Cabral diz que anel foi "presente de puxa-saco" e chama empreiteiro de "pobre sujeito desesperado"
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), preso e condenado na Operação Lava Jato, afirmou nesta terça-feira (5) que o anel comprado pelo empreiteiro Fernando Cavendish foi um "presente de puxa-saco" e que a joia foi devolvida em 2012, três anos depois do aniversário de sua mulher, Adriana Ancelmo.
O ex-chefe do Executivo fluminense, interrogado hoje na 7ª Vara Federal Criminal (RJ) por cerca de uma hora, disse ainda que Cavendish é um "pobre sujeito desesperado" e que teria medo de voltar para a cadeia. Atualmente, Cavendish, ex-dono da Delta Construções, cumpre prisão domiciliar.
"Ele me deu a oportunidade de dizer agora para o senhor que ele é um mentiroso", disse ao juiz Marcelo Bretas, responsável em primeira instância pelos processos da Lava Jato no RJ.
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Cabral e Cavendish são réus na mesma ação penal, derivada das operações Saqueador e Calicute, realizadas pela Polícia Federal. As investigações dizem respeito a indícios de formação de cartel e fraudes a licitações na reforma do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014, e em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para urbanização de grandes favelas da capital fluminense.
Na segunda-feira (4), também em depoimento a Bretas, Cavendish afirmou que havia dado um anel de presente de aniversário para a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, em 2009, com intuito de que a Delta Construções fizesse parte do consórcio vencedor da licitação da obra no Maracanã.
Em tom de revolta, Cabral reconheceu ter recebido o agrado, mas disse que o certame para reforma do estádio só foi realizado um ano após o aniversário da mulher.
"O senhor acha que eu vou entrar em uma loja com um sujeito e pedir para ele comprar um presente para minha mulher? E dizer que isso foi propina do Maracanã um ano depois? Chega a ser risível."
"É o desespero de um empreiteiro encalacrado, um réu que lavou mais de R$ 300 milhões e está desesperado lá na domiciliar dele, com medo de ser preso novamente. Ele tenta converter um presente dado um ano antes da licitação como se fosse uma negociata para ele entrar no Maracanã. Chega a ser surreal", completou.
Procurada pelo UOL, a defesa de Cavendish disse que não irá se manifestar sobre as declarações de Sérgio Cabral.
O empreiteiro era amigo pessoal de Cabral. Em 2011, a mulher dele e a namorada do filho do ex-governador morreram em um acidente de helicóptero na Bahia. A aeronave levava todos para a festa de aniversário do empreiteiro em Trancoso, no sul do Estado.
Cavendish: "anel de compromisso" com Cabral
Em depoimento nesta segunda-feira (4), na mesma ação penal, Cavendish detalhou o momento do suposto acerto com Cabral. O empresário disse que estava em Nice, na França, comemorando o aniversário de Adriana com a sua mulher e Cabral, quando o ex-governador o levou a uma loja de joias.
"Estou presenteando a minha esposa e gostaria que você pagasse", teria dito Cabral, na versão do empresário.
O empreiteiro aceitou, pagou pela joia, que custou 220 mil euros (cerca de R$ 846 mil em valores atualizados) e ostentava um diamante de quatro quilates, e ponderou que aquilo precisaria de uma contrapartida. Meses depois, a sua empresa foi escolhida para entrar no consórcio do Maracanã.
"Deixei claro que não era um presente. Acabou sendo um anel de compromisso", afirmou. "Comprei a joia e, na sequência, acertei o Maracanã. Não foi um presente, foi um negócio", completou.
O valor da joia, disse o empreiteiro, foi amortizado posteriormente, nos valores das propinas pagos pela empreiteira ao ex-governador. Ao todo, Cavendish estima ter pagado cerca de R$ 3,5 milhões em propina a Cabral na obra do Maracanã. O diamante acabou sendo a primeira parcela desse valor.
A empresa começou com 30% de sociedade no projeto, junto com a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, deixando a obra em 2012 por problemas financeiros. Cavendish também afirmou que sabia que estava sendo feito um cartel em todas as obras de estádios da Copa do Mundo. "Cometi um grande erro e hoje estou pagando por esses erros", disse.
Nesta terça, a defesa de Cabral disse, por meio de nota, que "Cavendish mudou o seu discurso, para que um anel usado para bajular o ex-governador em 07/2009, fosse prova de propina numa licitação realizada mais de um ano depois". O advogado Rodrigo Roca reforçou que o presente foi devolvido em 2012, quando Cabral declarou a inidoneidade da Delta no Estado.
Cabral: "Me chamavam de chefe"
Cabral também disse nesta terça que, assim como outros políticos, costumava ser chamado de "chefe" por aliados, empreiteiros e outras pessoas que, segundo ele, tentavam "puxar o saco".
A força-tarefa da Lava Jato acusa o ex-governador de ser o chefe de uma organização criminosa que recolhia propina de empresários em troca de favorecimento em seu governo (2007-2014).
A declaração ocorreu depois que Cabral foi questionado pelo procurador do MPF (Ministério Público Federal) Sérgio Pinel se o também réu Cavendish e o delator Benedito Júnior, ex-executivo da Odebrecht, frequentavam a sua luxuosa mansão em Mangaratiba, na costa verde fluminense.
Cabral afirmou que Cavendish era seu amigo pessoal e que tinha por hábito frequentar sua casa, mas que Benedito Júnior, embora tenha ido a Mangaratiba em algumas oportunidades, "acabou não ficando" amigo do peemedebista.
"Era um hábito dessa turma puxar o saco", disse Cabral. "Me chamavam de chefe."
Posteriormente, o ex-governador buscou contextualizar a declaração. Ele explicou que, na verdade, aliados, empresários e pessoas próximas costumam se referir a lideranças políticas como "chefes". Disse ainda que a sua mansão em Mangaratiba não era um local de "negociata".
Além do ex-governador, a Justiça ouviu hoje o ex-secretário de Governo de Cabral Wilson Carlos e o ex-secretário de obras Hudson Braga, também presos preventivamente em Benfica. Enquanto Wilson Carlos preferiu ficar em silêncio, Braga passou seu depoimento negando qualquer conhecimento de cartel ou propina nas obras do Estado.
Ex-executivo da Delta, Paulo Meriade Duarte negou nesta terça ter qualquer envolvimento no suposto cartel formado por empreiteiras para participar de obras do Estado. “Eu não deveria estar aqui. Fui incluído em uma denúncia em que não tive participação de nada. Não fiz tratativas com ninguém do governo, nunca fiz isso", afirmou.
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