Direito de defesa e Constituição: os argumentos do STF contra 2ª instância
Resumo da notícia
- STF voltou a determinar que execução da pena de prisão só pode ocorrer após o fim dos recursos
- Clareza da Constituição sobre o tema e respeito ao direito de defesa foram argumentos em defesa da prisão somente ao final do processo
- Votos que defenderam a prisão após condenação em segunda instância pregaram que a culpa é formada gradualmente e que STJ e STF não discutem provas
- Essa é a terceira reversão de posicionamento do STF sobre o tema desde 2009
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram hoje (7) alterar o entendimento do tribunal e não mais permitir a execução da pena de prisão após a condenação dos réus em segunda instância. A partir de agora será preciso aguardar o trânsito em julgado do processo, quando não é mais possível recorrer, para determinar o início do cumprimento da pena de prisão.
A decisão deverá beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado, e outros 4.894 presos em todo o país, segundo números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O julgamento foi concluído com um placar apertado de 6 votos a 5 contra a prisão em segunda instância.
Votaram contra a prisão após condenação em segundo grau os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Dias Toffoli. A favor do início do cumprimento da pena logo após sentença de segunda instância votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Veja como votou cada ministro.
Em seus votos, os ministros ecoaram argumentos do debate que se alonga desde que o STF passou a autorizar, em 2016, a prisão em segunda instância.
Argumentos vencedores
Os críticos da prisão na segunda instância, posição vencedora no julgamento, defenderam que:
- O texto da Constituição Federal é claro ao dizer que ninguém será considerado culpado antes do "trânsito em julgado de sentença penal condenatória", ou seja, até que todos os recursos sejam analisados;
- Os réus teriam seu direito à defesa prejudicado pela prisão antecipada;
- Se há a chance de recursos às últimas instâncias alterarem a condenação, é justo aguardar o julgamento final, pois não é possível restituir a liberdade perdida do preso.
Argumentos dos vencidos
No campo oposto, os ministros que defendiam a prisão em segunda instância argumentaram que:
- A Constituição não proíbe expressamente a prisão antes do trânsito em julgado;
- O reconhecimento da culpa do réu é progressivamente fixado durante o processo, o que permitiria a prisão antes do fim de todos os recursos;
- No processo penal, as provas sobre a culpa do crime só são avaliadas até o julgamento na segunda instância. Os recursos ao STJ e ao STF discutem apenas questões jurídicas sobre se o processo seguiu o que diz a legislação e a Constituição;
- A legislação penal não prevê que os recursos às últimas instâncias paralisem o processo, o que seria uma prova de que a lei permite a prisão após a sentença de segundo grau.
Decisão baseada em casos concretos
Desde 2016 o STF permitia a prisão após condenação em segunda instância, com base em decisões tomadas a partir do julgamento de casos concretos de presos e de um pedido de liminar (decisão provisória).
Agora, o STF julgou o mérito (ou seja, a conclusão final) de três ações declaratórias de constitucionalidade e o resultado do julgamento vai orientar a posição do Judiciário em todo o país.
O que foi analisado
As ações pediam que o Supremo reafirmasse a validade do que diz o artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prisão só deve acontecer após não ser mais possível recorrer da condenação, ou seja, quando ocorre o chamado trânsito em julgado da sentença.
Diz esse artigo: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva".
O argumento foi o de que a exigência do trânsito em julgado também estava previsto na Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", diz o inciso 57, do artigo 5º do texto constitucional.
Os ministros que votaram pelo início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância defenderam que os dispositivos do Código de Processo Penal e da Constituição que falam do trânsito em julgado não impedem que o condenado comece a cumprir pena. Isso porque nessa etapa do processo já há certeza razoável sobre a veracidade das acusações e das provas contra o condenado.
O julgamento no STF não alterou os critérios para as prisões cautelares, como a prisão preventiva, que não têm relação com a condenação do investigado e podem ser decretadas em qualquer etapa do processo, com base no risco de manter o suspeito em liberdade.
Histórico do STF
Esta é a segunda vez em que o STF passa a exigir o trânsito em julgado para o início da pena de prisão.
A primeira foi em 2009, quando os ministros decidiram que era preciso julgar todos os recursos antes de mandar o réu para a cadeia.
Esse entendimento vigorou até 2016, quando foi alterado e voltou a ser permitida a prisão em segunda instância. Agora, o tribunal voltou à posição adotada em 2009 de exigir o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena.
Não é esperado que o Supremo volte a analisar o caso em breve. Isso porque esta foi a primeira vez que uma decisão sobre o tema foi tomada ao se julgar o mérito de uma ação constitucional e há entre os ministros a percepção de que é importante não alterar o entendimento do tribunal num curto espaço de tempo.
* Colaborou Marcelo Oliveira, do UOL em São Paulo
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