Jamil Chade

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Reportagem

Moçambique vive pior crise em 50 anos e opositor sugere paramilitares

A crise política que se instaurou depois da eleição de outubro, em Moçambique, é a maior desde o processo de independência no país, em 1975. Fontes, deputados e entidades de direitos humanos em Maputo que conversaram com o UOL confirmam que o país precisará de anos para ser reconstruído e alertam que a destruição soma milhões de euros em prejuízo. Enquanto isso, milhares de pessoas tentam sair de Moçambique, cruzando a fronteira em direção ao Malawi, e o opositor - um pastor evangélico - sugere uma aliança com paramilitares.

Até agora foram mais de 254 mortos, centenas de feridos e mais de 4.100 pessoas detidas. O que mais preocupa, porém, é que a oposição convocou uma nova fase de protestos a partir desta segunda-feira.

A crise eclodiu depois da eleição de outubro, um teste para a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o movimento que liderou a independência do país nos anos 70 e que, deste então, ocupa o governo. Daniel Chapo era o candidato do governo, contra o pastor evangélico Venâncio Mondlane.

Observadores da UE, da CPLP e dos bispos católicos denunciaram a alteração injustificada dos resultados eleitorais. O governo dos EUA também alertou para "irregularidades significativas" no processo eleitoral.

No dia 9 de outubro, um dia antes do anúncio oficial dos resultados, o candidato da oposição, Venâncio Mondlane, declarou sua vitória e ameaçou com o "caos" se o Conselho Constitucional desse a vitória ao candidato partido no poder, Daniel Chapo.

O governo, porém, confirmou Chapo como vitorioso e que ele será o novo presidente a partir de 15 de janeiro.

Admirador de Jair Bolsonaro e pastor evangélico, Mondlane passou a convocar o povo às ruas, abrindo o caminho de violência pelo país e que foi respondida com uma repressão por parte do governo, cada vez mais fragilizado.

O opositor, porém, rejeita a responsabilidade pelo caos e acusa o governo de usar "táticas soviéticas" para criar caos. "São homens da polícia que arrombam armazéns", justifica, sem apresentar provas.

Opositor sugere convocar grupos paramilitares

Em sua última aparição nas redes sociais, ele confirmou que continuará a contestar os resultados e anunciou uma nova etapa dos protestos. "Vamos intensificar nossas manifestações", garantiu neste domingo.

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Segundo ele, também sem apresentar evidências, há uma execução de presos nos centros de detenção. "Queremos que a Frelimo seja considerada como uma força terrorista pela comunidade internacional", defendeu. "Chegou a hora de decretar isso. Haverá uma petição a partir desta segunda-feira para que o mundo assim a considere", insistiu.

"Essa será a fase que a população irá se defender com todos seus meios", disse. Citando o fato de ter sido procurado por grupos paramilitares, ele alertou que "se necessário", vai dar o "aval" para que essas entidades defendam "o povo".

Ele ainda convocou um concurso para desenhar uma nova bandeira ao país e que vai banir qualquer produto que traga a palavra "Frelimo". "Lojas que vendem camisetas da Frelimo devem fechar", alertou.

Ele ainda insiste que irá tomar posse, seja qual for o destino do atual governo. "Eu vou tomar posse em Moçambique. É isso que vou fazer", declarou em uma entrevista à rede CNN.

O opositor ainda anunciou as seguintes medidas:

Nos dias 6 e 7 de janeiro de 2025, ele vai organizar sua própria eleição, em cada província, distrito, localidade, bairro e quarteirão;

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O objetivo é eleger governadores das províncias, administradores dos distritos, chefes das localidades, secretários dos bairros e chefes dos quarteirões;

Substituir os nomes das avenidas, bairros e ruas: os nomes devem ser escolhidos pelo povo que reside nesses lugares;

O opositor ainda pediu que a população faça molduras de sua foto para que seja distribuída e colocada pelo país, como o novo presidente.

Destruição

Enquanto isso, o país é devastado pela destruição. Mais de cem postos de gasolina foram vandalizados, ampliando o risco de um desabastecimento para o transporte de um dos países mais pobres do mundo. Incêndios ainda causaram perdas de mais de 14 milhões de euros no setor de saúde, com a destruição de 77 ambulâncias e viaturas de

Ao UOL, Agostinho Vuma, presidente da Confederação das Associações Econômicas de Moçambique, explicou que para além das perdas estimadas em 24,8 bilhões de meticais (360 milhões de euros), agora mais 500 empresas foram ou vandalizadas ou saqueadas.

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"Até novembro, os prejuízos das vandalizações estavam estimadas em 2,9 bilhões de meticais (45 milhões de euro), e mais de 12 mil postos de emprego afetados, diretamente", disse.

"O nível de vandalização da maior parte destes estabelecimentos é de tal forma que, não poderão voltar a operar imediatamente, colocando em causa mais de 500 mil trabalhadores, de forma direta", explicou.

Segundo ele, a Província de Maputo e a Cidade de Maputo concentram 40% do tecido industrial de Moçambique. "Na generalidade são indústrias metalúrgicas, de bebidas, de produtos alimentares, minerais, gráficas, têxtil entre outras", disse.

"Isto significa que cerca de 40% do tecido industrial de Moçambique foi vandalizado", lamentou. "Nos próximos tempos, haverá escassez de tudo, incluindo desemprego em massa. Prevemos que mais de 500 mil pessoas poderão ir ao desemprego, de forma imediata o que irá agravar a pobreza e condições sociais", alertou.

Ficou ruína

Num texto publicado de forma anônima num dos sites de notícia do país, uma leitora resume a crise.

"Começo pelo fim: o engenheiro Venâncio (que agora nos deseja boas festas) já nos tinha ameaçado que não haveria festas de Natal nem celebrações de fim do ano", disse. "Decretou que as festas religiosas deviam ser celebradas não nas nossas casas, mas em manifestações nas ruas. Sou católica, venho de uma família católica. Nunca pensei que alguém pudesse ter a veleidade de interferir em algo tão sagrado como as celebrações natalícias", afirmou.

"O ditador Maduro, da Venezuela, já tinha mandado alterar as datas do Natal. Todos se riram dessa presunção. Só podia ser uma anedota, só podia sair da boca de um palhaço. Infelizmente, no nosso caso, os mandamentos do Venâncio Mondlane não podem ser motivo de riso", alertou.

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"Nunca em Maputo se destruiu tanto num só dia: hospitais, postos de energia, armazéns de medicamentos, lojas, condutas de água, bens públicos, repartições e serviços. Tudo que era nosso, agora ficou de ninguém. Tudo que era construção, ficou ruína", completou.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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