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Parlamentares cobram "correções" na MP que suspende contratos de trabalho

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em coletiva sobre o novo coronavírus na sexta-feira (20) - Andre Coelho/Getty Images
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em coletiva sobre o novo coronavírus na sexta-feira (20) Imagem: Andre Coelho/Getty Images

Guilherme Mazieiro, Luciana Amaral e Carla Araújo

Do UOL, em Brasília

23/03/2020 13h03Atualizada em 23/03/2020 13h46

A medida provisória que permite a suspensão de contratos de trabalho por quatro meses, editada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), deve enfrentar dificuldades no Congresso.

Para ser aprovada, na melhor das hipóteses, os parlamentares deverão promover "correções" no texto a fim de incluir mais garantias aos trabalhadores.

De acordo com o que apurou o UOL, a negociação entre Congresso e governo previa a edição de uma MP que suspendesse contratos de trabalho, mas pagasse seguro-desemprego e permitisse a livre negociação de sindicatos com empresas para manter parte da renda dos trabalhadores.

O seguro-desemprego, por exemplo, não entrou na MP editada ontem pelo Planalto. Pelo texto, a negociação individual fica acima de acordos coletivos.

Se o governo não alterar o texto enviado, lideranças do Congresso já estudam alternativas, como devolvê-lo ao governo, montar uma força-tarefa para votá-lo e derrubá-lo, ou acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para considerá-lo inconstitucional.

A MP 927/2020 propõe a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses de modo que o empregador não precisa pagar salários durante esse período e fica garantida a vaga do trabalhador, entre outros pontos, desde que em acordo mútuo entre as partes.

A iniciativa foi tomada como forma de amenizar perdas no mercado de trabalho e evitar a quebra de empresas durante a pandemia do coronavírus, justifica Bolsonaro. Não há, porém, explicação de como o trabalhador será recompensado pelo Executivo.

A MP tem força de lei por 60 dias, prorrogáveis por igual período. Se não for aprovada pelo Congresso Nacional dentro desse prazo, perde a validade.

Na Câmara, foi grande o incômodo entre lideranças do centrão - grupo majoritário e informal formado por PP, DEM, Republicanos, Solidariedade, MDB e PSD - pelo governo não ter cumprido o que havia sido discutido. Hoje, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já criticou o texto.

"Estou até perguntando se não sumiu em algum lugar parte da Medida Provisória. A gente tem que construir rapidamente com a equipe econômica uma sinalização clara de que estamos preocupados na manutenção dos empregos. Da forma como ficou é apenas uma insegurança nas relações de trabalho", afirmou.

O entendimento de parlamentares do centrão e da oposição é de que a medida do governo vai na contramão do que os países europeus têm feito: usar a máquina pública para sustentar a renda dos trabalhadores durante a crise sanitária.

Na visão do presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), só o trabalhador sai prejudicado. Ele entende que é "praticamente impossível organizar cursos para 45 milhões de empregados", como propõe a medida.

O líder da minoria no Senado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pediu aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolvam a MP ao governo federal.

O líder do Podemos no Senado, senador Alvaro Dias (PR), afirmou que a MP tem um "gravíssimo desacerto" ao propor que o trabalhador fique até quatro meses sem receber salário e disse que na crise é preciso cuidar dos mais pobres.

"Não há dúvidas de que o empresariado é parte absolutamente fundamental da economia nacional e deve ser protegido. Mas, no âmbito das relações trabalhistas, o mais frágil é o empregado. [...] Apelamos para que Vossa Excelência retire de imediato esse dispositivo, para o bem de nosso País", escreveu, em nota.

O líder do PSL no Senado, senador Major Olímpio (SP), também pediu a devolução da MP e a perda da vigência imediata do texto. Para ele, contrapartidas da União são fundamentais para garantir a subsistência dos trabalhadores.

"Não podemos apagar fogo com gasolina. A Medida Provisória do governo federal prejudica demais os trabalhadores sem dar um respaldo para eles. É preciso liberar o FGTS e o seguro-desemprego para que esses trabalhadores tenham como se sustentar nesse período difícil", falou.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que "falar de suspensão de contratos antes de garantir a renda mínima para subsistência do cidadão é um grave equívoco" e pediu a Bolsonaro a correção do texto da MP.

Governo não quer pressa para votar MP

O governo tentará postergar a votação das Medidas Provisórias relacionadas ao coronavírus editadas nos últimos dias. Isso porque já têm força de lei assim que publicadas e 120 dias pela frente para serem analisadas. Ou seja, não há razão de antecipar possíveis problemas na tramitação delas devido à resistência de parte de parlamentares.

No entanto, a tramitação de pautas no Congresso é definida por cúpula de senadores e deputados federais, e não depende da vontade do Planalto.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou à reportagem que a prioridade do Planalto no Senado nesta semana é votar amanhã a MP 899, que regulamenta a negociação de dívidas com a União. A medida perde validade na quarta-feira (25) se não for aprovada pelo Senado antes.

A votação está prevista para ocorrer por meio do sistema remoto, como na sexta (20) passada com a decretação de calamidade pública. Por enquanto, não há mais pautas a serem votadas programadas, inclusive porque o sistema virtual limita o que pode ser votado - uma matéria por vez e em regime de urgência. Mas a situação pode mudar de acordo com as necessidades do governo.

Em nota, a Subchefia de Assuntos Jurídicos do governo Bolsonaro defendeu que a suspensão de contratos de trabalho não será definida unilateralmente pelo empregador, cabendo ao trabalhador aceitar a condição.

"A retirada temporária da exigência de acordo ou convenção coletiva se justifica pela necessidade de otimizar e desburocratizar o procedimento, de modo a permitir que empregador e empregado negociem diretamente e por escrito, ajudando a evitar a demissão de trabalhadores em razão da crise provocada pela pandemia da covid-19", informou em nota.