Geddel cobrou propina para liberar R$ 2,7 bi da Caixa para Joesley comprar Alpargatas, diz delator
Antes da prisão nesta semana e de cair em desgraça acusado pelo ex-ministro da Cultura de pressioná-lo para liberar uma obra embargada em sítio histórico de Salvador --episódio que lhe custou o cargo de ministro da Secretaria de Governo e o foro privilegiado--, Geddel Vieira Lima era conhecido por ser solícito em relação a pedidos de amigos empresários para ajudar a liberar recursos na Caixa Econômica Federal. Ex-ministro de Lula (Integração Nacional) e Temer (Secretaria de Governo), Geddel ocupou a Vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa de 2011 a 2013, no governo Dilma . Entre outras supostas negociatas, ele teria colaborado com o empresário Joesley Batista para conseguir um empréstimo de R$ 2,7 bilhões no banco para ele comprar a Alpargatas. Em troca, receberia uma propina de R$ 80 milhões.
As acusações foram feitas pelo corretor financeiro Lúcio Funaro em depoimento à Polícia Federal no dia 14 de junho. Funaro está preso por conta da Operação Lava Jato e era considerado um dos principais operadores financeiros nos esquemas de corrupção do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também preso na Lava Jato. Geddel foi preso na última segunda (3) em decorrência de investigações da Operação Cui Bono?.
Funaro tenta costurar um acordo de delação premiada com o MPF (Ministério Público Federal) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) e diz que irá apresentar detalhar e provas destas e de outras acusações.
O UOL procurou Gamil Foppel, advogado de Geddel, mas ele não atendeu aos telefonemas. O defensor tem negado as acusações feitas a seu cliente.
R$ 20 milhões em propinas ao longo dos anos
De acordo com o depoimento, Funaro afirma que o último negócio de que participou com Joesley e Geddel foi a concessão de um empréstimo de R$ 2,7 bilhões da Caixa para a J&F comprar a Alpargatas, em dezembro de 2015. Pouco menos de um ano depois, o negócio chamou a atenção do TCU (Tribunal de Contas da União).
Na ocasião, Geddel já não era mais vice-presidente na Caixa, mas, segundo Funaro, continuava controlando a vice-presidência indiretamente. Geddel ocupou o cargo executivo na Caixa de 2011 a 2013, durante o governo de Dilma Rousseff. No depoimento, Funaro recorda do caso em detalhes.
De acordo com ele, no dia 12 de dezembro de 2015, Joesley foi com a mulher, Ticiana Villas Boas, até sua casa pedir para que ele entrasse em contato com Geddel e pedisse ajuda com a liberação do empréstimo bilionário. A propina combinada com Joesley para este caso seria de R$ 80 milhões, mas o débito não teria sido saldado pelo empresário (pelo menos não com o conhecimento de Funaro).
O operador afirma ainda que Geddel recebia comissão por todos os empréstimos concedidos pela Caixa que passavam pela aprovação dele. Funaro afirma que entregou a Geddel pelo menos R$ 20 milhões em propinas ao longo dos anos. Geddel foi preso acusado de pressionar Lúcio Funaro, por meio de sua mulher, para que não fizesse acordo de delação premiada.
No mesmo depoimento, Funaro afirma à PF que o presidente Michel Temer fez "orientação/pedido" para que fossem feitas duas "operações" de crédito junto ao fundo de investimentos do FGTS para duas empresas privadas. As operações, segundo Funaro, geraram "comissões expressivas, no montante aproximado de R$ 20 milhões".
Procurada pelo UOL por meio de sua assessoria de imprensa, a Caixa diz apenas que "está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com os trabalhos, procedimento que continuará sendo adotado pelo banco". Já a assessoria de imprensa da J&F responde que "ressalta a importância do mecanismo da colaboração, que está permitindo que o Brasil mude para melhor" (leia mais abaixo).
Caronas em avião de dono da Gol
Em outro caso relatado pelo corretor, Geddel teria ajudado a liberar R$ 60 milhões da Caixa para uma das empresas de Henrique Constantino, um dos donos da companhia aérea Gol, sem receber propina em dinheiro. O favor não teria sido cobrado porque o valor seria "muito baixo". Além disso, Geddel viajava constantemente e sem pagar nada no avião particular do empresário.
Durante as negociações de delação premiada com procuradores da Operação Lava Jato, Constantino afirmou ter feito pagamentos a Cunha e a Funaro em troca de facilidades em negócios no âmbito da Caixa. Na época, os advogados de Cunha não comentaram a acusação. O UOL não conseguiu contato com os defensores do ex-deputado.
Em dezembro do ano passado, a companhia aérea Gol, principal empresa da família Constantino, firmou acordo de leniência com o MPF e se comprometeu a pagar R$ 12 milhões em multas. A empresa era investigada na Operação Lava Jato.
Henrique Constantino afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "segue colaborando com a Justiça para o total esclarecimento dos fatos". Em relação à informação de que Geddel teria voado nos aviões da família, "Henrique Constantino informa que desconhece essa informação".
A Gol também informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que Geddel nunca voou de graça nos aviões da companhia e que Constantino está afastado da direção.
A assessoria de imprensa da J&F ainda diz que "não seria possível expor a corrupção no país sem que pessoas que cometeram ilícitos admitissem os fatos e informassem como e com quem agiram, fornecendo indícios e provas".
"A colaboração de Joesley Batista e mais seis pessoas é muito diferente de todas as que já foram feitas até aqui. Além da utilização de ação controlada com autorização judicial, houve vastos depoimentos, subsidiados por documentos, que esclarecem o modus operandi do cerne do sistema político brasileiro. A despeito do grande número de informações e provas já entregues, os colaboradores continuam disponíveis para cooperar com a Justiça e, conforme acordo firmado, estão sendo identificados outras informações e documentos como complementos às investigações e que também serão entregues."
Mudança para carceragem da PF
Na quarta-feira (5), Funaro foi transferido do Complexo Penitenciário da Papuda para a carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Ele promete detalhar às autoridades como funcionava o esquema do PMDB da Câmara dos Deputados na Caixa, que, além de Geddel e seu grupo, envolveria a participação de outro vice-presidente da instituição, Fábio Cleto.
Em delação premiada, Cleto, por sua vez, afirma que 12 empresas pagaram propina para Cunha para liberar investimentos do FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia sobre Tempo de Serviço), que é gerido pela Caixa.
De acordo com Funaro, foi ele quem apresentou Joesley a Geddel na época em que o político era vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa. Segundo ele, Geddel ajudava as empresas da J&F Investimentos (controladora das empresas dos irmãos Joesley e Wesley Batista) a conseguir empréstimos do banco público em troca de comissões do valor total.
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