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Bloqueios nas redes sociais viram ações judiciais contra governo Bolsonaro

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Imagem: Reprodução

Gabriel Garcia

Colaboração para o UOL, em Brasília

13/09/2019 04h00

Avessos a críticas, os políticos brasileiros pregam para convertidos nas redes sociais e bloqueiam seguidores com opinião antagônica. Na era das relações virtuais, a exclusão de divergentes expõe a falta de transparência de algumas autoridades, viola o livre acesso à informação e cerceia a liberdade de expressão. Com essas motivações, esses bloqueios têm virado ações judiciais.

Para o analista e advogado Melillo Dinis, as novas tecnologias mudaram a relação entre transparência, comunicação e política. "A população passou a ter conhecimento das medidas e das opiniões dos governantes através das redes sociais, que viraram personagem desse novo modelo de relacionamento", afirma.

À procura de popularidade, o político interage de acordo com o interesse da maioria dos seguidores. O bloqueio é a solução instantânea contra o eleitor descrente, expulso do convívio virtual ao menor sinal de discordância. Assim, cria-se uma massa de discípulos com pensamentos idênticos.

No contexto de descarte de seguidores, o UOL encontrou reclamações contra bloqueios no Twitter contra, pelo menos, 11 autoridades, considerando apenas o mês de agosto:

  • Presidente Jair Bolsonaro (PSL)
  • Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP)
  • Senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)
  • Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
  • Vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ)
  • Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP)
  • Deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR)
  • Ministro Abraham Weintraub (Educação)
  • Ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente)
  • Deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP)
  • Senador Renan Calheiros (MDB-AL)

Bolsonaro lidera o número de reclamações, com a exclusão de oito seguidores em agosto. O professor e mestre em direito Thiago Gomes Viana coletou uma série de casos e ingressou com uma ação popular para declarar "a ilegalidade do bloqueio de usuários" pelo presidente.

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"Bolsonaro usa as redes sociais desde a época em que era deputado para fazer anúncios de interesse público. Isso não mudou após tomar posse como presidente", justifica.

Viana escreveu que as páginas do presidente são um fórum público para anúncio de medidas econômicas. "O bloqueio viola os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade, da transparência e do direito de acesso à informação", afirma.

Impetrada em parceria com o advogado constitucionalista Paulo Iotti, a ação corre na 6ª Vara Federal do Maranhão. Iotti rebate a tese oficial de que o perfil é pessoal, o que garante o direito ao bloqueio. "Quando está em debate o tripé pessoa pública, cargo público e interesse público, a liberdade de expressão prevalece sempre", diz.

O marco inicial da ação foi a expulsão do editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, da rede do presidente eleito, em dezembro passado. Bolsonaro chamou de fake news publicação segundo a qual o ministro Osmar Terra declarava ter conversado com Bolsonaro para propor limite à venda de bebidas alcoólicas. Em seguida, Demori o questiona: "Seu ministro mentiu, então?". Passados 30 minutos, veio a exclusão. Procurados, nem Planalto nem Demori comentaram o caso.

Fenômeno de audiência nas redes sociais, Bolsonaro tem 5 milhões de seguidores no Twitter, 13,6 milhões no Instagram, 9,7 milhões no Facebook e 2,5 milhões de inscritos no YouTube, totalizando mais de 30 milhões de plateia virtual cativa.

Crise motivada por queimadas na Amazônia

O jornalista e ativista de direitos humanos William De Lucca perdeu a conexão com Bolsonaro após comentário durante a troca de acusações entre o político brasileiro e o presidente da França, Emannuel Macron. Bolsonaro reprovou a intervenção francesa na discussão sobre as queimadas na Amazônia.

O ativista criticou post do presidente no qual presta continência à bandeira dos Estados Unidos. "Você está bem preocupado com interesses externos, né?", escreveu. Foi bloqueado. De Lucca entrou com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) para reverter a decisão, pedido que será relatado pela ministra Cármen Lúcia.

"Um mandatário não pode bloquear um eleitor, ainda que este não tenha votado nele. As redes sociais de eleitos servem como espaço de debate entre quem concorda ou rejeita as propostas e posições apresentadas", avalia. Bloquear vozes dissonantes "é antidemocrático, é falsear a verdade", segundo De Lucca.

Ministro veta deputado distrital

O deputado distrital Leandro Grass (Rede), crítico da política do Ministério da Educação, não escapou da repressão virtual. Após reiteradas mensagens contra os cortes no orçamento da pasta, foi excluído das redes sociais do ministro Abraham Weintraub. "Talvez não saiba lidar com o contraditório", reagiu.

Weintraub foi procurado, mas não quis comentar.

Para o deputado, o bloqueio viola a Lei de Acesso à Informação e representa a ruptura da transparência, porque o conteúdo é de interesse da sociedade. "É um grande equívoco, uma ilegalidade. Isso precisa ser avaliado pelo próprio Judiciário", afirma.

O bloqueio de usuários, segundo Grass, revela o lado imperial do agente público. "Representa a negação do diálogo. Não conversamos só com quem concorda com nossas posições. Temos de ter um canal aberto com todos", conclui.

Pesquisadora foi perseguida e saiu do país

Em meio à indefinição jurídica sobre o tema, Weintraub retirou de suas redes sociais a antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz, que repudiou comentários de mau gosto do ministro aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Ele comparou a quantidade de drogas transportada em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) supostamente por um sargento até a Espanha com os pesos dos dois ex-mandatários.

O bloqueio levou um grupo de 111 advogadas a protocolar um mandado de segurança exigindo a imediata restituição do acesso da pesquisadora.

A advogada da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Ladyane Souza, argumenta que o Twitter oficial de um membro do governo não é apenas uma conta pessoal, mas um canal de diálogo direto com os cidadãos.

Uma das autoras do pedido de desbloqueio no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ladyane defende o uso da tecnologia na construção de uma comunicação democrática, "não para criar barreiras".

Aconselhada pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Debora e a família deixaram o Brasil, em 2018, após uma série de linchamentos virtuais e ameaças de militantes de direita. Ela é aguerrida defensora dos direitos reprodutivos das mulheres.

"A professora não pode exercer a sua cidadania aqui, então fica ainda mais difícil acessar as informações. Essa é uma diferença que reforça o direito (ao livre acesso às informações)", afirma Ladyane.

A restrição de usuários às redes do alto escalão do governo é considerada uma contradição. Bolsonaro, seguido por 5 milhões de perfis no Twitter, foi eleito na esteira da popularidade virtual, segundo Grass. "O presidente fez uso, muito bem feito, das redes sociais para se eleger e, agora, deveria dar acesso à população a tudo o que o seu governo faz", afirma.

Melillo define como uma indelicadeza o bloqueio, contribuindo para a disseminação de notícias falsas. "Além disso, é um tiro no pé. Porque, se ele bloqueia o eleitor, o cidadão pode bloqueá-lo nas urnas", diz.

Trump twitter - Josh Haner/The New York Times - Josh Haner/The New York Times
29.set.2015 - Donald Trump navega pelo seu perfil no Twitter em seu escritório no Trump Tower, Nova York
Imagem: Josh Haner/The New York Times

Como funciona nos Estados Unidos e no Canadá

Os Estados Unidos já enfrentaram o debate sobre o bloqueio de usuários. Em decisão de julho, a Justiça norte-americana determinou que o presidente Donald Trump desbloqueasse sete pessoas vetadas em suas redes sociais. A Corte do 2º Circuito de Recursos, em Manhattan, disse que Trump violava a Constituição quando impediu usuários do Twitter de acessarem sua página.

No Canadá, três cidadãos acionaram a Justiça contra o prefeito de Ottawa. Antes que a ação fosse decidida pelo tribunal responsável, os advogados do político recomendaram o desbloqueio.

Debate no Senado

O Senado abriu uma consulta em sua página para proibir que políticos e autoridades públicas brasileiras bloqueiem internautas em suas redes sociais, com base no direito à informação. Por enquanto, a sugestão recebeu o apoio de pouco mais de 2.000 cidadãos. Caso atinja 20 mil adesões até 27 de dezembro, será transformada em Sugestão Legislativa e, consequentemente, debatida pelos senadores.

A ideia surgiu ao se constatar que autoridades públicas, ao usarem as redes sociais como ferramenta de divulgação de projetos e ações políticas, passaram a bloquear usuários que não concordavam com os posicionamentos apresentados.

"O que se deseja é que todo cidadão possa debater, criticar, informar-se e, principalmente, estar seguro de que sua voz não será silenciada", afirma.