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Senador ruralista faz emenda em MP que beneficia empresa da qual é sócio

Senador Cidinho Santos (PR-MT) é sócio de empresa que deve ao Funrural - Reprodução/Facebook/Cidinho Santos
Senador Cidinho Santos (PR-MT) é sócio de empresa que deve ao Funrural Imagem: Reprodução/Facebook/Cidinho Santos

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

08/11/2017 04h00

O senador Cidinho Santos (PR-MT), membro da bancada ruralista, fez emendas ao texto de uma MP (medida provisória) que podem beneficiar uma empresa da qual é sócio e que tem débitos parcelados com Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural). As alterações foram feitas à MP 793, que prevê descontos a produtores rurais com débitos junto ao fundo. Se as emendas feitas por Cidinho entrarem em vigor, sua empresa poderá aderir a um refinanciamento em situações mais favoráveis

Procurado pela reportagem, Cidinho negou que sua empresa fosse devedora do Funrural e disse que "não legislou em causa própria" (leia mais abaixo). A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), por outro lado, confirmou que a empresa de Cidinho Santos constava como devedora da União até o dia 30 de outubro, quando parcelou os débitos. 

A MP 793 foi enviada pelo presidente Michel Temer (PMDB) ao Congresso Nacional em julho deste ano. Ela foi vista como uma medida para ganhar o apoio da bancada ruralista, pois o texto prevê o desconto de multas e juros devidos por produtores rurais em débito com o Funrural, fundo responsável pela aposentadoria de trabalhadores rurais em todo o Brasil. Estimava-se que o total da dívida fosse de R$ 10 bilhões. 

À época, Temer precisava do apoio da Câmara dos Deputados para se livrar da primeira denúncia contra ele feita pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

O texto enviado pelo governo previa, entre outros benefícios, um perdão de 25% nas multas das dívidas e a possibilidade de parcelamento dos débitos em até 15 anos. Estudos técnicos indicavam que a MP apresentada pelo governo resultaria em uma perda de R$ 8,6 bilhões em arrecadação.

Para virar lei, porém, a medida precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. Na última terça-feira (7), a Comissão Mista responsável por avaliar o texto enviado pelo governo aprovou o relatório da deputada Terezinha Santos (PSB-MS). O texto incorporou algumas das emendas feitas por Cidinho Santos --apesar do mesmo sobrenome, eles não são parentes.

Cidinho, que é suplente do ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PR-MT), é é um dos 13 membros titulares da comissão, além de figurar como sócio da empresa União Avícola Agroindustrial, em Mato Grosso. A empresa trabalha com o abate de aves e mantém contratos com grandes processadoras de proteína animal como a BRF.

Cadastro Cidinho - Reprodução - Reprodução
Cadastro mostra Cidinho Santos como sócio da União Avícola Agroindustrial
Imagem: Reprodução

De acordo com a lista de devedores da PGFN, disponível na internet, a empresa tinha um débito de R$ 3,3 milhões referente a dívidas previdenciárias. Não é possível, no entanto, identificar quanto deste valor era referente à dívida da empresa com o Funrural. A PGFN, que confirmou que a União Avícola Agroindustrial parcelou seus débitos junto ao Funrural, não informou o valor do débito. 

Emendas podem beneficiam empresa de senador

Cidinho foi o autor de cinco emendas ao texto enviado pelo governo ao Congresso Nacional. Em pelo menos duas delas, o texto proposto por ele beneficiaria sua empresa. 

O senador sugeriu o perdão de 100% das multas de mora, encargos e honorários advocatícios devidos por produtores rurais "pessoa física" e de companhias que trabalham com a compra de produção rural de terceiros, caso da sua empresa. O valor é quatro vezes maior do que o proposto pelo governo, que era de um perdão de apenas 25% nesses valores.

Outra proposta de Cidinho que acabou incluída no texto aprovado pela Comissão Mista é a que vincula o pagamento das dívidas à receita das empresas que trabalham com a compra de produção rural.

O texto do governo previa que, após o pagamento de uma entrada, o restante da dívida total poderia ser dividida em até 176 vezes. Pela sugestão de Cidinho, a empresa devedora pode parcelar o débito no mesmo prazo, mas o valor das prestações não seriam vinculados ao total da dívida, mas à receita bruta da empresa no ano anterior. 

Na prática, as mudanças propostas por Cidinho Santos aumentam a renúncia fiscal que o governo havia dado ao setor do agronegócio. Pelo texto que foi aprovado nesta terça-feira, a empresa da qual Cidinho Santos é sócio poderá aderir às novas regras, mais vantajosas aos devedores.

Senador nega "legislar em causa própria"

Procurado pela reportagem, Cidinho Santos negou que sua empresa seja devedora do Funrural.

“Temos uma dívida previdenciária, mas tenho 110% de certeza que não devemos o Funrural”, afirmou o senador.

Diante da negativa do senador, a reportagem procurou novamente a PGFN, que confirmou a informação de que a empresa de Cidinho não apenas era devedora do Funrural, mas que havia aderido a um parcelamento dos débitos pouco mais de uma semana antes. 

A reportagem voltou a procurar Cidinho Santos e este, mais uma vez, negou que sua empresa tivesse débitos com o Funrural. "Minha empresa tinha dívidas previdenciárias, mas nada com o Funrural", reafirmou. 

O senador negou haver conflito de interesse entre sua atuação como empresário do setor agropecuário e membro da comissão que avalia a MP do Funrural.

“Não tenho dívida com o Funrural, então para mim é totalmente tranquilo”, disse Cidinho Santos.

Ele também negou que as emendas apresentadas por ele e que beneficiaram, em tese, sua empresa, poderiam ser vistas como um exemplo de “legislação em causa própria”.

“Não estou legislando em causa própria. Se fosse assim, eu deveria esperar e aderir ao novo financiamento da dívida só depois que a gente aprovar a MP. E não tenho intenção de fazer isso. Mas sou um parlamentar que representa o segmento do agronegócio e estamos procurando uma forma de não inviabilizar os produtores rurais”, afirmou.