Lava Jato cerceava direitos, diz relator de lei de abuso de autoridade
Resumo da notícia
- Câmara vai apreciar trechos vetados por Bolsonaro
- Ricardo Barros tem convicção de que vetos cairão
- Relator critica a pressão de Sergio Moro e Deltan Dallagnol
- Para ele, Lava Jato "patrocinou a recessão" e o desemprego
Depois de enfrentar campanha de procuradores da Lava Jato, semanas de protestos nas redes sociais e reclamações do governo, o relator da lei de abuso de autoridade, deputado Ricardo Barros (PP-PR), está prestes a ver o texto entrar em vigor. Antes disso, a última etapa no Congresso será a apreciação dos trechos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro, que começa hoje.
Barros tem a convicção de que os vetos cairão. Ele critica a pressão do ministro da Justiça. Sergio Moro, e da equipe de Deltan Dallagnol para excluir alguns itens. "Como eram práticas que a Lava Jato vinha adotando, de cercear direitos, eles tentaram manter", critica o deputado.
O parlamentar, que foi ministro da Saúde no governo Temer e é uma das lideranças do Centrão, não tem meias palavras ao se referir à maior ofensiva anticorrupção da história do país. "Esses 13 milhões de desempregados têm que entender que quem patrocinou a recessão foi a Lava Jato", diz ele. "Só aqui no Brasil se buscou a falência das empresas que estavam envolvidas no processo."
Barros avalia que a força-tarefa de Curitiba tem uma "máquina enorme" de formar opinião e por isso tem apoio da sociedade. Acredita, porém, que começam a perder espaço porque "erraram na medida" ao sugerir vetos na lei de abuso de autoridade que fragilizam direitos fundamentais.
Nesta entrevista ao UOL, o deputado afirma também as circunstâncias em que disse ao ministro Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que "presidente não demite deputado, mas deputado demite presidente". A afirmação soou como ameaça de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
UOL - Qual a sua previsão sobre a decisão do Congresso quanto aos vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei de abuso de autoridade?
Ricardo Barros - Nós vamos derrubar os vetos que são relevantes. O projeto foi bem entendido, a opinião pública é francamente favorável. A campanha da Lava Jato contra o projeto fez água porque quando eles falam, por exemplo, que prender sem estar em conformidade com a lei não é abuso de autoridade ninguém pode concordar. Então, eles erraram na medida dos vetos e perderam o apoio porque pediram para vetar coisas que qualquer cidadão quer ter garantidos como seus direitos.
Onde o senhor identifica uma campanha da Lava Jato contra a lei?
O Moro foi pedir vetos. Ele é subordinado ao presidente da República, ele não pode ir lá para dizer: "Eu quero tais vetos". Ele é um dos ministros ouvidos por nota técnica sobre os vetos.
Mas ele fez campanha. O Dallagnol também fez campanha pelos vetos. Os promotores fizeram mobilização, foram para as portas dos tribunais, das procuradorias.
Houve vetos que o surpreenderam?
Eles exageraram nos pedidos de veto e acabaram facilitando a reação positiva da população a favor da derrubada dos vetos. É o que eu vejo.
Não tem sentido nenhum decretar prisão ou deixar de conceder liberdade em manifesta desconformidade com a lei. Como isso não é abuso de autoridade?
Iniciar persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa. Negar acesso aos autos de procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa... Ora, se você está sendo processado tem que ter acesso ao processo. Como eram práticas que a Lava Jato vinha adotando, de cercear direitos, eles tentaram manter isso e a minha opinião é que os vetos cairão por absoluto bom senso, não é por outro motivo.
O senhor acha que a lei tem apoio popular?
As pessoas que tiveram acesso à informação são favoráveis à lei de abuso de autoridade. Quem leu entendeu do que se trata. Quem segue a opinião de terceiros, quanto a esses não temos o que fazer, está funcionando como papagaio, repetindo o que o outro falou. Houve uma pesquisa que registrou mais de 50% de entrevistados favoráveis à lei.
Como reage à pressão das redes sociais?
Tenho acompanhamento das redes sociais. Quanto o tema chega ao topo no Twitter dá 150 mil compartilhamentos, enquanto estamos falando de 200 milhões de brasileiros.
As redes sociais têm importância relativa. Não me preocupo com os robôs.
A Lava Jato tem uma máquina enorme de formar opinião, de produzir conteúdo. Eles foram muito competentes nisso e têm cinco anos de Jornal Nacional falando a favor deles. Não vamos desconstruir a opinião de uma hora para outra.
Como pretende apresentar essa outra visão da Lava Jato?
É um trabalho de mostrar que a Lava Jato quebrou o Brasil, optando por uma ruptura que não foi seguida por outros países. Empresas brasileiras foram quebradas, enquanto empresas de outros países que vieram aqui e pagaram propina para a Petrobras não foram quebradas pelos seus países. Pagaram uma multa, as pessoas que cometeram erros foram afastadas, mas o CNPJ não foi onerado. Só aqui no Brasil se escolheu esse caminho.
Esses 13 milhões de desempregados têm que entender que quem patrocinou a recessão foi a Lava Jato, com a não leniência, com a busca do stress no lugar da busca do acordo
As empresas multinacionais envolvidas estão pagando multas e seguindo a vida. Só aqui no Brasil se buscou a falência das empresas que estavam envolvidas no processo.
Mas não vai ser fácil fazer as pessoas entenderem isso, porque elas não querem entender que seus heróis praticaram algum equívoco, preferem não ler os vazamentos do Intercept porque estão confortáveis com a sua opinião e não querem mudar. A Lava Jato conseguiu excelente resultado no combate à corrupção, mas, como diz o novo procurador-geral, Augusto Aras, os fins não justificam os meios.
Os defensores da Lava Jato argumentam que a classe política quer manter privilégios.
Há informações de que Moro quer ir para o Podemos, Deltan expressou que queria ser candidato ao Senado. A ação da força-tarefa da Lava Jato de destruir os políticos para ocupar o lugar dos políticos de nobre não tem nada. É um absurdo completo. Mas essa prática que nós estamos assistindo está produzindo resultados. Várias pessoas que seguiam essa linha de usar o Judiciário para se promover e fazer o espetáculo foram eleitas. Existem muitos na Câmara e no Senado. É uma repetição ipsis literis da Mãos Limpas. Todos esses passos foram dados iguaizinhos e terminou muito mal lá na Itália. Acho que a Lava Jato também terminará muito mal aqui.
Como avalia a recente operação da Polícia Federal contra o senador Fernando Bezerra?
Ações totalmente inúteis do ponto de vista processual. Obviamente depois de tantos anos eles não iriam achar documento nenhum que fosse útil para o processo. Mas a busca é pelo espetáculo, pelo linchamento moral é pela formação de pré julgamento da população sobre as pessoas.
Quais os maiores prejuízos causados por esse tipo de conduta?
Precisamos ter senso crítico e entender o quanto esse estado policial prejudica a economia brasileira. Quanto, por exemplo, uma licença ambiental demora muito mais para sair porque o funcionário tem medo de assinar a licença e ser processado? Mesmo sem razão, mesmo concluído todo o preceito legal, mas é processado por ativismo ideológico do promotor que não concorda com aquilo e diz "não quero essa obra, não gosto da ideia". Por mais que tudo tenha sido feito dentro da lei, ele processa na Pessoa Física o funcionário e acaba constrangendo a máquina pública, que não faz as entregas que a população precisa. O servidor público hoje é intimidado por esse Estado policialesco a deixar de fazer o seu trabalho do dia a dia.
Não fica com receio de se confrontar com o ministro Sergio Moro, que mantém a popularidade em alta?
Não estou confrontando ninguém, apenas constato uma realidade brasileira e alerto para as consequências do modus operandi que eles adotaram para a economia brasileira, para o funcionamento da máquina pública, para a entrega dos benefícios que a população quer com os recursos públicos e para a recessão em que o país mergulhou depois que a operação passou a perseguir objetivamente determinados alvos. O que temos hoje no MP não é uma investigação, é a tentativa de provar uma tese. Eles não se subordinam às provas encontradas. Quando não encontram o que foi na direção que imaginavam, eles não denunciam, porque não têm elementos, mas também não arquivam, porque não se convencem. Sequestram a honra das pessoas que são acusadas de uma determinada conduta inadequada. Por isso, temos na lei de abuso de autoridade que procrastinar o inquérito ou investigação sem justa razão é abuso.
Não são muitos os políticos como o senhor que se dispõem a fazer críticas públicas à Lava Jato.
Eles são perseguidores, implacáveis. Todo mundo que ousa discordar do ponto de vista deles paga um preço alto por isso. Talvez por isso meus colegas se resguardem, para falar sobre isso apenas internamente e não para a imprensa. A máquina pública é movimentada contra as pessoas que não se ajoelham a essa visão de superioridade que o MP tem sobre os demais poderes. Mas agora vai ficar mais equilibrado com a lei de abuso de autoridade.
Como avalia as matérias feitas a partir dos vazamentos de conversas de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro, obtidos pelo site The Intercept?
Os vazamentos do Intercept trazem à luz o que todos já sabíamos: a força-tarefa não tinha apreço em seguir lei, mas sim buscar os fins independentemente dos meios.
Isso é que vai ser avaliado no processo que vem pela frente que é o julgamento da Lava Jato. A primeira sentença baseada na operação já foi anulada e muitas outras serão.
Acredita que o STF vai concordar com o pedido de suspeição de Moro?
Não sei. Não tenho nada contra Moro e Dallagnol. Tenho contra o dano que eles causaram à economia brasileira e ao direito individual que nós cidadãos temos garantidos pela Constituição: a presunção da inocência, o direito ao justo processo legal, que não foi observado. Eu acho que eventualmente se acharam bem-intencionado, mas não mediram as consequências do caminho que escolheram.
O senhor acha que a condenação do ex-presidente Lula vai ser anulada?
Não acredito, porque foi confirmada na segunda instância. Mas posso assegurar a você que alguns juízes da segunda e terceira instâncias que foram encantados pela operação Lava Jato e agora, depois dos vazamentos do Intercept, se sentem usados e vão passar a interpretar a lei no que ela está escrito e não naquilo que foi vendido para eles que seria o caminho para salvar o Brasil.
Teve grande repercussão uma frase sua recente dita ao ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos: "presidente não demite deputado, mas deputado demite presidente". O que quis dizer com isso?
Só estava dizendo que a última palavra é do Congresso. A Câmara dos Deputados é a representação do povo, o Senado é a representação dos estados. A Constituição nos assegura votar leis que se forem vetadas pelo Executivo nós temos a prerrogativa de derrubar o veto. A Constituição nos assegura emendar a Constituição e promulgar a emenda independente do Executivo. E a Constituição nos assegura afastar o presidente. Já dois foram afastados, não há nenhuma novidade no que eu falei.
O comentário foi em resposta àquela tuitada do Carlos Bolsonaro, dizendo que o Brasil não chegaria às mudanças esperadas pela via democrática. A via democrática é a Constituição votada, vigente, que diz que a palavra final é do Congresso. Não tem essa conversa de não ter via democrática.
Eu pelo menos espero que não se tente nenhuma chicana. Até porque o Congresso Nacional assumiu uma agenda para o Brasil, votou Reforma da Previdência, votou abuso de autoridade, vai votar proposta anticrime, vai votar a Reforma Tributária... Nós vamos dar conta do nosso recado, fazer as alterações necessárias na lei para que o Brasil progrida, independente do relacionamento com o Executivo.
Houve acusações de que o senhor estaria fazendo ameaça em troca da liberação prometida do dinheiro de emendas.
Disseram que eu estava extorquindo o presidente: "ou paga a emenda ou vai ser demitido". Isso é uma bobagem.
Nós votamos este ano que as emendas de bancada serão impositivas. Se quisermos aumentar nossas emendas individuais impositivas nós aumentamos e o governo tem que cumprir. Não precisamos ameaçar o presidente para que os recursos que mandamos para os nossos estados e municípios aconteçam. Simplesmente votamos. Esse novo momento de relacionamento de Congresso e Executivo está sendo muito bom, talvez o melhor momento que o Congresso já viveu e não queremos voltar a ter aquele relacionamento de corresponsabilidade governamental que tínhamos antes.
Pela lei, um impeachment só pode acontecer se acontecer crime de responsabilidade. O sr. acredita que o presidente Bolsonaro em algum momento fez isso?
A Constituição fala isso. Mas eu quero lembrar que o Collor foi impedido por causa de uma Fiat Elba e depois foi inocentado pelo Supremo. O eventual crime de responsabilidade não foi determinante na sua cassação. A presidente foi afastada por uma pedalada que ninguém sabe exatamente o que é... mas foi. E o presidente Bolsonaro depende do Congresso para que ele não infrinja a lei de responsabilidade fiscal, que é a regra de ouro, porque já há cinco anos o governo gasta mais do que arrecada para custeio. A regra de ouro diz que não se pode emprestar dinheiro para custeio, só para investimento.
Então, quando nós votamos este ano R$ 250 bilhões de crédito para o governo gastar além do que arrecada, evitamos que presidente quebre a regra de ouro. Mas se o Congresso não votar, ele não consegue cortar despesas equivalentes a R$ 250 bilhões. Ou ele vai parar o Brasil para não descumprir a lei. Então, a relação que o presidente tem que ter com o Congresso e nós estamos tendo com ele é de cooperação para o bem do Brasil. Se nós não agirmos com esse espírito, a situação do governo fica insustentável, porque sem acabar com 100% da popularidade ele não conseguiria restringir R$ 250 bilhões de despesas orçamentárias, ia ter que parar tudo. E obviamente isso iria ter uma consequência muito forte.
O presidente Bolsonaro optou por tentar evitar o chamado presidencialismo de coalizão. Como está hoje o relacionamento entre Executivo e Legislativo?
Está como se desejou. O presidente agindo dentro daquilo que ele acha que é o compromisso de palanque e o Congresso adotando uma pauta que entende boa para o Brasil e que não necessariamente caminha na mesma direção, mas em muitos pontos é convergente.
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