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Revogação feita por Bolsonaro ajuda facções e milícias, dizem pesquisadores

Decisão de Jair Bolsonaro colabora com a atuação do crime organizado e de milícias, dizem pesquisadores de segurança pública - Adriano Machado/Reuters
Decisão de Jair Bolsonaro colabora com a atuação do crime organizado e de milícias, dizem pesquisadores de segurança pública Imagem: Adriano Machado/Reuters

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

17/04/2020 17h03Atualizada em 18/04/2020 19h49

Resumo da notícia

  • Bolsonaro revogou três portarias que previam fiscalização de armas e munições
  • Para especialistas, revogação atrapalha trabalhos de investigação de polícias
  • Existiam regras de marcação anteriores, mas consideradas insuficientes e defasadas
  • Bolsonaro disse que as revogou por elas não se adequarem às suas diretrizes

O ato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de revogar três portarias deste mês do Colog (Comando Logístico), que determinavam um mais rígido rastreamento, identificação e marcação de armas e munições, colabora com a atuação do crime organizado e de milícias, uma vez que fragiliza trabalhos de investigação da polícia. A análise é de pesquisadores renomados de segurança pública no Brasil.

Bolsonaro anunciou a revogação das portarias número 46, 60 e 61 por não se adequarem às suas diretrizes. Trata-se de um posicionamento favorável aos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), grupo que apoia o presidente.

Na prática, os pesquisadores apontam que o Brasil deixou de avançar. Agora, retornou à portaria número 7, de 28 de abril de 2006, que já determinava marcações, mas insuficientes e tecnologicamente defasadas.

As portarias estabeleciam o SisNar (Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército), que tinha por finalidade acompanhar e rastrear os PCE (Produtos Controlados pelo Exército), além de dispositivos de segurança, realizar a identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas, e marcação de embalagens e cartuchos de munição.

No Brasil, a PF (Polícia Federal) concentra a responsabilidade de conceder licença de ter arma e fazer fiscalização de uma pessoa comum, para sua segurança pessoal. E o comando do Exército faz o controle para CACs. Cabe ao Exército, também, fiscalizar a fabricação, venda e circulação de armas em geral, independentemente se é para CACs ou pessoa comum.

"Atrapalha investigações"

Segundo Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Bolsonaro revogou o sistema de controle e fiscalização que o próprio comando do Exército criou para fiscalizar armas e munições. "Ao derrubar essa portaria, derrubou o sistema. Com uma canetada, impediu que o Exército brasileiro rastreie armas e munições que continuam a ser vendidas", diz.

"Bolsonaro derrubou todas as regras que determinam a marcação de munições e cartuchos, inclusive de itens nacionais. Isso vai atrapalhar trabalhos de investigação. O exemplo mais conhecido é a morte da Marielle [Franco], que começou a ter evidências sobre os autores do crime após a polícia encontrar as munições usadas naquele ato", afirma Marques.

O pesquisador complementa que tanto o crime organizado quantos as milícias terão mais facilidade para atuar.

"A gente sabe da ligação espúria entre milícia e crime organizado com forças policiais. Se há um desvio — e sabemos que existe — de órgãos públicos para milícia e crime organizado, se nada for colocado no lugar do sistema de rastreamento, vão conseguir ter armas irrastreáveis. Favorece o crime de maneira geral."

"Bolsonaro facilita o crime em geral"

Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, também relembra o homicídio da vereadora Marielle Franco para explicar a revogação. "O caso da Marielle teve o lote desviado da PF, acima do padrão de 10 mil munições misturando calibres etc. Esse problema tinha sido resolvido com as portarias. Além disso, obrigava todas as polícias a terem sistema eletrônico de controle de munição. Agora, facilita o policial corrupto que desvia", diz.

"Na medida em que dificulta o rastreamento e marcação, Bolsonaro facilita o crime em geral, inclusive milícia. Em casos de chacinas que têm policiais como executores, por exemplo, a investigação terá menos controle. Nos casos da juíza Patrícia Accioli, no Rio, e das chacinas do Jardim Rosana e Osasco, em São Paulo, só foi possível esclarecer por conta dessa marcação nas munições", exemplifica Langeani.

Já Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em segurança pública, "o ponto central da discussão é que qualquer decreto que mude, em qualquer contexto, diminuição de marcação de arma e não necessidade de marcação é um problema, porque a marcação é fundamental para poder fazer investigação".

O professor da FGV defende que o país deveria seguir o caminho oposto ao que foi determinado por Bolsonaro, nesse tema. "Deveria haver ainda mais controle sobre armas e lotes no Brasil. A revogação facilita qualquer ação de qualquer grupo criminoso, porque dificulta a investigação de crimes", pondera Alcadipani.

Procurado, o Planalto não se manifestou sobre as críticas dos pesquisadores até a publicação desta reportagem.