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Extratos mostram gastos de R$ 2,8 milhões em joalherias por ex-gerente da Petrobras

Extrato de gastos na Taka Jewelery, de Cingapura - Arte/UOL
Extrato de gastos na Taka Jewelery, de Cingapura Imagem: Arte/UOL

Eduardo Militão

Colaboração para o UOL, em Brasília

18/10/2017 04h00

Uma das investigações da Lava Jato no exterior mostra que um ex-gerente da Petrobras gastou o equivalente a R$ 2,8 milhões em joalherias pelo mundo com dinheiro que, segundo Ministério Público, é fruto de propina por desvios na estatal.

Os extratos bancários ainda ligam esse ex-executivo a carros, contrabando, fraudes, comércio na Ásia, ações em Bolsa e até a um empresário associado a deputado federal em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). Procurado por três dias pela reportagem, o advogado de Xavier Bastos, João Mestieri, não prestou esclarecimentos sobre o caso (veja mais abaixo).

A Procuradoria da República no Paraná pediu ao juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, a condenação de Pedro Augusto Xavier Bastos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e o pagamento de US$ 82 milhões (R$ 258 milhões) à União e à estatal, entre multas e ressarcimentos.

Assim como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-funcionário da Petrobras é acusado de ter recebido recursos do lobista João Augusto Henriques depois que ele articulou um negócio em Benin, na África, em que a estatal gastou US$ 66 milhões (R$ 208 milhões). 

Preso, Cunha foi condenado porque recebeu US$ 1,5 milhão (R$ 4,73 milhões) do esquema numa conta secreta na Suíça, segundo os extratos bancários do banco suíço BSI e a sentença de Moro --ele nega ter cometido irregularidades. Mas Xavier Bastos, que também está na cadeia, recebeu o equivalente a R$ 16 milhões, segundo esses extratos.

Xavier Bastos --que atuava na diretoria de Internacional, ligada ao PMDB, com Jorge Zelada-- obteve US$ 4,8 milhões de Henriques e mais US$ 354 mil da offshore Geo Nunes, do empresário Marcos Antônio Galotti, totalizando R$ 16 milhões. Esse montante foi parar na conta da Sandfield Consulting entre 2011 e 2012, de acordo com os extratos do banco BSI. Segundo a Procuradoria, era propina.

Ex-executivo fez 22 gastos em lojas de luxo em 3 anos

Levantamento do UOL nos extratos do banco BSI mostra que Xavier Bastos gastou US$ 898 mil (R$ 2,8 milhões) em joalherias pelo mundo entre 2012 e 2015.

Ele fez pagamentos a seis lojas de cinco países, na Ásia, Europa e EUA. Na Taka Jewellery, de Cingapura, foram US$ 507 mil (R$ 1,6 milhão). Na Albert, de Hong Kong, gastou US$ 240 mil (R$ 760 mil). Na Ace Jewlers, de Amsterdã, na Holanda, foram US$ 39 mil (R$ 123 mil). Na indiana Gehna Jewellers, foram US$ 70 mil (R$ 221 mil). Nas joalherias de Nova York Ariha Diamond e Maya, foram US$ 26 mil e US$ 15 mil, respectivamente, ou R$ 82 mil e R$ 47 mil.

No período, Xavier Bastos fez 22 pagamentos em lojas de luxo.

Apenas em 4 de novembro de 2014, pagou US$ 148.605 (cerca de R$ 469 mil) na Taka Jewellery. O dinheiro caiu na conta da empresa no banco HSBC de Cingapura. Xavier gastou mais US$ 35 (R$ 110) em taxas bancárias nessa operação. Procuradas, nenhuma das empresas explicou ao UOL que tipo de joias e nem se foram realmente adquiridas lá.

US$ 90 mil em carros importados

As cerca de cem páginas de extratos bancários de Xavier Bastos revelam mais. Depois de receber o que seria a primeira parcela das propinas de Henriques, em 2011, o ex-gerente da Petrobras colocou US$ 45 mil (R$ 142 mil) na conta da Korea Autoparts Co. Ltda, uma importadora de veículos de várias marcas, como Hyundai e Kia. Era 5 de julho daquele ano. A reportagem solicitou esclarecimentos à importadora, sem sucesso.

Em 30 de setembro de 2011, foram mais US$ 45 mil (R$ 142 mil), desta vez à Skyward Parts Co. Ltda., em um banco de Xangai, na China. A Skyward não foi localizada pelo UOL.

Xavier Bastos ainda colocou US$ 80 mil (R$ 252 mil) na conta do argentino Jorge Gabriel Soriano, em junho e em dezembro de 2011. Naquele ano, Soriano foi denunciado por corrupção ativa na Operação Freeway, que investigava um esquema para facilitar a passagem de mercadorias no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Questionado pelo juiz Sérgio Moro sobre essas despesas, o ex-gerente da Petrobras disse apenas desconhecer a atuação criminosa de Soriano. 

O ex-executivo da Petrobras ainda depositou, em junho de 2011, US$ 40 mil (R$ 126 mil) na conta do português Francisco Canas, hoje já morto. O estrangeiro foi "o principal arguido do caso denominado 'Monte Branco', que apurou fraudes fiscais e lavagem de centenas de milhões de euros relacionadas ao Banco Espírito Santo (BES), sediado em Lisboa", narrou o Ministério Público em petição dirigida a Moro.

Em depoimento, Xavier Bastos disse que fez "investimentos" de cerca de US$ 2 milhões (R$ 6,3 milhões) na República do Congo, na África. Nas contas dele mesmo, há um saldo de US$ 1,67 milhão (R$ 5,2 milhões) lá.

Os extratos ainda mostram pagamentos para empresas de comércio na Ásia, títulos e ações em Bolsa. Mas ele se negou a explicar sobre essas ligações quando foi interrogado.

MP cita deputado em investigação

Nas alegações finais da ação penal contra Xavier, o Ministério Público recorda que Galotti ajudou Henriques na empreitada em Benin que deu prejuízo à Petrobras. "Ressalte-se também que (...) constatou-se que Marcos Gallotti é investigado perante aquela Suprema Corte juntamente com o deputado federal Francisco José D'Ângelo Pinto (PT-RJ)."

Segundo a Polícia Federal, uma lancha em nome de Galotti está registrada no endereço em que uma denúncia anônima ao Ministério Público indica como fonte de recursos para financiamento de um suposto esquema para distribuição de óculos "em troca de votos" em Petrópolis (RJ) nas eleições de 2014. 

O deputado Chico D'Ângelo disse ao UOL que não conhece Galotti nem a empresa Geo Nunes. "Se tiver alguma coisa com esse grupo, eu abro mão do meu mandato", afirmou o parlamentar. "Alguém fez uma denúncia anônima que não tem pé nem cabeça. É uma canalhice. Que óculos? Tem alguma foto? Que maluquice é essa?"

Ele afirmou que seus advogados devem procurar a equipe da Procuradoria-Geral da República (PGR) para comprovar a inconsistência da acusação incluída no inquérito do Supremo. 

O parlamentar diz que também não pode ser ligado a Galotti. "Se ele está envolvido, que seja processado. Agora, me colocar nisso é irresponsabilidade", afirmou D'Ângelo.

A reportagem não localizou Galotti, mas seus advogados disseram ao STF que a PF errou ao associar o endereço da lancha e da Geo Nunes ao informado pelo denunciante anônimo no suposto esquema dos óculos.

Outro lado

Investigadores do Ministério Público Federal ouvidos pelo UOL dizem duvidar que Xavier Bastos seja dono de todo esse dinheiro recebido de Henriques --três vezes mais do que Eduardo Cunha teria recebido no mesmo esquema. A suspeita dos investigadores da Lava Jato é que o ex-gerente tenha repassado parte dos recursos desviados da Petrobras para outros agentes públicos e privados.

Xavier Bastos se negou a explicar os destinatários do dinheiro, mas disse que foi tudo feito legalmente. "Eu não transferi dinheiro para nenhum político, não sou longa manus [expressão latina que significa alguém que atua a mando de outra pessoa, como se fosse uma "mão longa"] do João Henriques, nenhum agente público, nenhuma transferência foi feita para esses entes", afirmou ele, em depoimento ao juiz Sergio Moro. 

Depois de ser procurado por três dias, o advogado de Xavier Bastos, João Mestieri respondeu às perguntas do UOL em relação a outro réu na Lava Jato. Questionado novamente sobre Xavier, não prestou esclarecimentos. 

O ex-gerente está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), região metropolitana de Curitiba. Lá também estão João Augusto Henriques e Eduardo Cunha, que têm negado as acusações. A reportagem não localizou Galotti e Soriano.