Como votaram os ministros do STF no caso que pode abalar a Lava Jato
Resumo da notícia
- Seis dos 11 ministros já são favoráveis a réus delatados
- Resta saber, porém, em que condições sentenças poderão ser anuladas
- Discussão envolveu possível impacto de uma decisão no combate à corrupção
- STF abrirá debate sobre o alcance deste caso a partir de quarta-feira (2)
O julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do caso que pode levar à anulação de sentenças da Operação Lava Jato foi dominado por argumentos sobre o direito de defesa dos réus, o respeito ao que prevê a legislação penal e o possível impacto de uma decisão no combate à corrupção.
"O caso tem risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção", disse o ministro Luís Roberto Barroso.
"O que está em jogo é um dos valores fundantes do estado democrático de direito, exatamente o direito ao contraditório e à ampla defesa", afirmou Ricardo Lewandowski, ministro no campo oposto do julgamento.
A maioria dos ministros entendeu que os réus que são delatores devem apresentar suas alegações finais antes dos outros acusados que foram incriminados por sua delação. Ações que não seguiram esse rito, segundo os ministros, podem ter suas condenações revistas.
As alegações finais são a última etapa do processo antes da sentença. A anulação das sentenças não leva imediatamente à absolvição do réu, mas faz com que a ação retorne à fase de apresentação das alegações finais e seja submetida a novo julgamento.
Na próxima quarta-feira (2) o STF volta a analisar o tema para definir os efeitos práticos do julgamento de hoje nos processos criminais que usaram depoimentos de delatores.
Os argumentos dos ministros que ficaram em campos opostos no julgamento podem ser resumidos da seguinte forma.
Contra a anulação das sentenças:
- A legislação não prevê prazo diferenciado para alegações finais de delatores.
- A Justiça só pode declarar a nulidade de um ato processual se ficar comprovado o prejuízo ao réu.
- A lei diz que depoimentos de delatores não têm força de prova para sustentar, sozinhos, condenações.
A favor da anulação das sentenças:
- O acusado tem direito a se defender de todos os pontos da acusação, incluindo o depoimento de delatores que também são réus no processo.
- No processo penal, o delator tem interesse semelhante ao do Ministério Público pois quer comprovar suas acusações para conseguir os benefícios da colaboração premiada.
- Apesar de a legislação não prever a ordem das alegações de delatores, a Constituição garante aos réus o direito à ampla defesa no processo criminal.
Veja as principais declarações de cada ministro.
Contra a anulação das sentenças
Edson Fachin
Em seu voto, o ministro Edson Fachin afirmou que as delações não têm, isoladamente, força de prova e a legislação não prevê uma ordem especial para a manifestação final de delatores nos processos penais.
Para o ministro, o fato de delatores apresentarem seus argumentos no mesmo prazo que os delatados, por si só, não prejudica a defesa dos réus incriminados pelos acordos de colaboração.
"Concluo que após a celebração do acordo e a colheita das provas nele indicadas, a atuação processual do colaborador não desencadeia efeito acusatório ou probatório relevante", disse o ministro.
Fachin defendeu ainda que não caberia ao STF estabelecer uma regra que não está prevista na legislação.
"A lei contudo não disciplinou imposição de ordem de colheita das argumentações de cada defesa, tampouco potencializou para esse escopo eventual adoção ou não de postura colaborativa", afirmou Fachin. "Em meu modo de ver, por isso mesmo, não deve o Judiciário legislar e não deve fazê-lo em hipótese alguma", concluiu o ministro.
Luís Roberto Barroso
Terceiro a votar, Luís Roberto Barroso afirmou que o prazo comum para alegações finais entre delatores e outros réus não prejudica o direito de defesa.
O ministro defendeu também que uma eventual decisão do Supremo em sentido contrário deveria valer apenas para futuras condenações, e não deveria levar à anulação de sentenças já proferidas.
Segundo Barroso, a revisão de condenações da Lava Jato teria um forte impacto no combate à corrupção no país.
"O caso tem risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido com os padrões de ética pública e privada praticados aqui", afirmou o ministro.
Luiz Fux
O ministro Luiz Fux afirmou que na fase de alegações finais os acusados já tem amplo conhecimento do processo e não é necessário o prazo diferenciado para a manifestação de delatores.
"As alegações finais não representam um meio de prova nenhuma. Quando um processo chega à fase de alegações finais, delator e delatado já tem conhecimento de tudo que se passou", disse o ministro.
Fux também defendeu que o Supremo limite os efeitos do julgamento para que não haja a revisão em série de condenações da Operação Lava Jato.
"Eu tenho absoluta certeza de que nós vamos debater aqui uma modulação dessa decisão para que ela não seja capaz de pôr por terra toda uma operação que visou colocar o país num padrão ético e moral que ele merece", disse o ministro.
A favor da revisão das condenações
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes defendeu o direito de réus que foram acusados por delatores de apresentar alegações finais por último. Segundo o ministro, isso garante o direito à defesa de contestar todos os pontos da acusação.
"O denominado direito de falar por último está logicamente contido no exercício pleno da ampla defesa, englobando a possibilidade de refutar todas, absolutamente todas as informações, alegações, depoimentos, provas e indícios em geral que possam, indireta ou diretamente, influenciar e fundamentar uma futura condenação penal", disse Moraes.
"Todas elas, inclusive, entendo, as alegações do delator, que as faz com um único interesse: auxiliar o Ministério Público a obter a condenação para que, com isso, ele delator obtenha os benefícios da delação premial", afirmou o ministro.
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber defendeu que conceder o mesmo prazo para as últimas manifestações processuais implica em prejuízo ao direito de defesa dos réus que foram delatados e, por isso, as condenações devem ser anuladas.
"A conclusão que se impõe, diante do meu reconhecimento de que, afrontadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é de que a nulidade é absoluta. E em sendo absoluta, o prejuízo ao paciente se presume. Ou melhor dizendo: o prejuízo emerge do só descumprimento do devido processo legal", disse a ministra.
"Estou convencida de que o réu colaborador está no mesmo polo passivo que o réu não colaborador, mas observo que, diante do conteúdo material da colaboração, ainda que dependente de corroboração, suas alegações finais devem ser levadas previamente à parte diversa. Isso é o que melhor concretiza o devido processo legal", afirmou Weber.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia afirmou que o prazo igual para alegações de delatores e dos demais réus pode levar à anulação da sentença.
No entanto, Cármen Lúcia defendeu que precisaria ficar comprovado que de fato houve prejuízo ao direito de defesa e que o réu questionou esse ponto desde o início do processo.
Com base nesse entendimento, Cármen Lúcia negou o recurso do ex-gerente da Petrobras condenado na Lava Jato, afirmando que ele teve a oportunidade de contestar o delator antes da sentença e não o fez.
Apesar de ter rejeitado o recurso desse réu na Lava Jato, a ministra apoiou a corrente que defende a anulação de condenações em caso semelhantes.
"O colaborador tem acesso a benefícios maiores que podem chegar até mesmo ao perdão judicial, desde que eficiente sua colaboração", disse a ministra. "Por isso o seu interesse na condenação dos demais réus. Trata-se, portanto, de uma posição processual distinta daquele que apenas foi delatado e que tem uma linha de defesa diferente em razão exatamente da atuação do colaborador", afirmou Cármen Lúcia.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski também defendeu que a ordem das alegações finais é importante para garantir o direito de defesa dos réus.
"O que está em jogo é um dos valores fundantes do estado democrático de direito, exatamente o direito ao contraditório e à ampla defesa. Sem estes valores, não existe estado democrático de direito", afirmou o ministro.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes também defendeu o direito dos réus alvo de delatores se manifestarem por último no processo e disse que quando isso não é observado é prejuízo ao direito de defesa.
"Não se pode combater a corrupção cometendo crimes", disse o ministro.
Celso de Mello
O ministro concordou com a tese de que deve ser garantido o direito de defesa dos réus que foram alvo de acusação dos delatores no processo.
"É inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele. Primeiro a acusação, depois a defesa. Pela aplicação da garantia da ampla defesa, a ordem deve ser memoriais do MPF, memoriais do agente colaborador premiado e, em último lugar, memoriais do corréu delatado", disse Celso de Mello.
"A denegação ao réu delatado da possibilidade de apresentar suas alegações finais após o prazo concedido ao agente colaborador equivale por si só à supressão mesmo do seu direito de defesa", afirmou o ministro.
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