Proximidade de família de Lula com suposto laranja era anterior a apartamento, diz MPF
Um dos protagonistas da polêmica envolvendo recibos de aluguel de um apartamento usado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o engenheiro Glaucos da Costamarques já tinha contato próximo com a família do petista antes de 2010, quando comprou o imóvel, afirma a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná).
Em trecho da denúncia oferecida contra Lula, Costamarques e outras cinco pessoas, o MPF diz que, “além de ser parente próximo de José Carlos Costa Marques Bumlai, que era amigo íntimo de Luiz Inácio Lula da Silva, o próprio Glaucos da Costamarques também era pessoa próxima da família do ex-presidente da República ao menos desde 2009.”
A defesa de Lula disse que o ex-presidente “esclareceu em seu depoimento que não tem e jamais teve relação com o Sr. Glaucos da Costamarques”.
Os procuradores destacam que foi encontrado na residência de Lula um contrato datado de dezembro de 2009 em que Costamarques deu a Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente, a opção de compra de sua parte em uma empresa chamada Bilmaker 600 Serviços em Importação e Exportação.
A empresa foi aberta em janeiro de 2009 por Costamarques, e sua primeira sede também serviu de endereço para a LLCS Participações, uma empresa de Luís Cláudio e seu irmão, Fábio Luís. A LLCS foi criada em 2010 e dissolvida no ano seguinte.
Os sócios de Costamarques na Bilmaker eram Fábio Tsukamoto e Otávio Ramos, colegas de escola dos filhos de Lula. Em paralelo, Tsukamoto e Ramos foram sócios de Luís Cláudio na empresa ZLT 500, aberta em agosto de 2010. Os três deixaram a sociedade em março de 2011, e a companhia foi fechada em 2015.
Bumlai queria filho de Lula no negócio, disse Costamarques
Quando interrogado pelo juiz Sergio Moro em setembro, Costamarques disse que sua participação na Bilmaker foi apenas uma estratégia de Bumlai para que Luís Cláudio assumisse o negócio depois.
De acordo com o relato de Costamarques, menos de um ano depois da abertura da empresa, o pecuarista sugeriu que aumentasse sua participação e, depois, fizesse um contrato cedendo sua parte para Luís Cláudio Lula da Silva. Segundo o engenheiro, Bumlai também foi quem o apresentou a Tsukamoto e Ramos.
“Aí que eu vi que isso aí era para o Luís Cláudio, se aparecesse algum negócio, porque até aquela época - porque eu fiquei prospectando durante todo esse tempo - eu não fiz nenhum negócio”, disse Costamarques no interrogatório.
Ainda segundo o engenheiro, o endereço da Bilmaker foi usado pela LLCS a pedido de Bumlai.
“O José Carlos me falou: ‘O Luís Cláudio vai entrar em uma concorrência e ele precisa abrir uma firma, e precisa de um endereço’. E eu falei para ele que poderia usar, porque se ele ganhar a concorrência, ele vai alugar um lugar e se não ganhar ele vai fechar a firma, então é uma coisa que ele usou o endereço sem usar, só.”
Lula, por sua vez, disse em seu interrogatório não saber nada sobre o contrato de Luís Cláudio com Costamarques.
“Eu não tenho como explicar, assim, eles tinham um escritório juntos, se eles tinham montado um escritório em São Paulo pode ter explicação, o que eu sei pela declaração do Glaucos é que a empresa faliu por falta de serviços”, afirmou o ex-presidente.
Questionado se conhecia Costamarques, Lula disse que não tinha “relação” com o engenheiro e que não se lembrava das ocasiões em que poderia ter estado com ele.
Já Costamarques disse que esteve com Lula por cinco vezes, sempre na companhia de Bumlai e antes da compra do apartamento de São Bernardo do Campo. Uma delas teria sido a comemoração de um aniversário de Luís Cláudio.
Empresa não tem registro de importação ou exportação
Entre os documentos sobre a Bilmaker disponíveis na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo), não há nenhuma informação sobre falência ou fechamento da companhia, que apenas mudou de nome. Em 2009, a empresa registrou um balanço, o único disponível, informando prejuízo de R$ 142 mil.
No interrogatório, Costamarques disse que a Bilmaker seria voltada para “administrar e prospectar negócios, importação da China, essas coisas”. Em 2010, outro sócio, Otávio Ramos, declarou à “Folha de S. Paulo” que a Bilmaker era uma empresa de exportação e importação de "qualquer coisa".
Apesar disso, a Bilmaker nunca apareceu nas bases de dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) como empresa importadora ou exportadora.
Em fevereiro de 2011, Tsukamoto e Ramos deixaram a sociedade. Em novembro do mesmo ano, a mulher de Costamarques, Regina, virou sócia.
Em junho de 2013, o casal deixou a empresa, que mudou de donos, de nome e de endereço. No ano seguinte, passou a se chamar WDealer, com sede no oitavo andar de um prédio na Rua Cônego Eugênio Leite, bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Apesar de a WDealer constar na Receita Federal como uma empresa ativa, ela não funciona no endereço informado. O prédio em que supostamente está sediada abriga um coworking; o oitavo andar, uma sala de reuniões.
Outro lado
Ao UOL, a defesa de Lula disse que o ex-presidente “já esclareceu em seu depoimento que não tem e jamais teve relação com o Sr. Glaucos da Costamarques. Também esclareceu que sequer se recorda das únicas 4 oportunidades em que Glaucos afirmou ter estado na presença do ex-Presidente.”
Entre quinta (5) e sexta (6), o UOL procurou por e-mail e telefone os advogados de Luís Cláudio Lula da Silva, Glaucos da Costamarques e José Carlos Bumlai. Nenhum deles respondeu às perguntas sobre seus clientes.
Na sexta (6), a reportagem procurou Fábio Tsukamoto em um telefone registrado no endereço que forneceu à Jucesp. A pessoa que atendeu disse que não havia ninguém com o nome dele no local.
O UOL também entrou em contato com um escritório de contabilidade que atendeu uma outra empresa de Otávio Ramos. Segundo uma funcionária do escritório, a empresa está inativa e, por isso, não havia contatos de Ramos que poderiam ser passados à reportagem.
Entenda a acusação sobre o apartamento
Segundo o MPF, um apartamento usado pela família de Lula em São Bernardo do Campo (SP) seria parte de uma propina da Odebrecht em troca da atuação do ex-presidente para beneficiar a empresa em oito contratos com a Petrobras. Um terreno em São Paulo para o Instituto Lula --que nunca foi usado pela entidade-- também faria parte da vantagem indevida.
A defesa do ex-presidente nega que tenha recebido a posse ou propriedade dos imóveis, muito menos em contrapartida a uma atuação em contratos com a Petrobras. Segundo os advogados de Lula, “nenhuma prova foi apresentada sobre essa alegação, que se mostrou, em verdade, ser manifestamente improcedente.”
“Essa situação, além de levar ao reconhecimento da inocência de Lula, mostra que o processo jamais poderia estar sendo conduzido pelo juiz Sergio Moro, pois não há qualquer relação efetiva e real com a Petrobras, como sempre foi afirmado pela defesa”, diz a defesa.
Os advogados de Lula apresentaram um contrato de aluguel assinado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia e por Costamarques, com início em fevereiro de 2011. Também entregaram à Justiça recibos assinados por Costamarques que comprovariam a quitação dos aluguéis.
No entanto, segundo o MPF, não há transações bancárias que comprovem o pagamento dos aluguéis até o fim de 2015. Os procuradores também questionaram a autenticidade dos recibos apresentados, e Moro determinou que a defesa de Lula informe expressamente se tem os recibos originais. Costamarques disse à Justiça que, neste período, não recebeu nada --apesar de ter declarado isso no imposto de renda.
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