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MP apura calote em propina de R$ 4 mi na fábrica de genéricos do Governo-SP

A fábrica em Américo Brasiliense tem ociosidade de 75% - Governo do Estado/Divulgação
A fábrica em Américo Brasiliense tem ociosidade de 75% Imagem: Governo do Estado/Divulgação

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

14/09/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Delação de 2017 da Camargo Corrêa diz que obra de fábrica teve propina
  • R$ 4,3 mi seriam destinados ao então secretário de Saúde de SP e outros
  • Com avanço da operação Lava Jato, parte da propina não teria sido paga
  • MP-SP e CPI investigam caso há mais de dois anos e não há denúncia

A construção da segunda etapa da unidade industrial da Furp (Fundação para o Remédio Popular) em Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, teve um acordo de pagamento de propina a agentes públicos de pelo menos R$ 4,3 milhões. No entanto, o acordo não foi honrado pelas empreiteiras que participaram do projeto e parte do valor deixou de ser pago. É o que aponta a delação premiada de dois executivos da construtora Camargo Corrêa, fechada com o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) em 2017 e mantida sob segredo de Justiça.

A Furp é o laboratório farmacêutico oficial do Estado de São Paulo e o maior produtor de genéricos do país. Produz medicamentos populares distribuídos em todo o Brasil. Fabrica genéricos de primeira necessidade como antibióticos, antirretrovirais, para diabetes e transplantados, entre outros. Além da fábrica no interior do estado, há outra unidade em Guarulhos, na Grande SP.

A obra na unidade do laboratório, ligado à Secretaria de Saúde do Estado de SP, ainda não foi oficialmente encerrada mesmo depois de finalizada e a unidade inaugurada. De acordo com os delatores da Camargo Corrêa, isso ocorreu por que o consórcio de empreiteiras que tocou a obra ficou devendo uma parte da propina combinada - os pagamentos teriam sido interrompidos por causa do avanço da Operação Lava Jato sobre as construtoras a partir de 2014.

Além da Camargo Corrêa, participavam do consórcio as construtoras OAS, Schahin Engenharia e Planova.

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A Planova afirma que não teve acesso ao processo em que teria sido supostamente citada, reservando-se ao direito de comentar o assunto após ter acesso à integralidade dos autos.

Combinou-se R$ 2 milhões, pagou-se a metade

Segundo a delação de Martin Wende, corroborada depois por Emílio Eugênio Auler Neto, ambos ex-executivos da Camargo Corrêa, em 2008 pelo menos R$ 1 milhão de uma propina combinada de R$ 2 milhões relacionada à obra foi pago a um assessor do então secretário de Saúde de SP, Luiz Roberto Barrada Baratas, que morreu em 2010.

A obra começou na primeira passagem de Geraldo Alckmin pelo governo de SP (2001 - 2006), em 2004, e foi entregue por seu sucessor, o hoje senador José Serra (2007-2010) em 2009, ambos do PSDB. Apesar disso, a unidade só começou a produzir medicamentos em 2011. Ao todo, as duas etapas da obra da unidade de Américo Brasiliense da Furp custaram cerca de R$ 500 milhões.

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Obra ficou mais de um ano parada

De acordo com os delatores, a construção estacionou por 16 meses por falta de projeto interno dos laboratórios da fábrica e de equipamentos farmacêuticos. Em 2008, com a assinatura do quinto termo aditivo, os trabalhos recomeçaram. A propina teria sido cobrada em nome do então secretário de Saúde para a liberação do aditivo.

O R$ 1 milhão faltante seria pago quando o consórcio conseguisse a aprovação de uma revisão nos custos do contrato — as empreiteiras alegavam que a paralisação das obras havia trazido prejuízos ao consórcio.

Essa negociação de reajuste no preço, porém, não teria evoluído de forma satisfatória com a diretoria da Furp e, assim, o R$ 1 milhão restante nunca teria sido pago. Em 2012, já durante nova gestão de Alckmin frente ao Estado de SP, o consórcio entrou com uma ação na Justiça cobrando a suposta diferença.

Em 2013, o consórcio ganhou a ação e o direito a receber cerca de R$ 19 milhões, em valores da época, para o reequilíbrio orçamentário da obra.

Segundo os delatores da Camargo Corrêa, neste momento um intermediário que afirmava falar em nome do superintendente da Furp, Flavio Vormittag, apareceu com nova cobrança de propina. Vormittag é o atual coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde.

O executivo coloca por meio de nota que "reafirma a lisura dos atos administrativos do período em que respondeu pela superintendência da Furp", e que está colaborando com as investigações.

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Em troca de 10% do valor ganho pelo consórcio na ação, cerca de R$ 1,9 milhão, a Furp não recorreria da sentença. O intermediário e também funcionário da fundação, Ricardo Mahfuz, também teria cobrado R$ 400 mil para si próprio, como comissão por intermediar o acordo. Ele teria sido cobrado posteriormente também por Adivar Cristina, diretor técnico da Furp.

Mahfuz foi ouvido pelos deputados na CPI da Alesp, e na ocasião negou participação em esquemas de corrupção. Adivar Cristina também prestou depoimento à CPI e também negou envolvimento no caso.

Segundo os delatores, as empreiteiras toparam a proposta e começaram a fazer os pagamentos parcelados em 2014, depois que a Furp realmente não recorreu da dívida e o acordo com o consórcio para a recomposição financeira foi assinado.

Lava Jato "complicou" pagamento da propina

Na colaboração premiada, os executivos da empreiteira afirmam que passaram a ter dificuldade de fazer os pagamentos de propina por conta da Operação Lava Jato, que obrigou a empresa a melhorar seus mecanismos de controle internos. Assim, teriam pedido ajuda para a Schain Engenharia, que topou pagar a parte da Camargo Corrêa em troca de um ajuste na obra de um hospital no Pará onde ambas trabalhavam juntas, em outro consórcio.

Os delatores, porém, afirmam que a Schain deixou de fazer os pagamentos quando seus executivos foram implicados na Lava Jato. Eles não souberam dizer quanto da propina acordada foi paga e se as outras construtoras chegaram a saldar a dívida.

O caso é investigado pelo Gedec (Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos) do MP-SP e não foi denunciado à Justiça até hoje. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instaurada na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) no início deste ano para apurar irregularidades na Furp.

Em nota, a Construtora Camargo Corrêa afirma que as investigações relativas às irregularidades na construção da fábrica da Furp foram deflagradas graças à colaboração de ex-executivos da companhia.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde de SP afirma que a atual gestão da Furp tem total compromisso com a transparência e está à disposição do MP-SP, assim como a própria secretaria. "Em 2013, a fundação recorreu da sentença em relação aos honorários de sucumbência. O pedido de reequilíbrio já havia sido reconhecido na via administrativa, em 2011", completa a nota.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Além da fábrica no interior do estado, a Furp tem outra unidade em Guarulhos, na Grande SP, e não em Osasco, conforme inicialmente informado. A informação foi corrigida na reportagem.