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Em carta, Lava Jato denuncia união de classe política contra investigações e pede apoio

27.nov.2017 - Procuradores se reuniram nesta segunda-feira no Rio de Janeiro - Paula Bianchi/UOL
27.nov.2017 - Procuradores se reuniram nesta segunda-feira no Rio de Janeiro Imagem: Paula Bianchi/UOL

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

27/11/2017 16h24

Procuradores das forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, no Rio de Janeiro e em São Paulo se reuniram nesta segunda-feira (27) na capital fluminense para lançar uma carta em que pedem apoio da sociedade à operação. No texto, batizado de “Carta do Rio de Janeiro”, os procuradores defendem que a possibilidade da responsabilização de políticos influentes tem unido grande parte da classe política contra a operação, ameaçando as investigações.

"As maiores ameaças à Lava Jato vêm do Congresso Nacional", afirmou Deltan Dallagnol, procurador que está à frente dos investigadores em Curitiba, ao comentar que há muitos políticos investigados e que é natural que exista um instinto de "autopreservação" entre eles.

"A Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] é a amostra do que está por vir se nada mudar em 2018", disse Dallagnol.

Jorge Picciani, chefe da Casa, e outros dois deputados também do PMDB, Paulo Melo e Edson Albertassi, foram presos por suspeita de favorecerem empresários na Alerj. Entretanto, o plenário do Legislativo fluminense votou pela revogação das prisões e os parlamentares foram libertados cerca de uma hora depois. O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) decidiu, contudo, decretar novamente a prisão dos deputados porque a Casa não comunicou os desembargadores sobre a revogação das detenções.

Segundo os procuradores, atuações de Comissões Parlamentares de Inquéritos e em diversos projetos de lei ameaçam as investigações. O fórum privilegiado garantido a políticos em exercício é um exemplo de desafio enfrentado pelos investigadores, afirma o coordenador da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage.

"É crucial que em 2018 cada eleitor escolha cuidadosamente, dentre os diversos setores de nossa sociedade, apenas deputados e senadores com passado limpo", traz o documento divulgado nesta segunda-feira.

Dallagnol, no entanto, negou que haja entre investigadores integrantes interessados em disputar eleições ou fazer parte da elite política do país.

"Apenas a Lava Jato recuperou para os cofres públicos R$ 700 milhões. A maior dificuldade é o sistema de justiça inoperante. Os grandes casos de corrupção demonstram isso. Quando observamos a atuação do STF percebemos falta de resolutividade (incapacidade de resolver). Não pela ação dos juízes, mas pelo sistema", disse Dallagnol.

Os procuradores também falaram que a iniciativa das dez medidas contra a corrupção apresentada ao Congresso Nacional foi descaracterizada.

2018: a batalha final

Para Dallagnol, "2018 é a batalha final da Lava Jato porque vai determinar o futuro da luta da corrupção".

"As eleições de 2018 determinarão o futuro da luta contra a corrupção do nosso país. Deputados federais e senadores que determinarão se existirão ou não retrocessos na luta contra a corrupção e se existirão reformas e avanços que possam nos trazer um país mais justo com índices efetivamente menores de corrupção e de impunidade", afirmou.

Ele defendeu a necessidade de apoio às investigações frente ao tamanho que a operação alcançou. Segundo o procurador, é preciso que a sociedade entenda que o Judiciário é uma das pontas do combate à corrupção no país e eleja um Congresso capaz de fazer jus ao seu dever constitucional.

O futuro da Lava Jato será sombrio, se não elegermos um outro Congresso.

Deltan Dallagnol, procurador

Dallagnol fez ainda um paralelo com a italiana Mãos Limpas que, segundo ele, tinha um grande apoio da sociedade, mas acabou eclipsada quando uma parcela dos políticos atingidos pela operação conseguiu mudar o foco do combate à corrupção para o combate a supostos abusos de poder do Judiciário.

O procurador citou como exemplo o projeto das dez medidas contra a corrupção

Os procuradores também defenderam as delações premiadas, definidas Dallagnol como “motor de propulsão” da operação.

Eles ressaltaram a necessidade de respeitar os acordos de delação premiada firmados com os investigados. Segundo o procurador José Augusto Vagos, “a colaboração é uma das mais importantes técnicas de investigação”.

Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), devolveu a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, que trabalhou para o PMDB, para a PGR (Procuradoria-Geral da República) fazer ajustes nos benefícios concedidos ao colaborador. Ele tirou o sigilo e não homologou o acordo.

Os procuradores também consideram que é preciso dar tempo para que as novas chefias tanto da PGR quanto da Polícia Federal se adaptem. "Toda mudança tem um tempo de maturação, adaptação. É natural. Temos visto manifestações muito positivas da doutora Raquel Dodge. Quanto à PF, precisamos ver como ela vai atuar", afirmou o procurador da força-tarefa em Curitiba Carlos Fernando dos Santos Lima.

Ao assumir o cargo no início do mês, o diretor-geral da PF, Fernando Segovia fez críticas à investigação que apontou o envolvimento do presidente Michel Temer (PMDB) em corrupção. As suspeitas contra Temer foram afirmadas por relatório da própria PF que embasou uma das denúncias contra o presidente.

"A gente acredita que, se fosse sob a égide da Polícia Federal, essa investigação teria de durar mais tempo, porque uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção", disse Segovia, em entrevista na última segunda-feira (20). "É um ponto de interrogação que fica hoje no imaginário popular brasileiro e que poderia ser respondido se a investigação tivesse mais tempo", afirmou o chefe da PF.

Confira abaixo a carta divulgada pelos procuradores:

"Carta do Rio de Janeiro

Os procuradores da República das Forças Tarefas da Lava Jato de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, reunidos na cidade do Rio de Janeiro, no dia 27 de novembro de 2017, para coordenar esforços no combate à corrupção, por meio da discussão de casos conexos, de técnicas e instrumentos de investigação e dos fatores que estimulam a corrupção no país, vêm a público expressar que:

1. Desde 2014, a Lava Jato vem revelando que a corrupção no Brasil está bastante disseminada no modo de funcionamento do sistema político nas esferas federal, estadual e municipal. Cargos públicos de chefia são loteados por políticos e partidos para a arrecadação de propinas. O dinheiro enriquece criminosos e financia campanhas, o que deturpa a democracia, gera ineficiência econômica, acirra a desigualdade e empobrece a prestação de serviços públicos.

2. Dentre os resultados desse esforço coletivo de diversas Instituições, 416 pessoas foram acusadas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa; 144 réus foram condenados a mais de 2.130 anos; 64 fases foram deflagradas, cumprindo-se 1.100 mandados de busca e apreensão; pelo menos 92 ações penais tramitam na Justiça; 340 pedidos de cooperação internacional foram enviados ou recebidos em conexão com mais de 40 países; e mais de 11 bilhões de reais estão sendo recuperados por meio de acordos de colaboração com pessoas físicas e jurídicas.

3. Contudo, mesmo depois de tantos escândalos, tanto o Congresso como os partidos não afastaram os políticos envolvidos nos crimes. Pelo contrário, a perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande parte da classe política contra as investigações e os investigadores, o que se reflete na atuação de Comissões Parlamentares de Inquérito e em diversos projetos de lei que ameaçam as investigações.

4. Exemplos disso são a forma de atuação da CPI da Petrobras de 2015 (a qual absolveu criminosos e condenou investigadores) e da CPMI do caso JBS em 2017 e a propositura de uma série de projetos de lei prejudiciais à punição dos grandes corruptos, como os de anistia (perdoando a corrupção sob o disfarce de perdão a caixa dois), de abuso de autoridade (criando punições a condutas legítimas com único intuito de intimidar as autoridades), da reforma do Código de Processo Penal (impedindo prisão preventiva em casos de corrupção), da delação premiada (vedando-a, por exemplo, em casos de réus presos) e da prisão apenas após percorridas todas as instâncias (propiciando ambiente altamente favorável à prescrição e à impunidade).

5. As tentativas de garantir a impunidade de políticos poderosos certamente se intensificarão, como aconteceu na libertação dos líderes políticos fluminenses pela ALERJ no dia 17/11/2017.

6. Da mesma forma, é essencial que a sociedade acompanhe o desenrolar das grandes questões jurídicas que hoje são travadas na mais alta Corte do País, como o foro privilegiado, a colaboração premiada, a execução de condenação confirmada em segundo grau e a prisão preventiva, manifestando democraticamente o seu interesse de que não haja retrocessos. Para o desenvolvimento adequado das investigações, é essencial que se fomente um ambiente favorável para a celebração de acordos de colaboração premiada e que tenham sua homologação apreciada rapidamente.

7. O Ministério Público Federal continuará a defender a sociedade e a democracia brasileiras da corrupção endêmica de nosso sistema político. Esse é o compromisso dos procuradores da Lava Jato, que não se acanharão com os ataques que vêm sofrendo de interesses atingidos pelas investigações. Contudo, o futuro da Lava Jato e a esperança no fim da impunidade histórica de poderosos no Brasil dependem do Congresso Nacional. Somente os parlamentares federais podem aprovar as leis necessárias para satisfazer os anseios da população por Justiça. Infelizmente, há quase um ano, em plena madrugada do dia 29/11/2016, enquanto o país chorava a tragédia do avião da Chapecoense, a Câmara dos Deputados desprezou o desejo legítimo de mais de 2 milhões e 300 mil pessoas ao desfigurar as 10 Medidas Contra a Corrupção, encerrando precocemente um debate necessário.

8. Se a luta contra a Corrupção depende essencialmente do Congresso, é preciso que a sociedade continue atenta aos movimentos dos atuais parlamentares, manifestando-se contra qualquer tentativa de dificultar ou impedir as investigações criminais de pessoas poderosas. Por fim, é crucial que em 2018 cada eleitor escolha cuidadosamente, dentre os diversos setores de nossa sociedade, apenas deputados e senadores com passado limpo, comprometidos com os valores democráticos e republicanos e que apoiem efetivamente a agenda anticorrupção. Olhando o passado, não podemos descuidar do futuro."

Procuradores das Forças Tarefas da Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo"