Familiares do dono do 'posto da Lava Jato' são acusados de lavar R$ 8,9 mi
Resumo da notícia
- Irmãos Tony e Cláudia Chater, primos de doleiro alvo da Lava Jato, foram denunciados
- Ambos são acusados, entre outros crimes, de formação de quadrilha
- Denúncia menciona laranjas, caixa de sapatos e empresa nos EUA
- Procuradoria quer indenização no mesmo valor do montante supostamente lavado
Familiares do dono do Posto da Torre — um dos pivôs da Operação Lava Jato — se tornaram réus duas vezes, com acusações como formação de quadrilha e lavagem de R$ 8,9 milhões no exterior por meio de operações de dólar-cabo, usadas para despistar as autoridades financeiras do país.
Na primeira denúncia, o Ministério Público acusou Tony e Cláudia Chater —dois irmãos que são primos do doleiro Carlos Habib Chater, um dos alvos da primeira fase da Lava Jato, em março de 2014 —, e mais dez pessoas envolvidas numa "engenharia financeira". Eles teriam praticado formação de quadrilha, lavagem, operação ilegal de instituição financeira e operação ilegal de câmbio para evadir divisas.
A Procuradoria da República no Distrito Federal pediu que os R$ 8,9 milhões supostamente lavados fora do Brasil fossem pagos como indenização.
Na segunda denúncia, os irmãos Tony e Cláudia foram denunciados por formação de quadrilha com mais três pessoas. Uma mulher que trabalha num cartório ainda foi acusada de falsificar documentos em seis ocasiões.
As denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público em 2 de setembro. O juiz substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, Ricardo Soares Leite, tornou os acusados em réus quatro dias depois. Apesar do parentesco, o Ministério Público não encontrou ligação dos irmãos Tony e Cláudia com o primo Carlos Habib Chater.
Advogada foi condenada por falsificação de documentos
Preso no aeroporto de Brasília em agosto de 2016, o estrangeiro Ismail Suleiman Hamdan Al Helalat estava com passaporte e identidade brasileiros falsos. Ele disse à polícia que os conseguiu com a advogada Cláudia Chater, ao preço de US$ 20 mil.
Meses antes, em fevereiro de 2016, Tony enviara ao celular da irmã uma foto de Helalat e mais dois estrangeiros num restaurante Doca do Lago Norte. A partir daí, a Polícia Federal fez buscas e apreensões em duas fases da Operação Perfídia.
Por conta desses fatos, em julho de 2018, Cláudia foi condenada pelo juiz Ricardo Leite por falsificação de documentos. Ela recorre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Agora, em uma outra ação sobre documentação falsificada, a advogada enfrenta uma acusação por formação de quadrilha junto com o irmão.
Tony comandava esquema com dólar-cabo, diz MPF
Na outra denúncia, o tema é lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, entre 2013 a 2017, os irmãos Tony e Cláudia Chater e mais dez pessoas se associaram para "cometer os crimes" de branqueamento de capitais com uma espécie de instituição financeira ilegal, inclusive com operações de câmbio.
Tony é dono de duas empresas, a Marina Tour Hospedagem e Turismo, no Brasil, e a Marina International Corporation, nos EUA, que teriam sido usadas no esquema.
O procurador Pablo Barreto afirma que "Tony Chater figura como o principal integrante da associação criminosa, responsável por diversas movimentações financeiras à margem do sistema". O Ministério Público também denunciou Sandro Dias Couto, "doleiro ao lado de Tony".
"A engenharia financeira de lavagem operada pelo grupo se deu de forma complexa, envolvendo grandes somas de valores"
Pablo Barreto, procurador da República
Segundo Barreto, foram empregadas diversas técnicas de escamoteamento dos bens. "Tais como transações financeiras fracionadas, utilização de contas bancárias de empresas fantasmas e de fachada, utilização de contas bancárias de interpostas pessoas, colocação de empresas em nome de terceiras pessoas (laranjas), utilização de dólar-cabo, mescla entre bens lícitos e ilícitos."
Denúncia menciona laranjas, caixa de sapatos e empresa nos EUA
Os clientes do grupo incluíam pessoas condenadas por contrabando que compravam mercadorias na China e outra que fazia compra milionária de fazenda na Bahia. Havia atuação de laranjas, inclusive cozinheiras, empresas fantasmas, dólar-cabo, firmas de 'factoring' e transporte de dinheiro vivo em sacolas e envelopes, de acordo com a denúncia.
A Polícia Federal ainda registrou que o esposo de uma funcionária de banco mencionou o pagamento de vários boletos de R$ 200 mil e R$ 300 mil numa agência de Brasília com dinheiro trazido em caixa de sapatos e sacolas de supermercado.
Os depositantes eram um senhor idoso e uma mulher que, segundo a investigação, faziam questão de não preencher documentos para se identificar como autores dos pagamentos. "Tais pagamentos referiam-se a movimentações financeiras do Posto da Torre, empresa reconhecidamente envolvida em investigações da Operação Lava Jato", afirmou o homem à PF em 28 de abril de 2017, de acordo com a denúncia do Ministério Público.
"Tanto o senhor de idade quanto a mulher de meia-idade são funcionários ou proprietários do referido posto de combustíveis", continuou o informante.
O UOL localizou o informante da Polícia Federal, que confirmou o que disse aos agentes. Ele disse que os pagamentos aconteceram em 2016. Afirmou que o senhor idoso era "queimado de sol" e que chegou a mostrar uma fotografia dele para um agente da polícia, antes de ter uma reunião com a delegada do caso.
Segundo ele, os boletos só foram recebidos sem identificação depois da interferência do gerente da agência bancária, no Setor Comercial Sul, em Brasília, que fica próximo ao posto de gasolina. O homem, que reside na periferia de Brasília, pediu para não ter seu nome revelado.
Na denúncia contra Tony e Cláudia, a Procuradoria solicitou o depoimento do homem que prestou as informações à polícia. O UOL perguntou ao Ministério Público Federal se Carlos Habib Chater é investigado ou será alvo de outra denúncia, mas o procurador Pablo Barreto não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Réu fez 112 operações para o exterior
Entre 2013 e 2017, Tony fez, com auxílio dos acusados, 112 remessas para o exterior, que somaram R$ 8,95 milhões, de acordo com o Ministério Público. As informações estavam em planilhas extraídas a partir dos contatos do telefone celular do réu.
As operações de dólar-cabo eram pagamentos feitos no Brasil que eram compensados no exterior. Por exemplo. Em 14 de março de 2016, um iraquiano chamado Seleem Mohammed depositou R$ 69 mil na conta da empresa brasileira de Tony, a Marina Tour.
No dia seguinte, houve uma operação no exterior semelhante a uma compensação: a empresa Marina International, do EUA, transferiu US$ 18 mil (R$ 68 mil, de acordo com a cotação daquele dia) para uma conta de uma empresa chamada Promise Line Inc. As informações da transação estavam no telefone celular de Tony, numa conversa com Sandro Couto, chamado de "Amigão".
Doleiro afirma que indicou clientes para Tony
Apontado como doleiro, Sandro Dias Couto afirmou ao UOL que conhece Tony, pegou dinheiro emprestado com ele uma vez, mas que apenas indicava clientes para o amigo. A função de Tony era fazer "operações", mas ele não esclareceu se falava sobre envio de dinheiro ao exterior ou conversão de câmbio.
"O que eu fiz foi indicar os clientes que ele me pediu", explicou o empresário à reportagem na terça-feira (26) à tarde. "Eu indiquei as pessoas porque realmente eu trabalhei com isso muito tempo atrás. Os clientes me procuravam e eu mandava procurar ele. A defesa foi em cima disso aí. Para ele fazer a operação lá. Ele é que fazia a operação. O que eu fiz na época"
Couto afirmou que conhece poucas pessoas dos 12 denunciados e por isso estranhou a acusação de formação de quadrilha. "Não conheço esses caras, não conheço ninguém. Os caras colocaram aí como se fosse todo mundo num bolo. Não tem nem lógica um negócio desses."
A reportagem questionou-o se ele era doleiro, como apontou o Ministério Público. Couto afirmou que acionaria seu advogado para prestar mais esclarecimentos ao UOL, que não foram recebidos até sexta-feira.
Tony Chater disse à reportagem que não poderia conversar e pediu que retornasse a ligação em dez minutos. Depois disso, não atendeu telefonemas. Também não respondeu às mensagens enviadas.
A advogada Cláudia Chater afirmou que não gostaria de comentar as denúncias. "Não tenho interesse nisso, não", disse ela ao telefone. Os demais réus não foram localizados pela reportagem.
A reportagem telefonou e enviou correio eletrônico para o Posto da Torre, de Carlos Habib Chater, mas não houve resposta aos pedidos de contato com ele. Em 2014, ele foi considerado um dos quatro doleiros que movimentavam dinheiro ilegal na Operação Lava Jato, ao lado de Alberto Youssef, Nelma Kodama e Raul Srour.
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