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Bolsonaro pede isolamento parcial e vê 'normalidade democrática' ameaçada

ADRIANO MACHADO
Imagem: ADRIANO MACHADO

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

25/03/2020 08h37

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou hoje que pretende alterar o tipo de quarentena que tem sido recomendada para impedir que o coronavírus se espalhe ainda mais pelo país. Segundo ele, a ideia é incentivar um "isolamento vertical", e não o "horizontal", como estaria ocorrendo.

Ele defendeu que a medida seja adotada a idosos e pessoas do grupo de risco, e que parte dessa responsabilidade cabe aos filhos. Ao mesmo tempo, na entrevista concedida na saída do Palácio do Alvorada, o presidente criticou o Congresso, voltou a atacar os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e disse que até mesmo a "normalidade democrática" estaria sob ameaça.

A declaração ocorre um dia após Bolsonaro ter feito pronunciamento em que defendeu o fim das medidas de quarentena nas cidades, adotando postura na contramão das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A declaração foi alvo de críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM).

Nesta manhã, Bolsonaro afirmou que foi o autor do discurso e negou informações dadas pelo jornal Folha de S.Paulo que o texto teria sido radicalizado, atendendo um pedido da ala ideológica do governo para tentar recuperar o apoio de sua militância digital.

O último balanço do Ministério de Saúde, divulgado na tarde de ontem, diz que já foram contabilizadas 46 mortes no Brasil devido ao novo coronavírus. São 40 em São Paulo e 6 no Rio de Janeiro. Posteriormente, o prefeito de Porto Alegre anunciou a primeira morte na cidade, e o governo do Amazonas também confirmou a primeira morte no estado.

Inspiração do Japão

O mandatário não explicou detalhes sobre como seria o isolamento parcial, porém, na prática, isso significaria restringir a medida preventiva a idosos e pessoas de risco. O chefe do Executivo federal tem minimizado a gravidade do coronavírus e defendido, na contramão de autoridades e especialistas na área de saúde, que a sociedade volte à "normalidade".

Segundo Bolsonaro, a ideia do "isolamento vertical" surgiu depois que ele viu um "vídeo do Japão". "Tem o isolamento horizontal, que estão fazendo aqui, e tem o vertical. É o vertical. Peguei um vídeo agora do Japão, todo mundo na normalidade", disse.

"Você tem que pegar o idoso e isolá-lo, com hotéis ou em casa. Pô, cada filho cuida de seu pai, do seu avô, poxa. Não quer que eu contrate uma pessoa para cuidar de cada idoso, é impossível. Eu não sei a massa de idoso que tem no Brasil, são alguns milhões", explicou.

O presidente ressaltou, no entanto, que a decisão ainda não foi tomada. Ele disse que conversaria hoje com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para bater o martelo.

"Vou conversar com ele e tomar uma decisão. Não escreva que já decidi, não. Vou conversar com o Mandetta sobre essa orientação", informou.

"Normalidade democrática" ameaçada

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) endossou que a sua tese de que o isolamento social, medida adotada para impedir que o novo coronavírus se espalhe ainda mais pelo país, está "arrebentando com o Brasil".

Na visão do mandatário, as ações contra a pandemia nos estados e municípios levariam a um cenário de caos, onde até mesmo a "normalidade democrática" estaria sob ameaça.

"O que precisa ser feito? Botar esse povo para trabalhar. Preservar os idosos. Preservar aqueles que têm problema de saúde. Mais nada além disso. Caso contrário, o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que aconteceu no Brasil. Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago."

"Se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem. Ninguém sabe o que pode acontecer no Brasil", alegou.

Para basear suas declarações, Bolsonaro lembrou a situação vivida pelo Chile em outubro do ano passado, quando uma onda de protestos no país vizinho provocou uma grave crise social.

Em um período de duas semanas, pelo menos 20 chilenos morreram em confrontos entre a população e agentes de segurança. Caminhoneiros bloquearam estradas, manifestantes tentaram invadir o Congresso, e os jornais noticiaram denúncias de tortura e atos violentos por parte da polícia.

"Se a economia colapsar, não vai ter dinheiro para pagar servidor público. O caos está aí. Na nossa cara. O caos está aí. E detalhe: se tivermos problemas, e poderemos ter dos mais variados possíveis no Brasil, como saques a supermercados, entre outras coisas, o vírus continuará entre nós também."

"Não vai embora o vírus. Vamos ficar com o caos e com o vírus juntos", afirmou Bolsonaro ao deixar na manhã de hoje o Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente.

Bolsonaro critica "demagogia danada" de governadores

O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar os governadores, especialmente Doria e Witzel, dizendo que eles estão fazendo uma demagogia barata. Sem citá-los nominalmente, Bolsonaro disse que alguns poucos governadores estão fazendo um 'crime' e 'arrebentando com o Brasil' ao decretar quarentenas e fechamento de comércios.

"O que estão fazendo no Brasil, um poucos governadores e prefeitos, é um crime, eles estão arrebentando com o Brasil, destruindo empregos. O que eles falam que a economia é menos importante que a vida, cara pálida, não dissociem uma coisa da outra. Sem produção, vamos viver do quê?", questionou.

"Governadores, alguns poucos e não todos, em especial Rio e São Paulo, estão fazendo demagogia barata em cima disso, se colocando como Messias, que vão salvar o Brasil do caos. Não é esse o caminho que o Brasil deve seguir", completou.

Bolsonaro ainda disse que não está preocupado com a sua popularidade com a postura. "Não estou preocupado com a minha popularidade. Nós temos que tomar decisões neste momento difíceis. Não é eu procurar a mídia e ter um discurso de calamidade, histeria", disse.

Cloroquina

Assim como no discurso de ontem, Bolsonaro afirmou hoje, em tom otimista, que há indícios de que a cloroquina seria eficiente no combate ao coronavírus. As palavras do presidente contrariam o próprio ministro da Saúde, que chegou a pedir que a população não usasse o medicamento como medida de prevenção.

Segundo especialistas, não é possível saber se a fórmula será decisiva ou não contra o coronavírus. Também não há informações concretas sobre a possibilidade de efeitos colaterais. A substância é utilizada atualmente no tratamento da malária e de doenças autoimunes.

"Há relatos de pessoas de que [a cloroquina] está sendo 100% eficiente. Lógico que tem que ver a dosagem. A dosagem do remédio é importante", disse Bolsonaro.

No domingo (22), Mandetta pediu que a população não comprasse o medicamento. "Continuamos com indícios. Foram poucos pacientes, não sabemos se o medicamento foi decisivo ou não."

"Esse medicamento tem efeitos colaterais intensos e não devem ficar na casa para serem tomados sem orientação médica. Vão fazer uma série de lesões [se automedicando]. Leiam a bula, não é uma Dipirona", completou.