'Bretas de Olinda' e nome de Crivella em bumbum: a política pede passagem no Carnaval
Enredos políticos com tramas variadas e críticas contundentes ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), ao presidente Michel Temer (PMDB), à reforma trabalhista e ao pato da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) vão marcar presença nas alegorias e adereços das escolas de samba no Carnaval 2018.
Marcelo Bretas, juiz da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro responsável na 1ª instância pela Operação Lava Jato no Estado, que já condenou o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) a 73 anos e dois meses de prisão, também será protagonista na festa: ele será representado por um boneco com quase 4 m de altura, que desfilará na Apoteose dos Bonecos Gigantes nas ladeiras de Olinda.
“Temos autorização oficial de todos os bonecos que fazemos”, disse ao UOL Leandro Castro, empresário e produtor cultural que faz a curadoria da nova geração de bonecos do tradicional Carnaval pernambucano.
“Inclusive, temos o boneco do juiz Sergio Moro, que fizemos há dois anos. Na época ele era mais cabeludo, precisamos atualizar. O rosto [do juiz Moro] também mudou, mas não vai dar tempo, está muito em cima da hora”, continuou.
Já o boneco de Temer está na “geladeira”, conservado em um museu dedicado aos artefatos. “Eu sempre faço o boneco dos presidentes atuais, mas, quando levamos o do Temer para a rua, chamaram a gente de golpista e sei lá o quê. Como a festa tem crianças, é uma manifestação de alegria, não queríamos esse tipo de manifestação política”, explicou.
Nome de Crivella em bumbum gigante na Mangueira
O enredo da Mangueira faz crítica a Crivella, que cortou as verbas das escolas de samba cariocas pela metade --de R$ 2 milhões para R$ 1 milhão.
A escola de samba de Cartola adotou o enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco” que, além de fazer alusão ao corte de verbas, vai exaltar o Carnaval de rua do Rio de Janeiro, numa tentativa de reaproximar a Apoteose dos antigos carnavais.
Eu sou Mangueira meu senhor, não me leve a mal/Pecado é não brincar o Carnaval.
Trecho do samba enredo da Mangueira
O prefeito do Rio, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, terá seu sobrenome tatuado dentro de um coração num bumbum gigante de um carro da Mangueira. A escola confirmou a alegoria à reportagem --mas não autorizou uma visita ao barracão ou o envio do protótipo para publicação.
Hoje descontentes, representantes de diversas escolas de samba e de blocos carnavalescos deram apoio ao então candidato do PRB na campanha pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016.
Em seu primeiro ano à frente da prefeitura, Crivella não compareceu à cerimônia de entrega da chave da cidade ao Rei Momo, atitude que à época foi alvo de críticas. Neste ano, o prefeito disse que ainda não sabe se participará do ato simbólico.
Procurada, a assessoria de imprensa de Crivella informou que não comentará a alegoria em que o sobrenome do prefeito é citado.
“Vampiro presidencial”
Relegado em Olinda, Temer não será poupado no Carnaval carioca: ganhará uma versão de vampiro na escola de samba Paraíso do Tuiuti, que desfila no domingo (12 de fevereiro) no Grupo Especial. O pato amarelo da Fiesp também marcará presença no Sambódromo.
“[Ambas as fantasias] Estarão no último setor. Não será um boneco [do Temer], como tem sido divulgado. É um destaque vestido como um vampiro presidencial”, explicou o diretor artístico da agremiação, Jack Vasconcelos.
“A do pato é a última ala do desfile, chamada de ‘Manifestoches’, com um pato inflável na cintura do componente. O figurino é uma crítica à manipulação que faz com que os mais pobres ‘lutem’ pela manutenção de um velho sistema de exploração social. Ou seja, são fantoches de uma classe dominante que dita as regras”, continuou.
O UOL procurou a assessoria da Fiesp, mas não obteve retorno.
A reforma trabalhista, aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional, também será abordada na Avenida. A base das críticas remonta à escravidão e, segundo a Paraíso do Tuiuti, as novas regras serão representadas “de forma irreverente e respeitosa”.
“É uma abordagem de que a lei não foi assinada seguindo um lógica humanitária, mas sim questões econômicas”, diz Vasconcelos.
Uma das fantasias da escola é a do “Guerreiro do CLT” --referência à Consolidação das Leis do Trabalho. “Traz um trabalhador, já sobrecarregado com várias funções, tentando se proteger da exploração patronal. Em defesa, ele usa sua combalida carteira de trabalho, transformada em uma espécie de escudo no figurino”, descreveu a agremiação de São Cristóvão (zona norte carioca).
O samba-enredo leva o título “Meu Deus, meu Deus, está extinta a Escravidão?”.
Já a Beija-Flor (sob o tema “Monstro é aquele que não sabe amar - Os filhos abandonados da pátria que os pariu”) evitou dar detalhes sobre as alegorias e adereços, mas explicou a concepção do desfile: uma crítica ao modelo social, político e religioso do Brasil que traça um paralelo da obra “Frankenstein”, clássico literário de Mary Shelley.
“É um espelhamento de conflitos extremamente atuais que levam em consideração o que é monstruoso. São dois arquétipos: o do criador, que é a ambição, e o da criatura, que é o abandono. O que a gente observa na obra [de Shelley] é que todo o processo da existência começa da ambição que não se responsabiliza. O monstro é um ser abandonado e entregue à própria sorte”, diz Marcelo Misailidis, responsável pela criação do enredo e da concepção alegórica.
No entanto, ele evita relacionar diretamente a condição de “monstro” ao país --e tampouco ao meio político enquanto seu “criador”.
“É uma obra aberta”, observa. “Deixamos essa interpretação ao espectador. Mas é um retrato da ambição por poder, dinheiro. Da ganância pela espiritualidade exacerbada que se coloca acima dos outros”, pontua.
Carnaval, um ato político
Nem só de samba, suor e cerveja é feito o Carnaval: temas da festividade sempre foram políticos desde os primórdios da folia no Brasil. A diferença, neste momento, é que eles estão mais incisivos, críticos e diretos, na opinião de Daniela Thomé, cientista política e fundadora do bloco de Carnaval carioca Mulheres Rodadas.
“O que difere neste momento é que as críticas estão sendo feitas de uma forma menos sutil”, observa. “Mas, desde a origem na Idade Média, o Carnaval é um ato político. Ele nasce como um momento de subversão das estruturas de poder. São dias de exceção em que você pode revolucionar essas estruturas para justamente discutir como o poder se processa”, explica.
Os enredos de 2018 são consequência direta das crises política e econômica pelas quais o Brasil vêm passando, na opinião da pesquisadora.
“É o reflexo da conjuntura e estão dialogando com a sociedade de 2017 e 2018. Seja na crítica aos políticos, seja na menção à Lava Jato. O mundo, no geral, está mais ativista, então o Carnaval está reagindo a esse momento de certa repressão, em que a prefeitura está tirando dinheiro de iniciativas ligadas ao evento”, finaliza.
Procuradas, as assessorias dos mencionados não se manifestaram até a publicação da reportagem.
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