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Ao minimizar o meio ambiente, Bolsonaro enfraquecerá o Brasil, diz Marina

A ex-ministra e ex-senadora Marina Silva - Lucas Lima/UOL
A ex-ministra e ex-senadora Marina Silva Imagem: Lucas Lima/UOL

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

12/12/2018 12h07

A ex-senadora Marina Silva (Rede), 60, tem usado as redes sociais para criticar medidas anunciadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Seu último alvo foi a indicação do advogado Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente, pasta que ela ocupou entre os anos de 2003 e 2008, durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na visão de Marina, o futuro ministro do Meio Ambiente revela desconhecimento sobre a pasta que irá comandar ao dar declarações como a de que os dados do desmatamento são genéricos.

Para a ex-candidata da Rede, que obteve 1% dos votos válidos na última eleição presidencial, a nova gestão pretende adotar uma agenda de retrocessos na área ambiental, que estaria subordinada aos interesses do agronegócio, e isso trará prejuízos econômicos e de prestígio ao país.

 "Eu vejo uma grande ameaça à agenda da justiça social e da proteção ambiental", disse, em entrevista por telefone ao UOL.

Marina também critica a desistência da gestão Bolsonaro de sediar no próximo ano a COP-25, conferência do clima das Nações Unidas. O evento seria palco das negociações para a implementação do Acordo de Paris, que versa sobre questões como desmatamento e redução da emissão de gases estufa. 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, na qual Marina também fala do futuro de seu partido:

UOL - A senhora criticou a indicação do advogado Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Acha que haverá retrocesso na agenda ambiental durante o governo de Jair Bolsonaro?

Marina Silva - Eu vejo uma grande ameaça à agenda da justiça social e da proteção ambiental. Uma das primeiras menções do presidente eleito, Jair Bolsonaro, a respeito do Ministério do Meio Ambiente, não foi para fortalecê-lo, mas para fundí-lo ao Ministério da Agricultura. Ele escolheu o ministro do setor depois que foram nomeados todos os titulares dos outros ministérios. Escolheu por pressão da sociedade e, inclusive, de parte do próprio agronegócio, que entendeu que uma fusão iria criar problemas para o setor.

Essa indicação por último já é um sinal bastante forte, ou seja a agenda ambiental ficou no final da fila.

E sobre o titular indicado para a pasta? Por que considera que ele não tem o perfil adequado para o cargo?

O ministro começa questionando a própria agenda ambiental. Quando você não tem conhecimento de uma agenda, você busca entender e dialogar com os setores que atuam na área. O ministro faz o contrário.

Cada palavra que ele profere demonstra mais preocupação com o Ministério da Agricultura do que com o próprio ministério que ele vai liderar. O posicionamento dele de questionar as mudanças climáticas, por exemplo, se soma ao posicionamento de outros membros do governo Bolsonaro.

O próprio presidente coloca em dúvidas, o chanceler coloca em dúvidas e isso constitui sim uma grande preocupação. A ameaça que o presidente fez de sair do Acordo de Paris, a recusa em sediar a Convenção do Clima em 2019 (COP25) são indicativos que nos levam a crer que agenda ambiental não será prioritária e que a manutenção do Ministério do Meio Ambiente pode ter sido uma estratégia para destruturá-lo por inanição. Você ter um ministro que não tem um compromisso forte com a agenda ambiental é quase como ter alguém que vai cumprir a liquidação do ministério. Essas são minhas preocupações, eu torço para que esteja errada.

O advogado Ricardo Salles, futuro ministro do Meio Ambiente - Pedro Calado/Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo - Pedro Calado/Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo
O advogado Ricardo Salles, futuro ministro do Meio Ambiente
Imagem: Pedro Calado/Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo

O futuro ministro disse que manterá o Brasil no Acordo de Paris. Não é uma sinalização positiva?

A pressão da sociedade brasileira nos mais diferentes segmentos obteve uma vitória. Havia uma tentativa falaciosa de insinuar que o Acordo de Paris é uma interferência na soberania nacional. E isso não é verdade porque as metas de redução de emissão de gases-estufa são estabelecidas por cada país. Essa permanência tem a ver com a mobilização de vários segmentos, inclusive do setor produtivo, que sabe o custo que terá para nossos produtos no mercado internacional uma atitude de retrocesso na agenda ambiental.

Salles afirmou que os dados sobre desmatamento são genéricos e não revelam se há ação ilegal. Você acha que ele está equivocado?

Para o problema do aquecimento global não haverá diferença se área desmatada for em terra pública ou privada, ou indígena ou ainda em área de conservação. A atmosfera não faz essa diferenciação. O aquecimento vai acontecer do mesmo jeito.

Nós temos meta de redução de carbono na agricultura, na indústria, no setor de recursos sólidos, no setor de energia, em todas as frentes. Você não vê a ministra da Agricultura desqualificando os produtores rurais, mas ele fez crítica aos ambientalistas, aos órgãos fiscalizadores. Se toda vez que eu vejo um desmatamento na fotografia do satélite, terei que fazer primeiro uma auditoria para poder verificar a informação, quando terminar a auditoria o desmatamento já vai estar concluído.

A primeira declaração de Salles após ser indicado foi a de que ele iria "preservar o meio ambiente sem ideologia". Existe ideologia na agenda ambiental?

Eu preciso entender o que ele entende por ideologia. A proteção ao meio ambiente não é uma questão de esquerda, de direita, nem de cima, nem de baixo. É um desafio para a humanidade.

Há muito tempo que se fala que quem preserva o meio ambiente é ideológico. Então quem é favorável a flexibilizar é científico? Quem defende a agricultura é técnico. Quem defende o meio ambiente é ideológico?

Quando eu fui ministra do Meio Ambiente, criamos diretrizes para área ambiental, que eram justificadas de maneira técnica. Essa desqualificação de ideológico para aquilo que se discorda e de técnico para aquilo que se concorda é algo que precisa ser desmitificado.

09.dez.2018 -- Em 2012, o deputado federal Jair Bolsonaro foi multado por fiscais do Ibama por pescar em área de conservação ambiental - Reprodução/Internet - Reprodução/Internet
Em 2012, Bolsonaro foi multado por fiscais do Ibama por pescar em área de conservação ambiental
Imagem: Reprodução/Internet

O presidente eleito já afirmou que "fiscais do Ibama vão parar de multar a torto e a direito". Ele mesmo foi alvo de uma multa por pescar em uma área de conservação ambiental. Como você avalia o trabalho do Ibama? Acha que há excessos na atuação dos fiscais?

Se ele passou a dizer a isso em razão da experiência de praticar uma contravenção ao pescar em uma unidade de conservação, deveria reconhecer que de fato os fiscais do Ibama são eficientes. Ele deveria dizer "de fato, nós temos fiscais que são zelosos com suas atribuições". E se porventura ele estivesse pescando porque não sabia que estava em uma unidade de conservação, deveria agradecer por ter sido admoestado.

É possível conciliar os interesses do agronegócio com uma agenda de preservação ambiental? Como isso pode ser alcançado?

É possível e já é alcançado hoje em dia pelo Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), por exemplo. É um caminho para juntar economia e ecologia na área de agricultura, criando um novo ciclo de prosperidade. Aliás a produtividade do setor agrícola aumenta muito quando se leva os critérios estabelecidos pelo programa ABC. É isso que a Embrapa já está pronta para demonstrar. Em lugar de desqualificar a agenda de desenvolvimento sustentável, a gente precisa qualificá-la, com financiamento e assistência técnica adequados.

Há experiências concretas que mostram ser possível aumentar a produtividade sem expansão predatória da fronteira agrícola, fazer uso do potencial florestal sem corte seletivo de madeira, e sim com manejo sustentável que permite a atividade madeireira por séculos e séculos. 

A senhora afirmou que a decisão de não sediar a COP-25 levará o país à irrelevância internacional na agenda ambiental. O Brasil é mesmo um protagonista neste debate? 

Uma das consequências dessa decisão é a perda de nossa liderança, que nós conquistamos ao longo de décadas. Não por acaso, desde a Rio-92, o Brasil vendo tendo uma postura de liderar os debates nos fóruns internacionais com contribuições efetivas na agenda de mudanças climáticas, de proteção à biodiversidade, de luta contra a desertificação. É um prejuízo para o país. Quando se senta para negociar qualquer assunto na agenda ambiental, o Brasil tem um papel relevante.

Pensar na segurança do mundo hoje, não é só pensar em termos bélicos, mas pensar nos graves problemas que podem acarretar as mudanças climáticas, a questão dos refugiados ambientais, por exemplo, criando problemas aos estados nacionais de ampliarem esses conflitos.

Mas quais são as consequências práticas dessa postura do novo governo?

É até constrangedor, cada país busca se afirmar naquilo que é seu forte, nós estamos abrindo mão disso de liderar essa agenda não só pelo discurso, mas também pelo exemplo. Nós conseguimos reduzir o desmatamento durante dez anos com a economia em crescimento. Isso foi muito importante para a agricultura brasileira. Agora você imagine um cenário de desmatamento em alta com baixo crescimento econômico, o quanto isso pode suscitar de barreiras tarifárias para o agronegócio brasileiro.

Esse sinal de não receber a COP 25 é ruim. Nós somos o primeiro país emergente a assumir metas de redução de CO2 em função da queda do desmatamento. Nós somos o país que deu a maior contribuição para redução de perda de biodiversidade, como fizemos na minha gestão. O governo tá dando um sinal na contramão, isso será um prejuízo estratégico para o Brasil. Os países europeus estão fazendo o seu dever de casa, a China está investindo muito energia renovável, os Estados Unidos, apesar do Trump, dão continuidade a uma agenda ambiental por meio dos estados e de empresas comprometidas com a agenda da sustentabilidade, e eles vão exigir cada vez mais que nossos produtos não sejam "carbono intensivo", sob pena de taxação. Tanto que é que o próprio presidente francês, Emmanuel Macron, já sinalizou que não lhe interessa fazer acordos comerciais com quem não tem compromisso com a agenda ambiental.

Você considera que comunidades indígenas e quilombolas têm o que temer em relação às medidas do novo governo?

É a primeira vez que se tem um presidente da República que faz uma campanha se colocando claramente contra um segmento tão vulnerável, como são as populações indígenas e as populações quilombolas.

Mesmo na época da ditadura, houve momentos em que índios tiveram ganhos, claro que com muita luta e resistência. É a primeira vez que um presidente dá um comando contrário aos direitos das comunidades indígenas no que concerne à preservação de sua cultura, de seu modo tradicional de vida.

Preservar os índios pressupõe preservar as bases materiais, culturais e sociais que asseguram a condição deles de serem diferentes. Quando eles são ameaçados por perderem suas terras ou de serem assimilados, isso é muito preocupante. 

Bolsonaro afirma que o índio quer se integrar à sociedade, quer internet, acesso a médicos...

Mas o índio não precisa deixar de ser índio para ter acesso à internet, a serviços de saúde de qualidade. Ninguém deixa de ser brasileiro porque acessa tecnologias americanas ou japonesas. A mesma coisa em relação às comunidades indígenas. É uma questão de respeito. 

índios marina silva - Lunaé Parracho/Repórter Brasil  - Lunaé Parracho/Repórter Brasil
Para Marina Silva, índios correm risco em futuro governo de Jair Bolsonaro
Imagem: Lunaé Parracho/Repórter Brasil

A Funai foi transferida do Ministério da Justiça para o de Direitos Humanos, cuja futura titular já foi processada por desrespeitar direitos de indígenas. 

Eu acho que o melhor lugar para a Funai é no Ministério da Justiça. A comunidade indígena brasileira é constitucionalmente tutelada. No Ministério da Justiça havia um guarda-chuva de isenção para a Funai. É claro que o pior lugar era no Ministério da Agricultura. O Ministério da Justiça tem um poder de convocação muito mais amplo para manejar e dirimir conflitos. Eu tinha ficado muito feliz quando o ministro Sergio Moro disse que a Constituição seria cumprida em relação aos índios. E ele é um homem que conhece a Constituição brasileira.

Moro concordou com a saída da Funai. O foco dele no Ministério da Justiça é o combate ao crime organizado...

Mas há o crime organizado contra indígenas, invasão de terras, grilagem, assassinatos, tentativa de fazer mineração em terra indígena. Alías, isso é uma coisa que me preocupa muito.

A Rede vai mesmo se fundir ao PPS?

Não há ainda uma decisão a respeito. Houve um convite do PPS para que a Rede pudesse considerar uma fusão. A Rede vai fazer um congresso nos dias 19 e 20 de janeiro para decidir como vamos dar continuidade ao nosso legado, mesmo não tendo alcançado a cláusula de barreira. No entanto, nós não estamos nos pautando pelo fato de que possivelmente não se terá acesso ao fundo partidário. Nossa decisão será à luz do que será melhor para alcançar os objetivos para os quais o partido foi criado: a agenda do desenvolvimento sustentável, e da inovação política. 

E em relação à frente ampla de oposição ao novo governo de Bolsonaro, esse bloco deve contar com a participação do PT, em sua opinião?

Desde o começo do segundo turno, nós da Rede nos posicionamos como oposição democrática a quem ganhasse a eleição. Nós vamos nos articular com aquele campo político que tem mais proximidade com a nossa agenda.

No Senado, estamos considerando fazer um bloco com a Rede, PDT, PPS e, talvez o próprio PSB se este partido desejar. Nossa compreensão é a de que não podemos ficar nos extremos da velha polarização que o PT protagoniza com o PSDB cujo maior fruto foi a eleição de Bolsonaro.

Essa polarização não contribui para criar um novo ciclo de prosperidade econômica e social para o Brasil, nem para melhorar a qualidade da política brasileira.

Depois dessa última experiência eleitoral, ainda pretender concorrer a algum cargo público?

Meu objetivo agora é dar continuidade a minha luta socioambiental e continuar trabalhando na Rede, à luz do imenso desafio que temos. De ter um partido que possa resistir a todos os freios que foram colocados em nosso caminho para que nós não prosperássemos. Eu digo que sou uma mantenedora de utopias e vou continuar sendo. Eu acho que a política deva ser encarada como um serviço e não um espaço em que maioria queira se servir dela. 

Comente as declarações da futura ministra dos Direitos Humanos de que "a mulher nasce para ser mãe" e tem estado muito fora de casa.

O papel da mulher na sociedade deve ser o de escolha. Se uma mulher decidir que não quer trabalhar e tiver condições de fazer isso, que seja uma escolha dela e não uma imposição. O mundo muda, a cultura muda, e nós mudamos. Nós mulheres damos uma grande contribuição para a sociedade em todas as frentes, na academia, na cultura, nas artes, e também na política. As mulheres têm que ficar no lugar em que elas escolham ficar.