Topo

FHC, Lula e Dilma não interferiram na PF como Bolsonaro, diz ex-delegado

Delegado federal aposentado, José Pinto de Luna foi superintendente da PF em Alagoas  - Arquivo pessoal
Delegado federal aposentado, José Pinto de Luna foi superintendente da PF em Alagoas Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

25/04/2020 04h00Atualizada em 25/04/2020 11h10

O delegado federal aposentado José Pinto de Luna afirma que a interferência com indicações e a ingerência na PF (Polícia Federal) tentadas pelo presidente Jair Bolsonaro são algo novo na história recente da corporação.

"No tempo em que eu estive na PF, ninguém nunca interferiu na nossa investigação, e eu desconheço qualquer colega que tenha sofrido com ação política em suas ações", declara, em entrevista ao UOL.

Pinto de Luna se aposentou da PF em 2010 (após 24 anos de polícia, sendo 14 na federal e 10 na civil em São Paulo). Participou de investigações importantes, como a do flagrante do dinheiro na cueca de um assessor do então deputado federal José Guimarães (PT-CE) — irmão do ex-deputado federal José Genoino — e a da morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André (SP).

Luna chegou a se filiar ao PT em 2010 e candidatou-se a deputado federal por Alagoas — onde encerrou a carreira como superintendente da PF no estado —, mas não se elegeu e deixou o partido em outubro de 2015. Filiado ao PROS, disputou o cargo de governador de Alagoas em 2018, mas também acabou derrotado, por Renan Filho (MDB) ainda em primeiro turno.

"O ex-ministro Sérgio Moro tem razão quando diz que no governo Lula — e aí estendo a Dilma e ao governo FHC — ninguém interferiu. Na época do Lula e do FHC, havia tentativa de ingerência, sim, mas eles sempre rebateram esses assédios", revela.

"Hoje [ontem] vi uma entrevista do ex-ministro [da Justiça do governo FHC] José Carlos Dias, e concordo plenamente: nunca houve uma interferência como essa que Bolsonaro quer impor, com nomeação de superintendente, de diretor-geral. Isso é muito complicado", diz o delegado federal aposentado.

No caso do governo Dilma Rousseff, ele lembra que várias das operações tiveram aliados da base como alvo. "A prova disso é que o ministro da Justiça à época [Eduardo Cardozo] manteve o mesmo diretor-geral até o final do governo, mesmo com muitas investigações em curso que expuseram o governo da presidente Dilma", afirma.

Cobrança de relatórios indevida

Segundo Pinto de Luna, a cobrança por relatórios diários das ações da PF, feita pelo presidente Jair Bolsonaro, é algo infundada. "Investigação não é dirigida ao Presidente da República. Ela é dirigida ao MPF [Ministério Público Federal], com controle processual e legal, e ao Judiciário. Isso só interessa a delegado federal, MP e Judiciário. Só! E a gente pode estar investigando quem quer que seja. Ninguém tem que ficar sabendo de investigação nenhuma", explica.

No caso de informações de interesse da ordem e segurança institucional, o ex-delegado lembra que existe um setor específico da PF que produz esse tipo de informação.

"A PF tem um órgão específico para isso, que é até o antigo Dops [Departamento de Ordem Política e Social], que hoje são as delegacias chamadas de Delinst [Delegacia de Defesa Institucional]. É uma parte da PF que destina informação de ordem política e social. Por exemplo, ela informa se uma [estrada] BR vai ser interditada, se existe um movimento de conspiração contra o governo. São essas delegacias que produzem esses relatórios. As outras delegacias têm autonomia de investigação, porque não passa pelo aspecto político", comenta.

Pinto de Luna ressalta ainda que um dos procedimentos conhecidos e adotados pela PF é o respeito à condução dos inquéritos policiais. "Um delegado pode ter o inquérito avocado, ou seja, o chefe pode pegar e dar para outro tocar. Mas isso não acontece na PF, porque a gente preza pela autonomia do colega que está fazendo a investigação. Até isso, que é uma coisa pequena, nem o nosso chefe faz, por mais que o delegado seja novo, por mais simples que seja. Cada delegado tem sua investigação, e essa investigação sofre o controle externo do MPF."

Caso dos dólares na cueca

Como delegado, Pinto de Luna investigou casos marcantes. Ele lembra, por exemplo, do caso dos dólares na cueca. "Alertava meus superiores do que havia. Chegou [informação] ao mais alto nível, mas não protegeram nada! A transparência era total", alega.

Ao contrário de sua época, quando havia quadros mais enxutos, Luna acredita que hoje a PF não está totalmente blindada de interferências políticas.

"A PF renovou muitos seus quadros por conta de inúmeros concursos para delegados, peritos, agentes, escrivães e papiloscopistas, sem contudo tomar as devidas cautelas no processo de seleção, notadamente na investigação social e no perfil profissional, o que trouxe toda sorte de pessoas para dentro do órgão, inclusive alguns extremistas ideológicos. Como pode um filho de madeireiro ser lotado na delegacia de combate ao meio ambiente? Como pode uma pessoa que não gosta, declaradamente, de negros defender uma comunidade de remanescentes quilombolas?", questiona.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do que informou o terceiro parágrafo da matéria, o dinheiro na cueca foi encontrado com um assessor do então deputado federal José Guimarães, e não com ele mesmo. A informação foi corrigida.