Topo

Moro: é normal juiz falar com partes, e não houve abuso na Lava Jato

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, participa do evento realizado pela revista The Economist, no Rooftop 033, no bairro no Itaim, em São Paulo, na manhã desta quinta- feira (24) - Leco Viana/Estadão Conteúdo
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, participa do evento realizado pela revista The Economist, no Rooftop 033, no bairro no Itaim, em São Paulo, na manhã desta quinta- feira (24) Imagem: Leco Viana/Estadão Conteúdo

Ana Carla Bermúdez e Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

24/10/2019 17h06Atualizada em 24/10/2019 20h56

Em evento organizado pela revista inglesa The Economist em São Paulo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse hoje que é "normal" no Brasil que o juiz converse com as partes de um processo no decorrer de uma ação, negou que tenha havido abusos por parte da Lava Jato e voltou a rechaçar planos de disputar a presidência.

"Vou colocar no meu túmulo, na lápide: não fui candidato"
Sergio Moro, ministro da Justiça

Ao defender diálogos como os revelados pelo site the Intercept, Moro usou como exemplo um caso hipotético em que um advogado pede a um juiz para que a prisão de seu cliente seja revogada e diz que não há problemas nesse diálogo.

"O que existe em relação a essa situação é uma falta de compreensão no sentido de que as partes conversam [com o juiz] na tradição jurídica brasileira. O juízo conversa com o procurador, o procurador conversa com o juízo, o juízo conversa com o advogado, o advogado conversa com o juízo", afirmou.

Segundo o ministro, o fato de o juiz orientar um advogado, por exemplo, sobre como apresentar um pedido à Justiça não é a mesma coisa que aconselhar a parte —o que o Código de Processo Penal proíbe.

"Advogados chegarem para mim, isso acontece em qualquer corte de Justiça, 'ah, doutor quero que revogue a prisão preventiva do meu cliente', argumentando isso isso e isso. Às vezes o juiz fala 'olha, pra você revogar tem que apresentar isso, isso e isso.' Isso não é aconselhar, não é sugerir nada, não tem nada de inapropriado", afirmou.

Mensagens vazadas sugerem que Moro extrapolou sua função

No entanto, o exemplo dado por Moro — de uma conversa entre juiz e advogado — é diferente da situação que aparece nas conversas reveladas pelo Intercept.

Os diálogos mostram discussões internas entre os procuradores da força-tarefa da Lava Jato sobre medidas e andamentos dos processos e colocam Moro como uma espécie de orientador da investigação. A divulgação das conversas suscitou debates sobre a imparcialidade de Moro quando era juiz.

O ministro afirmou que apenas "radicais partidários" colocam em dúvida uma prisão efetuada no âmbito da Lava Jato. "Eu não vejo ninguém que tenha sido preso indevidamente", declarou.

Segundo Moro, os vazamentos são fruto de "ação criminosa" e servem apenas com o propósito de alimentar uma "missão salva corrupto".

"Mas agora excesso, abuso, qual foi exatamente? Eu, a meu ver, não vejo nenhum. Ao contrário. O que tem são casos de corrupção sistemática, altas autoridades políticas envolvidas em corrupção", disse.

Pouco depois, ao declarar que, "pelo tamanho do escândalo, mais gente deveria ter sido presa e condenada durante as investigações", o ministro foi efusivamente aplaudido pela plateia —formada, em sua maioria, por empresários.

"Para que a gente avance como democracia temos que ter menos impunidade, as pessoas querem justiça na forma da lei e acho que a Lava Jato foi um grande avanço nesse sentido. É o que estou tentando fazer também no Ministério da Justiça", declarou.

Lei proíbe que juiz aconselhe partes

É normal que juízes recebam representantes das partes ao longo de um processo, principalmente quando se trata de pedidos que exigem decisão urgente do magistrado.

No entanto, estes contatos não devem servir para que um juiz aconselhe as partes, o que é expressamente proibido pelo Código de Processo Penal. O artigo 254 desta lei diz inclusive que um magistrado que tiver feito isso deve se declarar suspeito para julgar o caso.

Já a Lei Orgânica da Magistratura, por exemplo, diz que é dever do juiz "tratar com urbanidade [civilidade] as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência".

Ainda há o Código de Ética da Magistratura, aprovado em 2008 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão do Poder Judiciário que tem a função de zelar pelos deveres do juízes e avalia reclamações contra a atuação dos magistrados.

Segundo o código, o juiz deve "dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação."

O mesmo conjunto de regras também diz que não há "tratamento discriminatório injustificado" quando o juiz recebe "apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado".

"Peixe fora d'água" na política

Perguntado se pretende se lançar candidato à Presidência em 2022, Moro falou que é "peixe fora d'água na política".

Ele disse que apenas aceitou o cargo de ministro para continuar de maneira "técnica" e de forma mais ampla o trabalho da luta contra a corrupção. À época em que era juiz, Moro negava ter intenções de que entraria para qualquer governo.

O ministro também afirmou que pelo STF (Supremo Tribunal Federal) com relação à constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância deve ser respeitada.

Ele deixou o evento sem falar com a imprensa.