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Chanceler cita Raul Seixas e diz que não pedirá permissão à ordem global

Eduardo Militão e Marcelo Freire

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

02/01/2019 19h51

Em um discurso iniciado e baseado em um trecho bíblico, com referências nacionalistas e da cultura brasileira, o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, assumiu o cargo de seu antecessor, Aloysio Nunes Ferreira, nesta quarta-feira (2), na sede do Itamaraty.

Na fala, ressaltou que o Brasil não se alinhará ao que chamou de "administradores da ordem global", citando em alguns momentos uma teoria chamada "globalismo", em que as nações estariam submetidas a interesses de determinados grupos.

"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará", iniciou Araújo, citando um trecho da Bíblia e firmando seu discurso em três elementos da frase: conhecimento, verdade e liberdade. Ele também fez críticas a veículos da imprensa internacional e diversas citações a autores brasileiros e estrangeiros. "Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global, aqui é o Brasil e não tenho medo."

"Para não ter medo, vamos ler menos New York Times e mais José de Alencar e Gonçalves Dias. Vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas", disse. Em seguida, citou um trecho de "Ouro de Tolo" (1973), do compositor baiano. "Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar."

Segundo ele, a nova gestão precisa "libertar o Itamaraty e restaurar sua função como guardião da continuidade da memória brasileira". De acordo com ele, a pasta falava "o que poderia agradar aqueles que administram a ordem global". "Agora, o Brasil volta a ser o que é e o que sente."

Em alguns momentos, Araújo também se mostrou contrário ao aborto - em outros artigos, ele já havia falado contra temas como a ideologia do gênero e a favor de pautas cristãs. Segundo ele, o país agirá na ONU (Organização das Nações Unidas) "em favor do que é importante para os brasileiros e não para as ONGs, defendendo a soberania, a liberdade de crença, os direitos básicos da humanidade, e o principal deles: o direito de nascer".

Em outro trecho, disse que "aqueles que dizem que não existe homens e mulheres são os mesmos que dizem que os países não têm direito de guardar suas fronteiras e propalam que um feto humano é um amontoado de células, descartável, e que a espécie humana é uma doença que deveria desaparecer para salvar o planeta". "Por isso, a luta pela nação é a mesma luta pela família e pela vida", pontuou.

Elogios a EUA e Israel

Araújo ainda fez elogios a Estados Unidos e Israel, dois países de quem Bolsonaro se aproximou após sua eleição.

Admiramos quem luta, admiramos aqueles que lutam por sua pátria, que se amam como povo, por isso admiramos Israel, que nunca deixou de ser uma nação mesmo quando não tinha solo. Em contraste com algumas nações de hoje, que mesmo com igrejas e castelos, não querem ser nação. Por isso admiramos os EUA, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis

Ernesto Araújo, chanceler

Depois, elogiou os países latino-americanos que "se libertaram dos regimes do foro de São Paulo" e disse admirar "aqueles que lutam contra a tirania na Venezuela". Em seguida, citou governos europeus de direita que adotam postura anti-imigração e disse que a xenofobia não é o problema do mundo.

Por isso admiramos a nova Itália, a Hungria e a Polônia, países que se afirmam e não se negam. O problema do mundo não é a xenofobia, mas odiar o próprio lar, o próprio povo. É mais fácil não amar, não lutar, porque amar e lutar significam sofrer

Ernesto Araújo, chanceler

O novo ministro fechou o discurso com outra uma referência religiosa. "Que Deus abençoe a todos vocês, os que creem e os que não creem, os que estão conosco e os que ainda não estão conosco. Que Deus abençoe o Brasil."

Ex-ministro, Aloysio Nunes foi mais aplaudido

Aloysio Nunes Ferreira foi mais aplaudido que seu sucessor no cargo, Ernesto Araújo, na cerimônia de transmissão de cargo no Itamaraty.

Todo o público ficou de pé durante mais de um minuto depois do discurso de despedida do antigo ministro. Para Ernesto Araújo, foram menos de 20 segundos de aplausos e algumas pessoas presentes se mantiveram sentadas.

O UOL presenciou dois diplomatas árabes que se recusaram a levantar para aplaudir o novo ministro. Eles não quiseram conversar com a reportagem nem se identificar.

A reportagem perguntou a um deles se o motivo era a reprovação ao discurso, mas ele respondeu que era apenas o fato de que Ernesto Araújo não poderia enxergá-lo daquela distância.

Araújo agradeceu a seus familiares, como o padrasto, o engenheiro eletricista aposentado Luiz Carlos Souza, que comparou a expectativa com o filho de sua mulher a um tango argentino: "Uma esperança humilde para meu pobre coração".

Souza disse ao UOL que o enteado garantiu que a promessa de o país entrar em um mundo perigoso e confrontar ideias não vai fazer o Brasil perder dinheiro com comércio exterior com China, Mercosul, União Europeia e países árabes.

Ele comparou o Brasil a uma fábrica com muitos fornecedores e clientes e que às vezes é preciso fazer escolhas. "Você tem que fazer o caminho ótimo", afirmou.

Ao final da cerimônia, os jornalistas foram expulsos do salão por assessores e não puderam se aproximar do chanceler.