos problemas para ele se ele tivesse deixado processos contra autoridades na vala comum. Pelo contrário. Ele criou um grupo em Brasília para tratar dos processos em decorrência da Lava Jato e foi isso que possibilitou o avanço tão rápido e tão profundo dessas investigações.

UOL - A subprocuradora-geral Raquel Dodge, indicada para substituir Janot, vai conservar ou mesmo ampliar esse legado?

Galvão - O Ministério Público vem numa crescente desde a Constituição. Acredito que nenhum dos candidatos iria desfazer o que foi feito nesses últimos quatro anos. Ninguém aqui imagina que vai haver algum retrocesso nesse campo da profissionalização do Ministério Público. Claro que ela tem um estilo próprio de gerenciar, e isso a gente só vai perceber quando ela assumir. A perspectiva não é negativa. Qualquer pessoa, nós inclusive, está sujeita a um escrutínio. Nós precisamos, e o procurador-geral precisa, atuar corretamente o tempo inteiro para manter essa confiança que a população hoje coloca no Ministério Público.