Topo

PF investiga pai ex-senador e filho deputado no TO por suspeita de desvios

Vicentinho Alves (foto) e seu filho acusam governador do Tocantins de persegui-los - Renato Costa/Folhapress
Vicentinho Alves (foto) e seu filho acusam governador do Tocantins de persegui-los Imagem: Renato Costa/Folhapress

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

16/04/2020 04h01Atualizada em 16/04/2020 20h20

Resumo da notícia

  • Polícia do Tocantins abriu investigação contra Vicentinho Alves e filho
  • O caso foi parar na Polícia Federal
  • Políticos denunciam superfaturamentos e se dizem perseguidos pelo governador
  • O governador afirma desconhecer a investigação

A Polícia Federal recebeu, este mês, documentos que apontam possível esquema de desvio de verbas envolvendo o ex-senador Vicentinho Alves (PL-TO) e o filho dele, o deputado federal Vicentinho Júnior (PL-TO).

Os papéis sugerem "supostas irregularidades na liberação de emendas parlamentares quando do exercício do mandato de senador da República, e, ainda, (...) eventual ocorrência de infrações penais supostamente praticadas por atual deputado federal", escreveu o delegado da Divisão Especial de Repressão à Corrupção (Decor) da Polícia Civil do Tocantins Gilberto Augusto de Oliveira.

O caso foi enviado à PF por envolver verbas federais, e a investigação está apenas no início, ponderou uma fonte. A documentação foi remetida ainda ao Ministério Público do Tocantins e à Controladoria Geral da União (CGU), em Brasília.

A apuração começou com uma carta anônima que, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Tocantins, tem trechos verossímeis.

Vicentinho e Júnior denunciaram que eram alvos de dossiê

Ao UOL, Vicentinho Alves, que deixou o Senado em 2019, e Vicentinho Júnior negaram as acusações e afirmaram ser vítimas de um "dossiê" anunciado no início de março em um bate-boca na Câmara. Eles acusaram o governador do Tocantins, Mauro Carlesse (DEM), o secretário de Segurança, Cristiano Barbosa, e o deputado Carlos Gaguim (DEM-TO) de persegui-los.

Vicentinho Júnior disse que sofre retaliação por fazer oposição a Carlesse e denunciar compras supostamente superfaturadas, como marmitas em presídios, cestas básicas e equipamentos de saúde contra o coronavírus.

Registros da Câmara dos Deputados mostram que, em 12 de março, Junior relatou que seria alvo de um dossiê que, segundo ele, foi inadvertidamente revelado por Gaguim.

Em 13 de março, Vicentinho Júnior foi à PF em Palmas, mas, àquela altura, nada havia na corporação. A documentação só chegou aos federais em Brasília este mês e está sendo remetida a Palmas agora, apurou o UOL.

A assessoria de Carlesse disse à reportagem que o governador desconhece a investigação (veja mais no fim desse texto) e negou as irregularidades mencionadas por Júnior. A Polícia Federal não concedeu entrevistas para esclarecer o tema. O gabinete de Gaguim não prestou esclarecimentos.

Carta anônima gera boletim de ocorrência

Uma carta anônima com quatro páginas e 11 itens menciona supostos vínculos entre Vicentinho Alves e a CPI do Cachoeira, criada em 2012 para investigar o empresário Carlinhos Cachoeira, envolvido em esquema de jogos ilegais.

O documento também liga Vicentinho Alves à Operação Trem Pagador, que investigou cartel e propina na construção do trecho goiano da Ferrovia Norte-Sul. E acusa assessores de Vicentinho Júnior de serem donos de empresas de construção beneficiadas por decisões do deputado.

A carta também afirma que uma das assessoras de Júnior não mora em Brasília, mas em Belém — o deputado afirma que ela faz comunicação das ações do mandato em regime de teletrabalho.

A denúncia afirma que a empresa Connor Construções conseguiu contratos sem licitação em diversos municípios com aliados políticos do ex-senador Vicentinho Alves. A mesma construtora aparece como beneficiária de dinheiro de outras empresas investigadas na CPI do Cachoeira.

O ex-senador disse que não conhece os prefeitos das cidades indicadas na carta anônima, os proprietários da Connor nem o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Empreiteira já acusou ex-senador de propina

A carta ainda menciona um engenheiro sobrinho de Vicentinho que atuava na Ferrovia Norte-Sul e foi demitido na "faxina" promovida pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011. Os pagamentos autorizados por ele chegariam a um empresário que foi sócio de Vicentinho, do ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP) e do ex-presidente da Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha.

Em delação premiada, executivos da Andrade Gutierrez, como Clóvis Primo, disseram ao Ministério Público que pagaram propina a Vicentinho em 2010, a mando de Valdemar Costa Neto. Um investigador do caso relembrou ao UOL que o motivo dos pagamentos era manter o cartel de empreiteiras que dominava a construção da ferrovia da Valec.

Um procedimento que trata desse caso chegou a ser aberto pelo Supremo Tribunal Federal. Vicentinho Alves disse que já prestou todos os esclarecimentos e voltou a negar que tenha recebido propina. A reportagem não conseguiu informações sobre a situação desse procedimento para saber se ele foi concluído ou arquivado.

É coisa requentada e inventada. A gente é oposição ao governador Carlesse"
Vicentinho Alves, ex-senador

Governador nega interferência em investigações

Por meio de assessores, o governador Mauro Carlesse (DEM) negou interferência nas investigações. "A Secretaria da Comunicação informa que o governador do Estado não tem qualquer conhecimento sobre referida investigação relacionada aos parlamentares citados, uma vez que este é um trabalho que compete de órgãos de investigação, como a polícia", disse em nota. "O governador do Estado ocupa-se em executar ações de defesa dos interesses da população do Tocantins."

A Secretaria de Segurança disse que o inquérito da Polícia Civil não foi instaurado porque haveria envolvimento de dinheiro público de verbas federais, e não estaduais. O órgão disse que, a pedido de Vicentinho Júnior, repassou uma cópia da denúncia anônima a ele — que nega ter recebido o documento.

A secretaria defendeu a legalidade das apurações.

Todos os atos praticados pela Polícia Civil do Tocantins obedecem os procedimentos previstos em lei e estão sujeitos ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público"
Nota da Secretaria de Segurança

A reportagem não localizou a Connor Construções nem a CRT. Valdemar Costa Neto e Juquinha têm negado as acusações do Ministério Público e dos delatores.

Nesta quinta-feira (16), a Secretaria de Segurança Pública enviou comprovante de que enviou cópia da denúncia anônima ao gabinete do deputado Vicentinho Júnior, embora a confirmação do recebimento só tenha ocorrido hoje.

Em nota ao UOL, o parlamentar voltou a dizer que é perseguido pelas autoridades locais por fazer denúncias de corrupção contra Carlesse. Veja os principais trechos da nota enviada na noite de hoje.

NOTA DE ESCLARECIMENTO
É com grande perplexidade que o deputado federal Vicentinho Júnior e o ex-senador Vicente Alves de Oliveira vêm à público. (...) As denúncias remetidas à Polícia Federal, ao que tudo indica, são fruto de atividades engendradas pelo governador do Tocantins, Mauro Carlesse, do secretário de Segurança, Cristiano Sampaio, e do delegado Gilberto Augusto, que, a princípio, conduziu as investigações, tudo motivado pelas incansáveis denúncias de corrupção que diariamente o Deputado Vicentinho Júnior leva a efeito. O Deputado Federal, no bom exercício e no dever constitucional de seu mandato parlamentar, vem dia após dia levando à imprensa e às autoridades constituídas os desmandos praticados pelo governador Mauro Carlesse. E tais ações deram motivo à realização de um dossiê contra sua família, dossiê este já anunciado pelo Deputado Federal Carlos Gaguim, em reunião da Bancada Federal do Tocantins, que aconteceu na sala da primeira secretaria na Câmara dos Deputados no dia 11 de março, como veiculado na matéria do UOL. (...) Noticia uma suposta ligação do ex-senador Vicentinho Alves com a CPI do Cachoeira e com um empresa chamada Connor Construções. Denúncia irresponsável, eis que o ex-senador jamais teve qualquer contato, ou mesmo conhece o Sr. Carlos Cachoeira, e nunca foi chamado para prestar quaisquer esclarecimentos, seja na CPI ou outra linha de investigação. Igualmente, quanto à empresa Connor, desconhece totalmente quem são seus proprietários, tampouco onde realizam obras. Com relação a esta empresa, o ex-senador chegou a prestar esclarecimentos à Polícia Federal, na condição de testemunha, ainda no ano de 2019, momento em que esclareceu desconhecer por completo seus representantes, bem como a inverídica afirmação de que a firma executava obras em municípios que lhe apoiavam. Inverídica, também, a ligação do ex-senador com a Operação Trem Pagador. Importante mencionar que referidos fatos foram investigados pelo Ministério Público Federal, onde o ex-senador, ainda no ano de 2018, prestou todos os esclarecimentos. Neste inquérito, os proprietários da empresa Andrade Gutierrez afirmaram, textualmente, desconhecer o ex-senador Vicentinho Alves e a ausência de qualquer ligação da empresa com o então mandatário, o que desnuda a inverídica e questionável delação do executivo Clóvis Primo. Referido inquérito, antes em trâmite junto ao STF, foi remetido e hoje encontra-se na Justiça Federal de Goiás, onde acredita-se seja arquivado. Outra leviana denúncia contida na reportagem menciona um sobrinho do ex-senador, Aldo Mário Simonassi. O engenheiro trabalhou na Valec, todavia sempre como Engenheiro de Campo, jamais tendo assinado qualquer medição ou autorizado pagamento a empresas prestadoras de serviço, como ilegalmente mencionado na denúncia anônima. Já o ex-senador Vicentinho Alves fez um contrato de parceria com os senhores Valdemar Costa Neto e José Francisco das Neves, o qual teve como objetivo unicamente realizar um inventário do Rio Balsas, dentro da sua propriedade rural, serviço este que não foi realizado e o contrato de parceria nunca se implementou.
Por último, a carta anônima menciona a existência de uma assessora do Deputado Federal Vicentinho Júnior, que não reside em Brasília. É a servidora Brenda Lucena, Arquiteta (recém-formada), e com conhecimentos na área de marketing tecnológico, a qual constrói e mantém ativa as redes sociais do parlamentar, em regime de teletrabalho (Home Office), situação permitida pela legislação, especial neste momento da pandemia da covid19. Com os esclarecimentos prestados, toda a população brasileira, em especial a do Estado do Tocantins, pode verificar o quão vazias são, e desprovidas de veracidade. (...) O parlamentar e o ex-senador colocam-se, desde já à inteira disposição da Polícia Federal e Ministério Público Federal para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.
Deputado Federal Vicentinho Júnior