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Videomaker relata ameaças após comparar Bolsonaro, cloroquina e Tiririca

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

18/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Crítico do presidente técnica de montagem de vídeos, conhecida como 'deep fake', para fazer humor
  • Depois de vídeo que mistura com Bolsonaro, Tiririca e cloroquina, ele afirma ter recebido ameaças por telefone
  • Advogados dele dizem que vão procurar a polícia e a Promotoria

Logo após uma piada com a "pregação" de Jair Bolsonaro sobre a cloroquina e a música "Florentina", do cantor e deputado Tiririca (PR-SP), ameaças de morte e estupro passaram a ser feitas contra um produtor de vídeos do interior de Minas Gerais.

Bruno Sartori, 30 anos, é um jornalista que entrou para a política. Suplente de vereador pelo PTB em Unaí, agora ele se dedica a fazer críticas ao presidente usando vídeos de humor com a técnica de montagem de vídeos conhecida como "deep fake".

Após o recebimento das mensagens, os advogados de Sartori estudam registrar queixa-crime no Ministério Público ou na Polícia Civil na semana que vem.

Em 2 de abril, Sartori publicou em suas redes sociais uma montagem de Tiririca com o rosto de Bolsonaro cantando a melodia do hit-chiclete "Florentina". "Cloroquina, cloroquina/ Cloroquina tem no SUS/ Não sei se funciona/ mas a gente deduz", diz a letra. Era uma crítica ao modo como o presidente trata um possível remédio para combater a pandemia de coronavírus.

O número de telefone de Sartori não é divulgado em redes sociais, mas apenas o de seu assessor na produção dos vídeos. No dia seguinte à publicação do vídeo da "Florentina", em 3 de abril, ele e seu assessor receberam mensagens de WhatsApp de um número registrado nos Estados Unidos em tom ameaçador.

Perfil com foto de PMs armados dizia: "Vai te pegar"

Uma conta com a foto de um pelotão encapuzado e armado da Polícia Militar enviou uma mensagem dizendo: "Minha Guarnição Vai te pegar", seguida de um desenho de uma faca e uma caveira. "Aproveite Bem Essa Quarentena Seu mlk", continuou, em referência ao perído de isolamento social da covid-19. O UOL manteve a grafia usada nos textos.

Depois, foram colocados nome, telefones e endereços de Sartori e de sua mãe, como se tivessem sido extraídos de um banco de dados de segurança pública, com acesso exclusivo por policiais.

17.abr.2020 - O produtor de vídeos Bruno Sartori, que faz críticas humorísticas a Jair Bolsonaro, relatou receber ameaças de morte por telefone e por redes sociais depois de ele publicar vídeo com montagem do presidente como se fosse o cantor Tiririca cantando "Florentina" - Reprodução - Reprodução
"Minha guarnição vai te pegar", diz ameaça
Imagem: Reprodução

O autor das mensagens fez uma referência a Bolsonaro. "Vamos te ensinar a Respeitar o Presidente". O perfil indicava "Papa Mike MG", uma gíria da corporação para "Polícia Militar de Minas Gerais".

A conta de WhatsApp utilizada para enviar as ameaças a Sartori continua ativa. O UOL telefonou e mandou mensagens para o número indicado mas ninguém atendeu ou prestou esclarecimentos.

A PM de Minas disse que a farda não é a da corporação, mas afirmou que se "parece com uma série de recortes da internet". "A Polícia Militar, sempre preocupada, em toda situação que chega, ela sempre envolve a Diretoria de Inteligência para que nós apuremos se alguém está tentando macular o nome da corporação ou se há um crime em andamento que tenhamos que tomar algum tipo de providência", disse a assessoria ao UOL.

"Metralhadora na cara"

Dias depois da primeira ameaça, Sartori recebeu uma nova. Desta vez, o ato partiu de um perfil em rede social com o nome de um homem que diz ser natural de Campina Grande (PB), mas morador de Orlando, nos EUA. Em 6 de abril Sartori gravou em vídeo a conversa dessa pessoa com ele.

O homem explica o motivo dos ataques. "Mexer com Bolsonaro, você vai mexer com uma nação", disse ele, em um dos primeiros áudios, antes de enfileirar uma série de palavrões.

O homem ainda ameaça estuprar o produtor de vídeos e colocar uma arma em seu rosto. "Eu moro em Orlando, na Flórida. Vem aqui para eu comer seu c* aqui. Aqui eu boto uma metralhadora na sua cara. Sou cidadão americano."

O perfil do Instagram não pode mais ser acessado. Sartori repassou à reportagem um perfil de Facebook do mesmo homem de Orlando que fez as ameaças. O UOL entrou em contato com ele por meio de mensagens e solicitou uma entrevista por telefone, mas não houve retorno. O perfil dele indica que é um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, mas não há indicação de que trabalhe como policial ou outra profissão com acesso a armamentos.

"Tomara que Bolsonaro seja reeleito", diz

Sartori disse ao UOL que não entende que suas críticas políticas, que usam a ferramenta do humor, passaram os limites aceitáveis. Para ele, ainda que isso não seja justificável, as paródias não poderiam incentivar pessoas a fazer ameaças ou cometer outros crimes.

"Ofensa é [algo] muito subjetivo", disse o videomaker. "Você pode falar que o presidente é ruim, e a pessoa se ofender. Essas ameaças me pareceram vir depois que eu publiquei a paródia da Florentina. Foi o vídeo pelo qual eu fui mais atacado."

Ele disse que não é contra o uso da cloroquina, mas quis fazer piada do modo não científico como o Bolsonaro defende o medicamento, que, ao menos até o momento, não tem eficácia e segurança comprovadas. "A gente espera que realmente funcione, mas isso tem que ser feito dentro de uma questão científica", disse Sartori.

Tomara que o Bolsonaro encontre o remédio que cure a covid, que se espalhe para o resto do mundo e que ele se reeleja por muitos e muitos anos por causa disso. Quantas vidas não vão ser salvas se um remédio assim for encontrado?
Bruno Sartori, suplente de vereador pelo PTB

"Deep fake" é usada no humor e em fraudes

A "deep fake" é uma técnica de montagem em vídeos em que o rosto e até a voz de uma pessoa são colocados no corpo de outra. Quando o público é avisado de que se trata de uma montagem, costuma ser usada como humor.

No entanto, se esse aviso não for feito, a 'deep fake' pode ser usada para enganar pessoas com vídeos falsos, colocando, por exemplo, políticos e autoridades, em situações constrangedoras em época de eleições ou polarização política.