Santos Cruz é o terceiro ex-comandante da ONU a integrar governo Bolsonaro
Após a escolha de Augusto Heleno Ribeiro Pereira para a chefia do Gabinete de Segurança Institucional e de Edson Leal Pujol para o comando do Exército, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz é o terceiro ex-comandante de tropas das Nações Unidas a ser indicado para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
A missão de paz da ONU no Haiti (2004-2017) fez generais reconhecidos pela liderança no ambiente da caserna terem seus nomes revelados à opinião pública. Onze generais brasileiros comandaram a missão --um deles, Urano Bacellar, morreu durante a missão. Os demais estão na reserva do Exército.
Eles ocuparam o cargo de Comandante das Forças no Haiti, uma função que aliava a coordenação de operações militares com funções de caráter diplomático e político com repercussões internacionais. Os primeiros comandantes, como Heleno e Santos Cruz, ganharam particular visibilidade por terem atuado na época em que o Haiti ainda estava em uma fase de conflito armado.
Na missão, as ações de combate tinham que ser articuladas com o governo local, com o representante especial do secretário-geral da ONU no Haiti -- e ainda sofriam pressões de diplomatas de outras nações envolvidas na missão. Assim, por vezes, as operações e seus resultados levaram os nomes desses generais para as manchetes da imprensa brasileira, haitiana e internacional.
Santos Cruz ocupou essa função entre 2006 e 2009, período marcado por intensos confrontos entre militares da ONU e forças rebeldes haitianas. Ele finalizou o processo de desmobilização de milícias e pacificação do último grande reduto rebelde haitiano, a favela de Cité Soleil – processo que havia sido iniciado por seus antecessores.
O resultado militar e a capacidade de dialogar com o representante do secretário-geral, na época o diplomata Edmond Mulet, fizeram que Santos Cruz – já na reserva do Exército Brasileiro – fosse reincorporado ao serviço ativo e enviado a uma missão ainda mais complexa em 2013: a pacificação do leste da República Democrática do Congo.
Lá, Santos Cruz chefiou a primeira “Brigada de Intervenção” (uma unidade de caráter ofensivo) da história das Nações Unidas. Diferentemente do que ocorreu em décadas anteriores, a partir do início dos anos 2000, as missões de paz da ONU começaram a englobar cada vez mais aspectos de operações de imposição da paz pela força.
A Brigada de Intervenção da Monusco, a missão de paz no Congo, marcou a consolidação dessa tendência. Pela primeira vez, os capacetes azuis participaram de ataques aos rebeldes, ao invés de adotar uma posição defensiva. E para isso tinham equipamentos de combate como helicópteros de ataque, artilharia de campanha e blindados pesados.
Ao chegar ao Congo em junho de 2013, ele reuniu todo o equipamento militar que encontrou nas bases da ONU pelo país e enviou para Goma, a cidade foco do conflito com o movimento rebelde M23 (Exército Revolucionário do Conngo). Ele também mudou para Goma o seu gabinete de comando, que ficava na capital Kinshasa, do outro lado do país e longe do conflito.
Quando os rebeldes atacaram Goma em julho daquele ano, o general respondeu com força. Ele dizia, porém, que a única solução para o Congo seria diplomática, e não militar.
Preparo físico e ações surpresa
Seu comportamento, por vezes, causava espanto em comandantes locais da ONU. Com grande preparo físico, vivia na linha de frente e sempre fazia ações surpresa -- movimentando colunas de blindados e helicópteros em território rebelde. Um helicóptero em que viajava chegou a ser atingindo em uma dessas operações, mas o general não se feriu.
Combatendo ao lado do Exército do governo do Congo, as tropas da Brigada de Intervenção da ONU venceram o M23 em batalhas. Em alguns meses o grupo decidiu se desmobilizar e assinou um acordo de paz.
Após a vitória militar e diplomática, a ação da Brigada de Intervenção no país começou a sofrer pressões de forças políticas regionais e do governo Joseph Kabila, que diminuíram o ritmo do processo de pacificação.
Santos Cruz serviu no Congo até 2015. Depois se tonou um consultor da ONU, viajando para diversas missões de paz pelo mundo para elaborar um plano para torná-las mais eficientes e menos perigosas para as tropas internacionais a pedido da instituição. O resultado foi o lançamento no início de 2018 do “Relatório Cruz”, uma série de sugestões de parâmetros a serem implementados em missões da ONU pelo mundo, especialmente na África.
Em resumo, Santos Cruz prega no relatório que as forças da ONU devem sempre adotar a iniciativa nas ações de pacificação – ao contrário de ficar numa atitude passiva de proteger bases e comboios de ataques rebeldes.
Para o general, ao invés de tentar assumir o papel de um exército local, espalhando tropas escassas em uma grande extensão territorial, as tropas de paz da ONU têm que ser concentradas para combater rebeldes e milícias em seus redutos - ao invés de esperar serem atacadas em suas bases.
O general atuou como consultor, mas não voltou a integrar os quadros da ONU após a missão no Congo. Durante a campanha, Santos Cruz declarou apoio a Bolsonaro.
Outros generais
Heleno, um dos principais aliados de Bolsonaro, foi o primeiro comandante das forças da ONU no Haiti. Em seu comando também ficou conhecido por estar sempre na linha de frente e negociar em pessoa com os líderes dos ex-militares que haviam formado uma milícia para se rebelar contra o governo. Ele exerceu uma liderança carismática apoiada por militares desde a mais baixa patente.
Porém, sofreu com pressões dos Estados Unidos para aumentar a violência empregada no processo de pacificação. Com apoio do governo brasileiro, cumpriu parte da metas defendidas por Washington, mas impondo o ritmo do Brasil no processo de pacificação e condução das tropas. Também teve que lidar com a organização inicial da missão e falta de recursos. Sua gestão começou a implementar o processo de pacificação por "pontos fortes" - que mais tarde inspiraria a política de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro.
Já o general Pujol atuou no Haiti entre 2013 e 2014 em um cenário de estabilização do país após o terremoto de 2010. Na época, entre os principais desafios estava impedir a remobilização dos rebeldes e gangues e levar ajuda humanitária para populações que sofriam com uma epidemia de cólera.
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