Luciano Huck não é um noviço na política, diz presidente do Cidadania
Resumo da notícia
- Roberto Freire é entusiasta de uma candidatura de Luciano Huck à Presidência
- Interlocutor de Huck, ele afirma que o Cidadania está aberto ao apresentador de TV
- Presidente do Cidadania diz que Huck é social-democrata atento às desigualdades
- Freire critica governo Bolsonaro e é favorável a fusão com partido de Marina Silva
O apresentador de TV e empresário Luciano Huck flertou com a ideia de concorrer à Presidência da República em 2018 e surge entre os cotados a ser candidato em 2022. No que depender de Roberto Freire, 77, presidente do Cidadania (novo nome do antigo PPS), o nome de Huck estará na urna.
"Nós do Cidadania estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila", diz Freire.
Político experiente, Freire exerceu sete mandatos como deputado federal e foi senador, além de ministro da Cultura no governo Michel Temer (MDB). Ele tem sido um dos principais interlocutores do apresentador da Rede Globo entre os líderes partidários.
Em sua opinião, Huck já não pode mais ser considerado como uma figura de fora da política. "Desta vez ele também está muito mais enfronhado na política. Ele não pode dizer que é um noviço."
A decisão de rebatizar o partido como Cidadania foi oficializada neste ano. A história da legenda remonta ao antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Criado em 1992, o PPS (Partido Popular Socialista) representou a revisão política feita por antigos comunistas depois do esfacelamento da União Soviética e da queda dos regimes apoiados por ela no fim da década de 1980.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente da sigla.
UOL - O Cidadania é citado como um partido com o qual o apresentador Luciano Huck dialoga para se filiar.
Roberto Freire - Se filiar, não. Ele em momento algum disse que iria se filiar e ser candidato. A conversa, já há muito tempo, desde o ano passado, é uma conversa de que ele tem participação na política junto aos movimentos cívicos e sociais que existem na sociedade brasileira, que estão fazendo política, participando, formando quadros políticos. E muitos desses movimentos têm um diálogo muito intenso conosco. E outros são filiados ao nosso partido.
Então, essa relação com ele é uma relação que há algum tempo existe, que é de intenso debate, participação política nas discussões dos problemas nacionais. Existe a possibilidade de que ele venha a disputar alguma eleição. Isso está no horizonte. Agora não tem nada definido sobre isso.
Ele nunca se declarou candidato, mas o Cidadania admite que isso possa vir a ocorrer. Até porque ele é um homem político, participa da política, não disse que é candidato, ainda não definiu militância ou filiação partidária. Mas de qualquer maneira está participando e quem sabe amanhã se pode vir a discutir essa hipótese. O Cidadania não exclui [a possibilidade], mas não tem nada definido sobre isso.
O senhor já o convidou a se filiar ao Cidadania?
Olha, no ano passado, teve um determinado momento em que a gente imaginou que ele poderia ser candidato. E para ser candidato tem que se filiar. Mas ali ele não aceitou. E agora ainda está muito distante a eleição presidencial.
O que a gente tem conversado com ele é a participação dele junto a alguns quadros jovens que estão entrando no Cidadania, inclusive alguns deles como prováveis candidatos nessas eleições municipais de 2020. Tenho contato com ele. Ele tem tido contato com várias forças políticas, ele tem participado da política, mas ainda com nenhuma definição para candidatura.
Quais são as afinidades entre Huck e o Cidadania?
Muitas.
Ele tem uma formação política de um social-democrata.
O combate à corrupção deve existir, é fundamental fazer isso, mas o Brasil tem outros problemas que não foram resolvidos e alguns até se agravaram, que é da nossa justiça, da nossa desigualdade. Nesse encontro público que ele teve [em agosto] em Vila Velha, no Espírito Santo, ele tocou nesse ponto. Poucos políticos estão discutindo isso. E ele toca porque esse é o problema brasileiro. Isso precisa ser enfrentado e resolvido. Ele tem essa compreensão.
E ao mesmo tempo ele é um um empresário de sucesso, um homem muito antenado com essa nova realidade no mundo, esse novo mundo que aí está, das inovações tecnológicas, da inteligência artificial. Ele é um homem vinculado a isso, inclusive à indústria do futuro, da indústria cultural, do entretenimento. Isso é o que vai ser muito forte em qualquer economia do futuro. Ele tem muita compreensão disso.
Estou lhe dizendo isso porque até muitas vezes as pessoas imaginam que ele é apenas um excelente apresentador de televisão, um grande comunicador. Não é só isso. Ele é profissionalmente muito bem-sucedido, mas ele tem uma boa visão de mundo.
O que o país ganharia com Huck na política?
Não será Luciano Huck, mas é a nova geração que ele representa que está chegando à política, e esse processo de renovação é da vida e é bom quando acontece na política. Não é ruim, não. Já fiz parte de uma juventude que renovou lá atrás no século passado. Sei como isso é importante.
Então ele representa isso: novos quadros, nova geração na política brasileira, que tem esse compromisso com o futuro mais até fácil do que nós. Já não temos até expectativa de vida.
Falou-se muito em nova política na eleição do ano passado e no começo deste ano.
Não gosto muito desse negócio da nova e da velha política, não. Sou muito mais afeto à boa política, à política com "p" maiúsculo. Não é um problema de novos e velhos até porque tem alguns novos aí que são muito velhos até.
É a renovação da vida, é nova geração que está chegando. Não precisa forçar nada, não. Isso acontece naturalmente. E mais: está acontecendo porque também as pessoas que são jovens estão muito mais antenadas com esse mundo disruptivo, de mudança.
A própria vida provoca essa mudança, essa renovação. Essa nova geração tem que assumir a sua responsabilidade. O que nós mais experientes, mais idosos, mais antigos da política, temos que fazer é abrir as portas para isso e contribuir, se for necessário, com a nossa experiência porque a experiência ajuda que as pessoas entendam e não cometam erros que lá atrás cometemos ou vimos cometer.
Quando o senhor conheceu Huck e desde quando conversam?
Eu conhecia Huck muito pouco. Conheci ele ano passado quando começamos a discutir sobre movimentos sociais que estavam procurando participar da política entrando em partidos, alguns para disputar a eleição e tudo mais. Foi quando o conheci. Através do movimento Agora!, que era muito ligado a ele, [e de] alguns que participavam do Renova [movimento RenovaBR], que é de formação de quadros, e que entraram no partido. Então, passamos a conversar. Porque o Huck era ativo participante desses movimentos. Tiveram os primeiros encontros, e hoje tenho permanentemente contato, converso [com ele].
Se ele se decidir por uma filiação, o senhor acredita que ele optará pelo Cidadania ou poderá se filiar a outro partido?
Tem que perguntar a ele.
O que posso dizer é que nós, do Cidadania, estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila
E se ele quiser ser candidato a presidente? O Cidadania também está de portas abertas para isso?
Também. Pode ser uma boa alternativa.
Desta vez ele está mais inclinado a isso?
Difícil dizer, mas desta vez ele está muito mais enfronhado na política. Naquela vez [em 2018], ele estava começando ali, era o primeiro momento. Ele era total um outsider. Hoje já é menos [outsider]. Porque a sua participação já vem de algum tempo. Ele não pode dizer que é um noviço
O que é o Cidadania hoje? É um partido de centro?
Hoje é um partido em que convivem liberais e sociais-democratas. São as duas vertentes de pensamento político contemporâneas que você está vendo como forças vitoriosas no mundo mais desenvolvido. Na Europa foi essa aliança a fundamental para dar a vitória às forças que sustentam a União Europeia. Acrescente aí algo que tem também a ver com a origem do Cidadania no PPS: a questão da sustentabilidade.
São essas as forças políticas que estão, eu diria, na vanguarda do processo desse novo mundo que aí está: as grandes transformações da inteligência artificial, o mundo da rede, da internet, da robotização da economia. O Cidadania é uma etapa desse mundo moderno, etapa superior aos partidos que estão muito prisioneiros do que significava a sociedade industrial, que está sendo superada.
Não dá para imaginar hoje um partido como um partido de uma esquerda da sociedade industrial, até porque o mundo do futuro está caminhando para que você não tenha mais, por exemplo, classe operária. O chão de fábrica hoje é de robô, não é mais de classe operária. Se quiser usar a terminologia, você pode botar centro-esquerda. O Cidadania é um partido de centro-esquerda
Para a eleição presidencial de 2022, é possível o Cidadania fazer aliança com PSDB e o DEM?
Você pode dizer: por que não uma candidatura de centro-esquerda? Estamos abertos a isso, claro. De centro, centro-esquerda e até de centro-direita. Não apoiarei, provavelmente, um candidato de centro-direita, mas se fizer parte desse grande polo democrático... Porque a gente precisa evitar que se tenha novamente uma disjuntiva entre lulopetismo e bolsonarismo. Isso é um desastre para o país, na minha avaliação.
Como romper essa polarização?
Não tínhamos essa polarização em 2018. Ela se cristalizou por uma série de circunstâncias. Não acredito que ela vá ser a polarização em 2022. De qualquer forma, temos que nos preparar para construir uma alternativa que seja um dos polos e seja um polo democrático.
No fim do ano passado, comentou-se que o Cidadania poderia fazer uma fusão com a Rede, partido de Marina Silva. Por que essas conversas não foram à frente?
Foram [conversas] até muito intensas. Teve um determinado momento que eu imaginei que iria ser possível essa integração entre Rede e PPS formando o Cidadania. Conversamos bastante, tenho muito bom diálogo com Marina. Há uma relação muito respeitosa entre nós. Apoiamos ela em 2014.
Mas não deu. Havia um certo casuísmo na legislação e só pode fazer fusão o partido que tiver cinco anos de registro. E na oportunidade, a Rede ainda não tinha cinco anos de registro. Então não podia fazer fusão.
Houve internamente uma discussão de que o partido [a Rede] deveria continuar para tentar ver se se consegue superar a cláusula de barreira [em 2022]. E nessa oportunidade discutir a possibilidade de fusão porque já terá cinco anos de registro. O diálogo continua e se isso voltar a surgir, o partido [Cidadania] evidentemente não tem nenhum obstáculo. Da mesma forma que o PV. Somos todos adeptos desse mundo moderno. O importante é construir a alternativa democrática, humanista. Nesse sentido, [há] essa possibilidade de junção com Rede, com PV. Podemos ter nossas divergências, mas no sentido mais profundo da luta política, temos muitas semelhanças.
Que avaliação o senhor faz do governo Jair Bolsonaro (PSL)?
É um governo que muito rapidamente perdeu, em termos de opinião pública, sua base de apoio. Reduziu-se muito. Talvez tenha sido o presidente que, com menos de um ano, teve uma maior redução na sua base de sustentação em termos de opinião pública.
É um governo que teve até uns ganhos apesar do presidente. Muito provavelmente, até o fim do mês, você terá aprovada a reforma da Previdência. Todos os governos lutaram por ela e com tremendas dificuldades aprovaram algo mais ou menos assemelhado a uma reforma. E essa é uma reforma mais completa do que a da Dilma [Rousseff, PT], do que foi a do Lula [PT] e do que foi a apresentada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Ou seja, esse governo foi beneficiado por isso, mas o presidente é tão inepto que consegue não transformar isso numa grande vitória do próprio governo. E atrapalha. Comete tantas bobagens e equívocos que até faz oposição ao seu próprio governo. Cria adversários, inimigos. Todo dia tem uma polêmica, todo dia cria problema ao governo e para o país em alguns momentos, como por exemplo, na questão da Amazônia, na questão das suas relações internacionais com alguns países. Nesse sentido, é um governo que considero inepto.
O governo é completamente desastrado na questão da reforma tributária. Ele não tem um projeto de reforma tributária. Ele tinha um projeto de aumentar a arrecadação dos impostos, aumentar a carga tributária do país com a criação da CPMF.
No caso do Ministério da Justiça, são dois pontos que mais se sobressaíram. Ele deu continuidade a algumas políticas positivas, corretas no campo da segurança pública, sistema penitenciário e combate ao crime organizado, que começaram a dar frutos no governo Michel Temer (MDB) e na administração do ministério, com Raul Jungmann. Por outro lado continua, de forma muito equivocada, admitindo propostas no combate ao crime e na questão da segurança pública, como esse absurdo que é o excludente de ilicitude. É um absurdo, é uma licença para matar.
[O governo é] desastroso na educação, [com] um ministro [Abraham Weintraub] que mais parece um animador de vídeo. Não é um ministro que se dê ao respeito. Não tem a compostura devida para o cargo. Ali é um setor muito negativo do governo, mas eu prefiro analisar no geral. O governo deixa muito a desejar. Eu também não tinha uma expectativa, não, viu? Convivi com ele [Jair Bolsonaro] como parlamentar e sabia da sua incapacidade de ser um gestor.
A oposição tem cumprido seu papel?
Eu diria a você que a oposição não tem cumprido necessariamente seu papel porque, como eu disse, o governo faz oposição a sim mesmo. E na oposição você tem, por exemplo, uma oposição que parece que continua prisioneira de Curitiba, especialmente hegemonizada pelo PT, e um pouco alheia aos reais problemas brasileiros, que evidentemente não é Lula na cadeia ou solto. Isso é algo irrelevante, mas eles continuam muito prisioneiros disso.
Então, essa oposição deixa muito a desejar também. Mas também existe uma outra oposição, que não é ao país, apoia a reforma, mas ao mesmo tempo [está] atenta a todos esses desmantelos praticados pelo governo. Taí atuando inclusive com muita eficiência nas tentativas do governo das censuras, de tentar governar por decreto, certos autoritarismos, submissão a fundamentalismos religiosos. Toda essa pauta de costumes e culturais [está sendo bem enfrentada pela oposição brasileira. Está tendo um papel positivo a oposição. Está conseguindo deter esses arroubos antidemocráticos e de retrocesso e obscurantistas.
O senhor é um crítico dos governos do Partido dos Trabalhadores. Para o sr., é impossível dialogar com o PT?
Consigo [dialogar]. Temos inclusive um bom dia diálogo com o governador do Ceará [Camilo Santana]. O governador da Bahia [Rui Costa] tem tido algumas posições interessantes em análises sobre o que deve presidir a ação política da esquerda, falando inclusive do PT.
São setores do PT que facilitam o diálogo sem nenhuma dúvida e podem ajudar muito no combate a essas posturas antidemocráticas da parte do próprio governo. Esses setores do PT estão começando a entender que este é um problema brasileiro e que tem que ser enfrentado.
Ouça o podcast Baixo Clero (https://noticias.uol.com.br/podcast/baixo-clero/), com análises políticas de blogueiros do UOL. Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.
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