Crise entre Executivo e Congresso acabou? Blogueiros do UOL analisam
Em clima tenso desde a semana passada, o Executivo e o Congresso sinalizaram ontem terem feito as pazes. Pelo menos, temporariamente. Na análise dos blogueiros do UOL, a crise dá sinais de que pode continuar e comprometer a aprovação da reforma da Previdência.
"O que ocorreu nesta quinta-feira foi um armistício que suspende temporariamente as hostilidades", afirma Josias de Souza. "Mas a personalidade de Jair Bolsonaro é belicosa. Nos seus 28 anos de Câmara, ele não se notabilizou pela conciliação, mas pelos conflitos."
Para Tales Faria, é difícil compreender o que o governo Bolsonaro ganha com o tensionamento das relações. "Por que especialmente um dos protagonistas -Bolsonaro- tem posto fogo em cena? Ele não deveria ser o maior interessado num clima de paz e amor? Onde ele quer chegar?"
O presidente foi um dos principais agentes a incendiar a relação entre os Poderes. Em entrevistas, ele disse que o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), estava "abalado por questões pessoais", numa possível referência à prisão do sogro, o ex-ministro Moreira Franco, pela Operação Lava Jato.
Ontem, estendeu a bandeira branca e até mandou um "abraço" a Rodrigo Maia, que reagiu com um sintético "assunto encerrado".
Veja abaixo as análises dos colunistas do UOL sobre o que ainda pode acontecer na relação entre Executivo e Legislativo:
A crise entre Congresso e Executivo acabou? O que aconteceu de sinalização entre os envolvidos no dia de hoje foi suficiente?
Josias de Souza - Não, a crise, em verdade, está apenas começando.
O que ocorreu nesta quinta-feira foi um armistício que suspende temporariamente as hostilidades. A personalidade de Bolsonaro é belicosa. Nos seus 28 anos de Câmara, ele não se notabilizou pela conciliação, mas pelos conflitos.
Tales Faria - A política às vezes se assemelha ao teatro e os políticos, a verdadeiros atores em cena. No governo passado, vimos o mesmo Rodrigo Maia e o então presidente, Michel Temer, encenarem momentos de ruptura e de apaziguamento por diversas vezes. Foram assim o governo inteiro. E o que o mercado esperava deles --a aprovação da reforma previdenciária-- nunca saiu do papel. Agora o enredo parece se repetir. Não sei se como tragédia ou como farsa.
Quem foi (ou foram) o(s) principal(is) agente(s) para apaziguar a crise?
Josias de Souza - Não mudaram as opiniões de Bolsonaro sobre Rodrigo Maia e os partidos que gravitam ao seu redor, sobretudo as legendas do centrão. Em privado, o presidente diz que "essa gente representa a velha política". A novidade é que Bolsonaro cedeu momentaneamente aos apelos do núcleo militar do governo e do ministro Paulo Guedes.
Desde a semana passada, os ministros militares e Guedes vinham aconselhando o presidente a manter na coleira suas opiniões e as manifestações do filho tuiteiro Carlos Bolsonaro. E nada. Nas últimas 48 horas, entraram em cena dois ingredientes novos: as oscilações do dólar e da Bolsa de Valores e a declaração de Paulo Guedes no Senado de que não tem apego ao cargo de ministro.
Do lado de Rodrigo Maia, a cúpula do DEM avaliou que o presidente da Câmara e o próprio partido teriam prejuízos políticos se a corda continuasse a ser esticada. Compartilham desse ponto de vista, por exemplo, o prefeito de Salvador, ACM Neto, presidente nacional do DEM, e o governador de Goiás Ronaldo Caiado.
Após intensa troca de impressões, Maia convenceu-se de que era hora de se achegar novamente a Paulo Guedes, com que tem enorme afinidade, e reconstruir suas pontes com Sergio Moro. Não interessa a Maia nem ao DEM passar a impressão de que a ação da presidência da Câmara pode prejudicar a reforma previdenciária. De resto, a animosidade com o ex-juiz da Lava Jato não rendeu indesejados ataques nas redes sociais.
Tales Faria - Eu diria que foram os agentes de mercado, interpretados aí por Paulo Guedes, no papel de mocinho da história. Há um clima no ar de que o mocinho pode morrer se a reforma não passar.
Quem ganhou com a exaltação dos ânimos? E quem ganha agora com a trégua?
Josias de Souza - Houve mais perdas do que ganhos. Se alguém ganhou alguma coisa foi a banda fisiológica do Congresso. Tratados com menosprezo pelo Planalto, partidos do centrão e adjacências demarcaram o terreno. Ficou entendido com a votação da emenda que tornou mais engessado o Orçamento da União, o que o grupo dispõe de munição para criar problemas no plenário da Câmara.
O pano de fundo da queda de braço é a distribuição de verbas e o organograma dos cargos. Bolsonaro já abriu o conta-gotas das emendas parlamentares. Onyx Lorenzoni distribuiu às bancadas estaduais listas com os cargos federais disponíveis nos estados. Mas os operadores do fisiologismo consideram que o balcão de Bolsonaro é mixuruca. Querem mais. Bolsonaro resiste.
A pedido do presidente, Onyx telefona para os presidentes dos partidos. Convida-os para encontros com Bolsonaro. As conversas devem ocorrer depois do retorno da viagem que o presidente fará a Israel. Difícil dizer qual será o efeito prático das reuniões.
Tales Faria - Esse é o mistério da trama.
Quem está ganhando com a brigalhada? Por que especialmente um dos protagonistas -Bolsonaro- tem posto fogo em cena? Ele não deveria ser o maior interessado num clima de paz e amor? Onde ele quer chegar?
Alguém se cacifou politicamente?
Josias de Souza - Cacifou-se Rodrigo Maia, que unificou a Câmara em sua defesa, depondo as armas num instante em que a responsabilidade pela guerra retórica ainda é atribuída a Bolsonaro e seu filho Carlos. Cacifou-se também Paulo Guedes. Ficou no ar uma pergunta: o que seria do governo se o ministro da Economia fosse embora?
Tales Faria - Até agora, tudo indica que estejamos assistindo a uma tragédia. Como disse Marx: a história se repete na primeira vez como tragédia e na segunda, como farsa. Por enquanto, nesse clima de tragédia, parece que estamos todos perdendo.
O que isso revela sobre como vai andar a discussão da reforma da Previdência?
Josias de Souza - É majoritária no Congresso opinião segundo a qual a reforma da Previdência vai passar. O que não se sabe é que reforma os deputados se dispõem a aprovar. Em manifesto distribuído por 13 partidos, anunciou-se a intenção de aprovar um par de emendas. Paulo Guedes fixou um piso: deseja uma economia de pelo menos R$ 1 trilhão em dez anos. Se ficar muito abaixo disso, o governo terá uma vitória com sabor de derrota. Há dúvidas, de resto, quanto aos prazos. Para o Planalto, é essencial que a coisa seja aprovada na Câmara antes do recesso do meio do ano, para que o Senado mergulhe no tema depois das férias.
Tales Faria - A maior probabilidade, no momento, é de que a tragédia se transforme em farsa. E a montanha acabe parindo uma reforma à meia boca.
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