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A disputa entre Rio e SP para reerguer o Prona, criado por Enéas Carneiro

Herança da legenda fundada pelo ex-deputado federal é motivo de divergência - Jorge Araújo/Folhapress
Herança da legenda fundada pelo ex-deputado federal é motivo de divergência
Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

15/01/2020 04h05

Resumo da notícia

  • Grupos divergem sobre o governo Bolsonaro e a fabricação da bomba atômica
  • Um deles é liderado por ex-deputada eleita pelo antigo Prona
  • O outro é comandado por taxista com cargo na Prefeitura de Campos (RJ)
  • Cabo Daciolo se aproximou de um dos grupos e apóia retomada

"Meu nome é Enéas" é, desde 1989, um dos bordões que fazem parte do folclore eleitoral brasileiro. Agora, 30 anos depois da popularização do político, que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial de 1994, uma briga pelo domínio do Prona, partido criado por ele, ocorre no eixo Rio-São Paulo.

A advogada Patrícia Lima, ex-deputada estadual de São Paulo que se apresenta como filha adotiva e herdeira política de Enéas disputa o espólio com o taxista Marcelo Vivório, atual coordenador especial da secretaria de governo da Prefeitura de Campos de Goytacazes (RJ).

A briga revela divergências em relação ao governo Jair Bolsonaro e envolve o futuro político do ex-deputado federal Cabo Daciolo, candidato a presidente em 2018.

Queda de braço vem de 2006

As divergências surgiram quando Vivório procurou Patrícia, eleita pelo Prona em 2006. Ela e seu marido, o empresário João Vitor Sparano, ambos filiados ao PMN atualmente, discordaram do ideário do taxista e decidiram abrir a própria frente de recriação do partido.

O Prona havia desaparecido do cenário político no fim de 2006 quando se fundiu ao PL para dar origem ao PR, hoje rebatizado como PL (Partido Liberal). Era um partido atrelado à imagem de seu fundador, o médico cardiologista Enéas Carneiro.

Ele fundou a legenda em 1989 e ganhou fama na eleição presidencial do mesmo ano usando o pouco tempo de propaganda no rádio e na TV para disseminar, com ênfase, o bordão "Meu nome é Enéas" ao som da Quinta Sinfonia de Beethoven.

Nacionalista e conservador, Enéas recebeu, no auge de sua trajetória política, 4,7 milhões de votos na eleição presidencial de 1994. Quatro anos depois, com uma votação bem mais baixa, terminou em quarto lugar. Em 2002, decidiu se candidatar a deputado federal por São Paulo e se elegeu com 1,5 milhão de votos, um recorde que durou até 2018. Reeleito em 2006, morreu em maio de 2007, depois de aceitar a fusão — e extinção — do Prona.

Corrida por assinaturas

Quase uma década depois, Vivório e simpatizantes resolveram criar um partido de direita e optaram por batizá-lo como Prona. Deram entrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para tentar obter o registro oficial, mas ainda não conseguiram obter as assinaturas necessárias.

Vivório diz ter metade das quase 500 mil assinaturas exigidas pela Justiça. Como seu pedido de registro foi feito antes da última reforma eleitoral, ele afirma que o grupo não tem limite de tempo para apresentar todas as assinaturas. O objetivo, porém, é conseguir o registro a tempo de disputar as eleições de 2022.

O grupo de Patrícia Lima também recolheu assinaturas, mas enfrentou o problema do prazo de dois anos estabelecido na reforma eleitoral. Em 2018, o TSE rejeitou a maioria das rubricas apresentadas. A derrota na Justiça havia praticamente desmobilizado o grupo. Com a aproximação de Daciolo, oeles prometem entrar de novo na corrida e coletar as assinaturas necessárias até o começo de 2021 para concorrer em 2022.

Cabo Daciolo e Patricia Lima - Daniel Texieira/Estadão Conteúdo - Daniel Texieira/Estadão Conteúdo
Cabo Daciolo e a ex-deputada Patrícia Lima em encontro de grupo que tenta resgatar o Prona
Imagem: Daniel Texieira/Estadão Conteúdo

Casamento gay, aborto e drogas

As divergências iniciais entre os grupos teriam surgido em torno de questões como aborto, casamento gay e liberação das drogas. João Vitor Sparano e Patrícia Lima alegaram que Vivório defendia estas pautas. O taxista rebate dizendo que a união de pessoas do mesmo sexo não está na pauta de seu grupo e que é contra o aborto e a liberação das drogas.

Apesar de não ter conhecido Enéas Carneiro, Vivório, 38, argumenta que a ex-deputada não possui as características necessárias para pertencer ao Prona. "Ela não tem o perfil do nosso partido. Ela não é filha adotiva do dr. Enéas, ela mente sobre isso."

Patrícia e o marido dizem que ela trabalhou com Enéas e era tratada como filha pelo fundador da legenda. "O dr. Enéas deixou para a Patrícia o estatuto e o manifesto do Prona para que um dia viesse a registrar", afirma Sparano.

"Fomos refundar o partido para que a memória do dr. Enéas não fosse à lama. O outro grupo quer construir um Prona totalmente divergente dos ideais do Enéas Carneiro. São pessoas que nunca fizeram parte da vida dele", argumenta o marido da ex-deputada.

"Esse papo de deixar o partido para a herdeira do dr. Enéas e que não aceita o que a nossa organização pode fazer com o partido é conversa para boi dormir. Isso é história de quem quer o poder a qualquer custo e usando a imagem de um homem sério que foi o dr. Enéas", contrapõe Vivório.

"Se o dr. Enéas quisesse transformar o Prona numa empresa privada privada, para seguir para seus herdeiros, ele teria feito isso lá atrás enquanto estava vivo. Ele não teria feito a fusão com o PL e teria deixado o partido para a sua família."

Jair Bolsonaro - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Daciolo e grupo de ex-deputada criticam o plano de privatizações do governo Bolsonaro
Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Discórdia sobre as privatizações de Bolsonaro

As diferenças ganham força diante do governo Bolsonaro. "Estamos alinhados com a direita e acreditamos no sucesso que a direita vai ter de agora para frente. Já teve com a eleição do Bolsonaro, que mostrou que o país deu uma mudada. Esperamos que ele faça uma boa gestão. Acreditamos que a direita tem condições de resgatar o nosso país", afirma Vivório.

"Estamos observando o governo Bolsonaro nas medidas econômicas, que são importantes para resgatar o nosso país. Torcemos pelo sucesso", prossegue o taxista, que se diz favorável à privatização de estatais "desde que seja para o bem do país".

Afinado com Cabo Daciolo, Sparano afirma que seu grupo não é de direita nem de esquerda, defende a auditoria da dívida pública e faz críticas às privatizações do governo Bolsonaro. "Eu não enxergo Jair Bolsonaro como um patriota. A direita Bolsonaro não é uma direita nacionalista", comenta.

"Hoje a direita está vendendo tudo. Nossas empresas estão sendo vendidas a preço de banana. Primeiro eles vão sucatear para depois vender. Criticaram o [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso [PSDB] por isso lá atrás e hoje eles fazem o mesmo trabalho. Os ideais do Prona não são esses, continuam os mesmos do doutor Enéas Carneiro. Somos nacionalistas."

Bomba atômica também é ponto crítico

A fabricação da bomba atômica brasileira defendida no passado por Enéas Carneiro é outro ponto de discordância entre os grupos. "[O tema da bomba] Tem que ser muito bem estudado. Mas o Brasil é um país muito pacífico, eu acho que a gente deve prezar por isso: tentar um bom diálogo. Acho que é o caminho para todos", diz Vivório.

"Somos favoráveis à soberania nacional. A bomba atômica não é para criar guerra. Você não compra um revólver para sair atirando em todo mundo. A bomba atômica é para a soberania nacional", declara Sparano.

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Daciolo nas urnas e o legado de Enéas

O grupo de Patrícia Lima chegou a anunciar Daciolo como presidente do partido. Em reunião do grupo realizada em São Paulo em 7 de dezembro, ele fez elogios a Enéas Carneiro, manifestou apoio ao resgate do Prona, mas abriu do comando da legenda.

Segundo Sparano, Daciolo passou a ser o presidente de honra do partido e será o candidato a presidente do grupo em 2022. Antes disso, ele deve disputar a Prefeitura do Rio por outra sigla neste ano.

"O Cabo Daciolo leva os ideais do dr. Enéas. Ele é nacionalista, conservador e luta por um estado forte, o que hoje não existe na direita Bolsonaro. Ninguém vai substituir o Enéas Carneiro. Isso a gente tem que deixar muito claro. Só que os ideais dele não morrem. É como você ter uma doutrina. Você tem um seguidor, mas você nunca vai ser ele [o líder]. Queremos continuar o legado do Enéas Carneiro", afirma Sparano.

"Acredito que o Brasil ganha com a legenda original, o estatuto original, o manifesto original. Quem segue Enéas Carneiro quer isso. Ele não quer falar 'estou no Prona'. Ele quer estar no Prona que o dr. Enéas criou", argumenta.

Vivório critica a aproximação do grupo paulista com o ex-deputado e defende para o Prona uma postura menos colada na figura de Enéas. "Daciolo era do PSOL. Ele é fã dr. Enéas. Bacana, mas não é o alinhamento político do partido. Então é outro caroneiro o Cabo Daciolo", diz o taxista.

"A gente não está querendo usar a imagem do dr. Enéas. Nós respeitamos o legado dele. É um eterno líder, é um homem que enxergou além do seu tempo, mas agora estamos com uma nova administração e a gente vai construir grandes líderes, grandes representantes. Nosso partido tem a nossa própria identidade."