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Eduardo na embaixada: o que o STF já decidiu sobre nepotismo

Eduardo Bolsonaro em viagem a Washington, onde se encontrou com Trump - Maandel Ngan - 30.ago.19/AFP
Eduardo Bolsonaro em viagem a Washington, onde se encontrou com Trump Imagem: Maandel Ngan - 30.ago.19/AFP

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

09/09/2019 04h00

A intenção do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de indicar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para ser o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, reacendeu o debate sobre os limites legais do nepotismo.

Desde 2008 o STF (Supremo Tribunal Federal) proíbe a indicação de parentes até o terceiro grau para cargos públicos. A vedação foi fixada numa série de decisões que levaram à edição da Súmula Vinculante nº 13. As súmulas são de cumprimento obrigatório no Judiciário e na administração pública.

Apesar disso, naqueles julgamentos a maioria dos ministros do Supremo entendeu que a proibição não se aplica aos chamados cargos políticos, os postos que compõem o primeiro escalão do governo, como ministros de Estado e secretários de prefeitos e governadores.

Este seria o caso também de chefes de missão diplomática no exterior, como o embaixador brasileiro em Washington (EUA), segundo especialistas ouvidos pela reportagem do UOL.

A permissão para a indicação de parentes a cargo político, no entanto, não é irrestrita e deve ser avaliada caso a caso, segundo têm decidido a maioria dos ministros do Supremo.

Entre os fatores que poderiam impedir a nomeação estão a clara falta de capacidade técnica para o cargo ou se a indicação for motivada por troca de favores políticos, como no chamado nepotismo cruzado, em que nomeações recíprocas em órgãos distintos servem para acomodar parentes de autoridades.

A falta de qualificação para o cargo é o principal argumento utilizado numa ação do partido Cidadania para barrar a nomeação de Eduardo à embaixada. O pedido foi rejeitada pelo ministro Ricardo Lewandowski em agosto, mas houve recurso do partido pedindo que o caso seja julgado pelo plenário do Supremo.

Em sua decisão, Lewandowski não chegou a analisar se a situação configuraria ou não um caso proibido de nepotismo. A ação foi rejeitada por motivos processuais: o ministro entendeu que o partido não poderia utilizar aquele tipo de ação, um mandado de segurança, com esse objetivo. O ministro ainda não analisou o recurso do Cidadania e não há previsão de quando o caso será novamente julgado.

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Decisões do STF sobre nepotismo

Em decisões sobre casos semelhantes, os ministros têm afirmado que para barrar a indicação a cargos políticos é preciso estar clara a ausência de qualificação profissional do parente nomeado.

Em 2014, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou a indicação do irmão da vice-prefeita de Pinheiral (RJ) para o cargo de secretário municipal de Administração. Na decisão, o Barroso afirma que, para impedir a nomeação, precisaria estar comprovado de forma "inequívoca" e "manifesta" a falta de qualificação técnica do indicado.

"Estou convencido de que, em linha de princípio, a restrição sumular não se aplica à nomeação para cargos políticos. Ressalvaria
apenas as situações de inequívoca falta de razoabilidade, por ausência manifesta de qualificação técnica ou de inidoneidade moral", escreveu o ministro.

Nesse caso, o argumento do Ministério Público, que entrou com a ação, era o de que o indicado não possuía curso superior. Mas o ministro considerou na decisão a experiência dele como diretor e sócio de uma rede de supermercados, além de ter presidido a associação comercial e industrial do município.

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Antecessor de Barroso no STF, o ministro Joaquim Barbosa barrou, em 2011, a nomeação do irmão do prefeito de Queimados (RJ) para o cargo de secretário de Educação. Na decisão, Barbosa afirmou que o município não apresentou qualquer justificativa técnica ou profissional para a nomeação.

"Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal", escreveu o ministro ao impedir a nomeação.

Em decisões mais recentes, a maioria dos ministros têm mantido o entendimento de autorizar a nomeação de parentes quando o cargo é de natureza política, e feito exceções apenas se houver suspeitas de algum tipo de fraude jurídica, como no nepotismo cruzado.

No último dia 28, Moraes manteve a nomeação da esposa, do cunhado e do irmão do prefeito de Doutor Ulysses (PR) como, respectivamente, secretária de Assistência Social, secretário de Finanças e secretário de Agricultura do município. Na decisão, o ministro afirma que a vedação ao nepotismo imposta pelo Supremo não alcança os cargos políticos e no processo não havia provas de "fraude" nas nomeações.

"Além disso, não havendo prova concreta da existência de fraude nas nomeações impugnadas, na linha dos precedentes esta Corte [o STF], a
Reclamação [tipo de ação] não é o meio processual adequado para tal verificação, o que reforça a insubsistência do pedido", escreveu o ministro.

Também a ministra Cármen Lúcia, em decisão do último dia 21, manteve a nomeação da filha do prefeito de Morretes (PR) para o cargo de secretária de Governo do município. "Assim, é de natureza política o cargo cujas funções constituem definição de orientação e direção governamental e administrativa. São exemplos os cargos de presidente da República, governador, prefeito e respectivos vices, ministro, secretário, senador, deputado federal, estadual e distrital e vereador", diz a decisão.

Nesse processo, a PGR (Procuradoria-Geral da República), também reforçou a posição de que apenas se houver "comprovada má-fé" do gestor seria possível anular a nomeação de parentes para cargos no primeiro escalão.

"É pacífico nesse Supremo Tribunal Federal o entendimento no sentido de que, salvo comprovada má-fé, a nomeação para cargos de natureza política do primeiro escalão do Poder Executivo não se submete à vedação de parentesco, imposta pela Súmula Vinculante 13", diz manifestação do subprocurador Carlos Alberto Vilhena.

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Divergência de Marco Aurélio

Essa posição, no entanto, não é unânime entre os ministros e há decisões que defendem que a proibição alcançaria também os cargos políticos.

O ministro Marco Aurélio Mello tem decidido que a vedação ao nepotismo fixada pelo Supremo em 2008 vale inclusive para cargos políticos do primeiro escalão.

Em 2017, o ministro suspendeu a nomeação do filho do atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para o cargo de secretário da Casa Civil do município.

Na decisão, o ministro afirma que a Súmula 13 do STF não faz exceção a cargos políticos. "O teor do verbete não contém exceção quanto ao cargo de secretário municipal", escreveu Marco Aurélio na decisão.

Essa também foi a posição da PGR nesse processo, em parecer do subprocurador-geral Odim Brandão Ferreira: "Não se entende por que os cargos de menor expressão haveriam de se pautar por critérios de recrutamento mais exigentes do que os de mais alta expressão e, portanto, dotados de poderes capazes de atingir de modo mais amplo e intenso os interesses públicos", escreveu o procurador.

As posições divergentes sobre o tema levaram o STF a reconhecer, em junho do ano passado, a chamada "repercussão geral" a um processo no qual a questão é debatida.

Com isso, o plenário do tribunal poderá voltar a analisar as regras de proibição para a nomeação de parentes. O processo é relatado pelo ministro Luiz Fux e ainda não há data para essa ação ser julgada.

Uma nova decisão do STF sobre o tema teria o poder de fixar em definitivo uma regra geral para a nomeação de parentes para o primeiro escalão da administração pública.

Análise da indicação pelo STF

Hoje, a tendência no Supremo seria a de autorizar a nomeação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada, segundo especialistas ouvidos pela reportagem do UOL.

O cargo de embaixador é eminentemente político e de representação institucional, o que afasta o enquadramento da indicação de Eduardo Bolsonaro em hipótese de nepotismo

Willer Tomaz, advogado constitucionalista

"O cargo de embaixador não é um cargo administrativo burocrático, meramente técnico como os outros existentes nas diversas esferas da administração pública brasileira. Esse cargo pertence à mais alta estrutura do Ministério das Relações Exteriores. O embaixador estará sempre incumbido de missão de natureza institucional e política, o que o capacita, por exemplo, a celebrar tratados com os países acolhedores", afirma o advogado.

A advogada Vera Chemim, mestre em administração pública e pesquisadora do direito constitucional, afirma que a maior parte das decisões de ministros do Supremo tem liberado a posse de parentes em cargos políticos, mas que decisões divergentes, como a do ministro Marco Aurélio, criam "insegurança jurídica" e seria bom que o Supremo unificasse o entendimento sobre o tema.

"Temos vários julgados considerando que a súmula não alcança cargos de natureza política, mas apenas cargos de natureza administrativa", afirma Chemin. "Mas nós temos uma diferenciação de decisões que causam insegurança jurídica", diz a advogada.

Para Chemin, apesar do possível aval do Supremo, a indicação do filho do presidente como embaixador configura nepotismo e deveria ser proibida. A advogada argumenta que questões privadas não devem se misturar com os interesses da administração pública.

"Na minha opinião, a partir do momento em que o presidente nomeia seu próprio filho para esse cargo, embora seja de natureza política, ele realiza nepotismo", diz Chemin. "A administração pública está trabalhando com a prestação de serviços públicos de um lado e, do outro, com a concessão de bens públicos. Então, você não pode misturar o público com o privado", afirma a advogada.