Decreto sobre porte de armas testa "limite da lei" no STF e no Congresso
Quando assinou o decreto que expande o direito ao porte de armas no país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou que a medida chegava ao "limite da lei". Agora, este limite deverá ser testado no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso, onde já há questionamentos ao texto.
Ontem, parlamentares apresentaram na Câmara e no Senado projetos para revogar o decreto. Para estes deputados e senadores, que são principalmente de legendas da oposição a Bolsonaro, o texto presidencial viola o princípio da separação de Poderes, tirando do Congresso a prerrogativa de legislar.
Algumas das propostas no Congresso afirmam também que o decreto viola diretamente o Estatuto do Desarmamento --justamente a lei que o decreto regulamenta. A medida de Bolsonaro iria contra o artigo do estatuto segundo o qual "é proibido o porte de arma em território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria" e para categorias previstas na lei, como integrantes das Forças Armadas e policiais.
A crítica de que o decreto fere o estatuto também foi feita por entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz, voltadas para estudos e pesquisas sobre políticas públicas de segurança.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a Casa vai analisar a constitucionalidade do decreto. Segundo ele, todos os decretos presidenciais são analisados pela Câmara para verificar se avançam sobre atividades do Poder Legislativo.
Além de agir no Congresso, a Rede entrou com uma ação no STF contra o decreto com base no argumento de que o texto presidencial viola a separação de Poderes prevista na Constituição. Com isso, o decreto engrossa a fila de medidas do governo Bolsonaro que estão sendo questionadas no Supremo, como o corte no orçamento das universidades públicas federais e a extinção do Ministério do Trabalho.
Decreto não pode mudar lei
A Constituição diz que cabe ao presidente "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução". Esta atribuição constitucional, presente no inciso 4º do artigo 84, é inclusive citada no decreto sobre armas.
Segundo o advogado Tomás Paiva, doutor em direito constitucional pela USP (Universidade de São Paulo), a Constituição não permite a um presidente criar "nada de novo" por meio de um decreto, mas apenas regulamentar a execução de uma lei --e tudo o que extrapolar isso é nulo e ilegal. Mas verificar se o decreto atende a essas condições nem sempre é tarefa simples.
"É difícil, porque é um exercício de interpretação de hermenêutica jurídica. O que você tem que fazer é um confronto entre a lei e o decreto", afirma. "Por exemplo: o decreto não pode revogar um dispositivo da lei, não pode regulamentar ou criar disposições que, no final, acabem por alterar a substância da lei indiretamente. Esse é um confronto que é feito caso a caso."
Segundo a jurisprudência do STF, para se questionar um decreto, é necessário entrar com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Apenas alguns entes podem propor essas ações: representantes de Poderes, governadores, o procurador-geral da República, partidos políticos, o conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e entidades de classe.
O Congresso, por sua vez, recebe da Constituição o poder exclusivo de "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".
Em fevereiro, a Câmara impôs uma derrota ao governo ao derrubar um decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), à época no exercício da Presidência da República, que ampliava o rol de autoridades com o poder de impor sigilo sobre informações do governo.
A justificativa para a revogação do decreto foi a de que ele extrapolava o seu poder regulamentar --no caso, reduzindo o alcance da Lei de Acesso à Informação (LAI). Após a votação, no entanto, deputados admitiram razões menos formais para derrubar a medida: foi uma forma de retaliar o Planalto por conta da falta de interlocução com o governo.
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