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Saída de Moro oferece risco ao mandato de Jair Bolsonaro? Veja cenários

Presidente Jair Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade e em crime comum, dizem juristas  - ADRIANO MACHADO
Presidente Jair Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade e em crime comum, dizem juristas Imagem: ADRIANO MACHADO

Alex Tajra, Marcelo Oliveira, Luís Adorno e Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

25/04/2020 04h00Atualizada em 25/04/2020 16h53

O pedido de demissão do ministro Sergio Moro levantou mais uma vez a hipótese de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha cometido crime de responsabilidade e esteja sujeito a um processo de impeachment. Segundo declarou Moro ontem, Bolsonaro forjou sua assinatura e mentiu no decreto que exonerou Marcelo Valeixo, agora ex-diretor-geral da Polícia Federal.

O texto do decreto afirmava que Valeixo foi demitido "a pedido", ou seja, o diretor teria requisitado sua demissão. Mas Moro afirmou que isso não aconteceu e que não assinou o documento publicado no Diário Oficial. Horas depois, o governo republicou o ato do presidente sem a assinatura do agora ex-ministro da Justiça. A primeira versão trazia a assinatura eletrônica de Moro.

Dessa forma, segundo juristas ouvidos pela reportagem do UOL, Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade e em crime comum (falsidade ideológica).

Tanto o julgamento por crime de responsabilidade ou crime comum quanto o processo de impeachment em si têm ritos específicos:

Impeachment por crime comum

  • PGR (Procurador-Geral da República) denuncia o presidente
  • STF (Supremo Tribunal Federal) acata denúncia
  • Câmara dos Deputados vota denúncia e tem de aprovar com 342 votos
  • Após aprovação, STF julga se presidente será cassado ou não
  • Observação: STF pode, mesmo depois da votação, derrubar a denúncia

Impeachment por crime de responsabilidade

  • Qualquer cidadão pode denunciar
  • Presidente da Câmara decide se pauta ou não
  • Caso seja pautado, 342 dos 513 deputados têm de aprovar
  • Se aprovado, presidente é julgado pelo Senado, em sessões presididas pelo presidente do STF
  • Observação: Após aprovação na Câmara, o presidente já é afastado e assume o vice-presidente

Na quarta-feira (22), o ex-candidato a presidente Ciro Gomes e o presidente do PDT, Carlos Lupi, apresentaram um pedido de impeachment contra Bolsonaro, e os pedidos nesse sentido que estão sob a batuta de Maia chegaram a 24. Eles alegam que o presidente cometeu crime de responsabilidade ao endossar e participar de manifestações favoráveis a um golpe militar e a um "novo AI-5".

Entre os 24 pedidos, existe o que foi apresentado por parte da bancada do PSol. Ontem o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), líder da oposição no Senado, disse que vai apresentar um novo pedido.

Um terceiro cenário

No momento, há um mais um cenário em jogo: se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, atuar provocado pelo STF.

Dois advogados de Brasília, José Rossini Campos do Couto Corrêa e Thiago Santos Aguiar de Pádua, entraram com um mandado de segurança no STF contra Rodrigo Maia. Eles pedem que o presidente da Câmara analise o pedido de impeachment por eles formulado contra o presidente.

O ministro Celso de Mello é o relator do processo e pediu que Maia responda o porquê de não ter analisado o pedido de impeachment redigido pelos advogados. Mello também citou o presidente Jair Bolsonaro no processo.

Nesse pedido, Maia poderá responder ao ministro Celso de Mello informando por que decidiu não abrir processo de impeachment contra o presidente ou informando que decidiu autorizar o processo. Na segunda hipótese, inicia-se o trâmite de impeachment na Câmara.

O que dizem os especialistas

Querer ter acesso a relatórios confidenciais é crime. Querer obstruir a Justiça em casos no STF é crime. E mais, houve ato de demissão com falsidade ideológica. Eu sempre digo que crimes de responsabilidade não faltam há muito tempo. Aqui, só nesse episódio, tem crimes de responsabilidade, que podem gerar o impeachment, tem crimes comuns, do código penal, tem crimes contra a lei de improbidade administrativa."
Gilson Dipp, ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça)

Moro acusou hoje Bolsonaro de crime de responsabilidade. Acho que a gente já vinha vendo alguns, mas talvez seja o mais grave colocado por alguém que tenha sido seu fiel escudeiro. O debate sobre impeachment hoje entra no Brasil em uma nova fase."
Pedro Abramovay, mestre em Direito Constitucional e ex-Secretário Nacional de Justiça

O pronunciamento de Sergio Moro é uma verdadeira delação. Revela o desejo do presidente de ter ingerência em casos em andamento. De ter 'informações de inteligência', que nada mais é do que a tentativa de uso político da Polícia Federal. Na medida em que fala que Bolsonaro tem medo dos inquéritos, o coloca como um suspeito sem dizer as palavras."
Bruno Salles, criminalista e sócio do Cavalcanti, Sion e Salles Advogados

Bolsonaro cometeu crimes contra a probidade na administração pública, como a expedição de ordens contrárias à Constituição Federal, além da infração das normas legais no provimento dos cargos públicos, culminando com procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, todos elencados nos incisos 4, 5 e 7 do artigo nono da Lei 1.079/1050."
Vera Chemim, advogada constitucionalista

[As declarações de Bolsonaro] Sinalizam a ocorrência de crime de falsidade ideológica e de responsabilidade do presidente da República, na assinatura de ato inexistente de exoneração a pedido do diretor-geral da PF. Ambas as ocorrências precisam ser devidamente apuradas."
Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República)

Ficou explícito em seu pronunciamento que Bolsonaro poderá responder por crime de responsabilidade, a depender do uso que fará de sua influência nos departamentos de Policia Federal, incluindo as superintendências estaduais. Entendo que os atos do presidente em relação à pandemia podem configurar crime, e a interferência direta nas atividades de investigação da Polícia também pode configurar crime de responsabilidade"
Sylvia Urquiza, especialista em Direito Penal e compliance