MPF acusa Osmar Terra de improbidade por suspensão de edital da Ancine
Resumo da notícia
- MPF ajuiza ação contra o ministro Osmar Terra
- O processo é por conta da suspensão de edital da Ancine
- Para MPF, decisão foi discriminatória contra LGBTQ+
- Ministério nega censura e diz que suspensão é legal
O Ministério Público Federal ajuizou hoje uma ação civil pública contra o ministro da Cidadania, Osmar Terra, por improbidade administrativa, em virtude da suspensão de um edital da Ancine para produções de audiovisual para emissoras de televisão públicas.
A medida foi considerada no meio cultural como o primeiro ato formal de censura praticado pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). Esta é a primeira ação de improbidade movida pelo MPF contra um ministro do atual governo.
Segundo o MPF, a suspensão causou prejuízo aos cofres públicos uma vez que o governo federal já havia gasto quase R$ 1,8 milhão na análise das 613 propostas que disputavam o edital, aberto em março de 2018 e que já se encontrava na fase final.
Na ação, o MPF pede a anulação da portaria que cancelou o edital, a conclusão do concurso e que o ministro devolva o dinheiro gasto até agora aos cofres públicos.
Além da devolução do dinheiro gasto, a ação do MPF pode resultar, em caso de condenação, na perda do cargo do ministro, a suspensão de seus direitos políticos por oito anos e o pagamento de multa de duas vezes o valor do dano.
Se Terra for condenado, ele poderá ainda ser proibido de ser contratado pelo Poder Público Federal ou dele receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios durante cinco anos.
O Ministério da Cidadania, questionado sobre a investigação do MPF que resultou na ação proposta hoje, respondeu que o governo resolveu suspender o edital "com a intenção de analisar os critérios de sua formulação". Segundo a pasta, o concurso previa a possibilidade de suspensão ou anulação. Segundo a nota, "o edital suspenso não havia sido discutido por este governo".
Suspensão ocorreu após fala de Bolsonaro
A portaria 1576, editada por Terra, suspendeu o edital por 180 dias, prorrogáveis pelo mesmo período. A suspensão ocorreu seis dias depois de Bolsonaro revelar os nomes de quatro produções com temática LGBTQ+ que estavam disputando o edital nas categorias "diversidade de gênero" e "sexualidade" durante uma transmissão ao vivo em seu perfil nas redes sociais.
Na "live", Bolsonaro citou as produções "Sexo Reverso", "Transversais", "Afronte" e "Religare Queer" e disse que projetos como aqueles não tinham cabimento e que iriam "para o saco" sob sua gestão.
Discriminação
Para o MPF, contudo, o motivo real da suspensão é "a discriminação contra projetos com temática relacionada a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis", dentre os quais os projetos citados pejorativamente por Bolsonaro na transmissão ao vivo de 15 de agosto.
O MPF afirma na ação que o objetivo da suspensão era impedir que os projetos mencionados pelo presidente tivessem a chance de vencer o concurso. Como não havia meio legal de tirar os quatro projetos do concurso em sua fase final, a "solução" encontrada pelo governo federal foi a de sacrificar todo o processo, alega o MPF na ação.
Além dos danos aos cofres públicos causados pela suspensão do concurso, o MPF afirma que "a discriminação contra pessoas LGBT promovida ou referendada por agentes públicos constitui grave ofensa aos princípios administrativos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade as instituições".
A ação lembra que em junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal, na ação que criminalizou a homofobia, afirmou expressamente que "os homossexuais, os transgêneros e demais integrantes do grupo LGBT têm a prerrogativa, como pessoas livres e iguais em dignidade e direitos, de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero".
Terra é alvo de outras ações
A ação do MPF é a segunda proposta na Justiça Federal do Rio sobre o caso. Em agosto, o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura na gestão Michel Temer (MDB), ajuizou uma ação popular para anular a portaria que cancelou o edital.
O deputado alega que a medida é inconstitucional. No final de agosto, a juíza Andréa de Araújo Peixoto, da 29ª Vara Federal do Rio, abriu a ação e deu 20 dias para o governo federal explicar a suspensão do edital.
Em agosto, procuradores da área de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico do MPF-RJ, instauraram Inquérito Civil Público para apurar o caso.
A suspensão do edital causou a saída do secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, que pediu demissão no dia 21 de agosto e saiu disparando contra o governo: "não vou bater palmas para a censura".
Ele prestou depoimento no inquérito do MPF, no último dia 26 de setembro e afirmou que considera que a suspensão do edital foi "imotivada", ou seja, não foi baseada em critérios legais.
Segundo as regras do edital, o Ministro da Cidadania e o Secretário Especial de Cultura, enquanto órgãos de direção superior, não participam legalmente do processo de seleção dos projetos.
Todavia, de acordo com o que foi apurado pelo MPF, no dia seguinte à manifestação de Bolsonaro, Terra determinou a elaboração de pareceres para uma minuta de portaria para a suspensão do concurso, justificando, para tanto, que a medida era necessária para a recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual.
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