Witzel expande programa de policiamento em ano eleitoral
Um programa de policiamento de ruas tem se mostrado a principal aposta do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), na área de segurança em ano eleitoral. Criado em 2014, o Segurança Presente, reforço de patrulhamento com PMs de folga remunerados a partir do pagamento de hora extra, triplicou sob Witzel, que levou a marca a municípios da região metropolitana e ampliou o alcance na capital.
Até 2018, o programa atendia sete regiões na gestão de Luiz Fernando Pezão (MDB). Witzel ampliou esse número para mais de 20 —11 bases foram inauguradas no ano passado e quatro, só neste mês (veja o mapa abaixo). O governador aumentou em 39%, para R$ 120 milhões, a previsão de gastos com o Segurança Presente neste ano. Especialistas ouvidos pelo UOL veem o programa como paliativo e a expansão acelerada, com cautela.
Deputados estaduais —a maioria da base de Witzel— tem tentado usar o programa de olho nas eleições. O UOL encontrou mais de 80 indicações legislativas —medida que, na prática, é apenas uma sugestão ao governo— para a implantação de bases do Segurança Presente em bairros do Rio e em cidades da região metropolitana e interior.
Entre os campeões de iniciativas desse tipo, estão Rodrigo Amorim (PSL-RJ) e Brazão (PL-RJ). Até mesmo nomes críticos ao governo Witzel, como a bolsonarista Alana Passos (PSL-RJ), fizeram proposições do tipo.
O Segurança Presente consiste em bases móveis, com equipes compostas por PMs de folga e da reserva, além de agentes civis egressos das Forças Armadas. Eles patrulham as ruas a pé, de bicicleta, moto ou viatura e podem dar voz de prisão e encaminhar suspeitos para delegacia. Apenas os policiais andam armados.
Atualmente, cerca de 1.500 profissionais integram o programa. Aqueles que trabalham durante suas folgas são remunerados por meio do pagamento de horas extras. Na maioria das bases, o reforço no patrulhamento ocorre entre 8h e 20h. Assistentes sociais também prestam atendimento a moradores.
A previsão para este ano é que o Segurança Presente consuma R$ 120 milhões —quase R$ 34 milhões a mais do que o valor gasto no ano passado, quando foram empregados R$ 86 milhões. O programa contou em 2019 com cerca de R$ 52 milhões em recursos do Tesouro, cerca de R$ 29 milhões do Fised (Fundo Estadual de Segurança Pública e Desenvolvimento Social), além de pouco mais de R$ 4 milhões da prefeitura.
Desde 2016, foram gastos cerca de R$ 210 milhões no Segurança Presente que, até 2018, contou com aportes da Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro) —a participação da entidade foi, contudo, considerada irregular pelo TCU (Tribunal de Contas da União (TCU), inviabilizando o "patrocínio" ao programa.
Em dezembro 2018, a Fecomércio informou que foi proibida pelo TCU de fazer aportes para a segurança. No entendimento do Tribunal, o investimento caracterizava desvio dos objetivos e das finalidades institucionais da entidade. Especialistas viam a injeção de recursos da entidade como uma "privatização indireta" da segurança a pública.
Atualmente, 22 regiões do Rio são contempladas pelo Segurança Presente. A maioria dos bairros que recebe o programa estão na zona sul da capital —são sete bases na zona sul; seis na zona norte; três na zona oeste; três na Baixada Fluminense e duas na região metropolitana. Até fevereiro, o Segurança Presente chegará aos bairros de Irajá, na zona norte, e Jacarepaguá, na zona oeste.
Análise: Burocracia absorve PMs e esvazia policiamento
Apesar do reforço no policiamento e de uma maior sensação de segurança —conforme moradores relataram à reportagem—, especialistas na área veem o programa com ressalvas.
A antropóloga e professora da graduação de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense), Jacqueline Muniz, questiona possíveis interesseis eleitorais por trás do projeto.
"O governante engana os policiais com penduricalhos provisórios no salário de olho nos milhares de votos da família policial, quando deveria reestruturar a PM para garantir capacidade de policiamento e cobertura ostensiva em todo o estado e retornar a política de valorização profissional com um plano de cargos e salários", defende.
A pesquisadora destaca problemas estruturais nas polícias do Rio que favorecem o Segurança Presente. Na avaliação dela, o programa não deve ser considerado como política de segurança pública.
"O Rio teve um crescimento na ordem de 30% no seu efetivo policial nos últimos anos. É a polícia que mais ampliou seus efetivos no Brasil. Porém, há um problema de planejamento e de gestão nisso. Gasta-se polícia demais com "tiro, porrada e bomba". É o dia inteiro operações policiais que não têm capacidade de cobertura ostensiva. Ações incapazes de produzir controle em territórios", critica ela.
A especialista aponta que um número grande de policiais são empregados em atividades burocráticas em batalhões e no Estado Maior, o que os tira do policiamento nas ruas. Jacqueline também pontua que há muitos agentes cedidos a secretarias, Ministério Público e Judiciário, o que implica desvio de função, gera gasto excessivo e, novamente, atrapalha o policiamento de rua.
"Essa tradição de comprar hora do policial em folga já vem de muito tempo. Poderíamos fazer uma reengenharia operacional. Mexer na jornada de trabalho a partir de um plano de cargos e salários e mexer nas escalas praticadas, pois são escalas inadequadas", sugere.
Para ela, o programa precariza a mão de obra policial.
É uma solução paliativa para o desperdício da mão de obra policial com políticas e missões equivocadas. O cidadão paga duas vezes pelo mesmo policial. E o policial perde sua hora de folga para se capacitar, ter lazer e descansar.
Jacqueline Muniz, antropóloga e professora da UFF
O coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da PM do Rio, vê a expansão do programa com cautela.
"Não deixa de ser um laboratório, mas é preciso calma, pois o programa envolve muitas questões técnicas que devem ser estudadas e respondidas antes da expansão. É claro que o efeito desse projeto impacta na percepção de segurança, mas isso não quer dizer que os registros [de crimes] têm reduzido", disse.
Rodrigues afirma que há casos em que a criminalidade se desloca para áreas adjacentes, que o programa não cobre.
"Antes de mais nada é necessário um estudo para que não se torne uma expansão perigosa como a que ocorreu com as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora]", alertou ele, que é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
O UOL encaminhou as críticas dos especialistas à assessoria de imprensa do governador do Rio que, até o momento, não se manifestou. A reportagem será atualizada assim que Witzel se manifestar.
*Colaborou Igor Mello, do UOL, no Rio
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