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Censura, Lei de Anistia e protesto: os bastidores de Gilmar no Roda Viva

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/10/2019 02h56Atualizada em 08/10/2019 14h52

Resumo da notícia

  • Bastidores tiveram um clima mais cordial do que o apresentado na TV
  • Gilmar Mendes disse que é amigo de Sergio Moro: "gosto dele"
  • Ministro antecipou a pauta dos julgamento do STF
  • Ele falou ainda sobre censura no governo Bolsonaro

A entrevista do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes ao programa "Roda Viva" desta segunda-feira (7) rendeu tantos assuntos que outros temas importantes discutidos nos bastidores do programa acabaram não chegando ao telespectadores.

Ao UOL, Gilmar Mendes respondeu sobre episódios recentes de censura, sobre a possibilidade de se debater a Lei de Anistia e, nos bastidores do programa, revelou que semana que vem o Supremo retomará o julgamento sobre se é competência da Justiça Militar processar agentes das Forças Armadas que tenham praticado crimes durante operações de GLO (Garantia de Lei e Ordem). E do lado de fora da TV Cultura houve um microprotesto com cobranças ao entrevistado e à imprensa.

No ar, o que se viu foi uma bancada que exigiu do ministro respostas sobre a revelação do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que disse ter tido a intenção de matá-lo; a provável mudança de voto no julgamento, agendado segundo o ministro para o próximo dia 23 de outubro, a respeito da prisão para cumprimento de pena após condenação em segunda instância; seu relacionamento próximo com Michel Temer (MDB) durante o mandato do ex-presidente quando este era investigado pelo MPF e julgado no TSE; Lava Jato, Vaza Jato; o julgamento da suspeição do hoje ministro da Justiça Sergio Moro no processo do tríplex atribuído ao ex-presidente Lula; o inquérito sobre fake news aberto pelo STF, sem ouvir o MPF, e muitos outros assuntos.

GLO

Os bastidores do "Roda Viva" desta segunda ocorreram num clima bem mais cordial do que o programa que foi ao ar. Gilmar mostrou muita paciência com a área técnica da TV Cultura, os retoques finais na maquiagem e com os fotógrafos.

Quando tudo estava pronto, ainda teve tempo de passar a agenda do Supremo com os jornalistas e revelou que a Corte retomará semana que vem o julgamento sobre de quem é a competência para julgar militares das Forças Armadas envolvidos em crimes nas operações de GLO.

O julgamento foi interrompido em abril de 2018 após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, quando estava em 2 a 1 para a competência da Justiça Militar.

O único sinal de tensão nos bastidores derivou das perguntas do primeiro bloco. No primeiro intervalo, após intenso debate com os jornalistas no qual reclamou que a imprensa cobriu mal o caso do então procurador da República Marcelo Miller, investigado por ter atuado para a JBS enquanto ainda era membro do MPF, assessorando Janot, foi cobrado de volta: "o senhor acha mesmo que a imprensa ignorou este caso?", indagou Josias de Souza, do UOL.

Amigo de Moro

Já no segundo intervalo, Gilmar Mendes disse sorrindo que é amigo de Moro. "Gosto dele. Escrevi um artigo para um livro sobre ele", disse, único tema que depois voltou ao programa. O terceiro intervalo foi dos jornalistas, para tentar dar uma ordem à entrada das perguntas do bloco seguinte.

Ao final do programa, o ministro do STF, no centro do debate nacional desde que entrou para a Corte, em 2002, após ter sido Advogado-Geral da União, conversou dez minutos com os entrevistadores sobre as perguntas que fizeram parte da entrevista e voltou a criticar Janot e a cobertura do caso Miller.

Censura

Em seguida, Gilmar Mendes respondeu ao UOL que os recentes casos de censura ocorridos no governo Jair Bolsonaro (PSL), de um edital da Ancine, já objeto de ação do MPF, e a investigação, revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, sobre a censura praticada pela Caixa Econômica Federal na seleção de projetos culturais, deverão chegar ao STF, seja em virtude de recursos relacionados aos casos, seja por ação de inconstitucionalidade e que "o Supremo tem feito um escrutínio muito severo em relação a medidas que afetem a liberdade de imprensa e que afetem de alguma forma a liberdade de expressão ou a liberdade artística", mas, segundo o ministro, "os antecedentes do tribunal indicam que o STF não transige com esse tipo de violação".

Lei de Anistia

Questionado sobre se há margem no STF para uma nova discussão sobre a abrangência da Lei de Anistia num momento em que há pessoas que defendem a volta da ditadura ou "intervenção militar", Gilmar Mendes disse, sem se aprofundar, que pode haver esse debate, mas criticou os saudosistas da ditadura.

"Esse é um debate que podemos ter, mas o que entendo é que com a Constituição de 1988 nós tivemos uma transição concertada. Se compararmos nossa constituição com a de outros vizinhos, passamos 31 anos sem tumultos institucionais, mas agora a gente vê pessoas que dizem que devem usar o artigo 142 da Constituição para fechar o STF, o que não tem nada a ver com o modelo democrático da Constituição de 1988. As Forças Armadas estão submetidas aos poderes legítimos: Judiciário, Legislativo e Executivo", afirmou.

Sobre os saudosistas, afirmou: "há pessoas que dizem que na época da ditadura não havia corrupção. E tenho dito que o que não havia era liberdade de imprensa, por isso não sabíamos da corrupção".

Os jornalistas Josias de Souza e a apresentadora do "Roda Viva", Daniela Lima, editora do painel da Folha, fizeram uma avaliação positiva do programa.

"Foi um programa interessante em que o ministro foi confrontado com várias idiossincrasias dele, que deixam o tribunal mal. Ele critica Sergio Moro por se entender com procuradores, mas tem dificuldades em explicar o fato de confraternizar com Michel Temer e com seus ministros na época em que eram suspeitos e estavam sob investigação do MP", afirmou Josias.

Segundo Daniela, o programa foi incisivo de parte a parte, mas para ela o ministro não fugiu dos temas: "Foi a mediação mais difícil que eu já fiz desde quando assumi o programa. Os entrevistadores e o entrevistado eram muito obstinados".

Microprotesto

A fisioterapeuta Valéria Hungria, 53, e o agricultor Antonio Olinto Junqueira, 62, vieram de Avaré, a 280 km de São Paulo, e protestavam sozinhos contra Gilmar Mendes na porta da TV Cultura.

Ela afirmou que há cinco anos participa do movimento contra a corrupção e que vai a "todas as manifestações" e contou ter ido à emissora abordar todos os entrevistadores e participantes do programa para que fizessem perguntas para o ministro e não apenas o escutassem.

"Por que Gilmar Mendes não escuta a voz das ruas? Ele mudou o voto dele sobre prisão em segunda instância", afirmou Valéria, enquanto Junqueira filmava a entrevista. "Que espécie de divindade tem esse homem para termos que engoli-lo com farinha?", afirmou.