Bolsonaro consegue deixar covid-19 em segundo plano na internet, diz FGV
Resumo da notícia
- Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que, nas redes sociais, a atual crise política deixou o novo coronavírus em segundo plano
- Discussões em torno das declarações do presidente e das demissões de Mandetta e Moro superaram as menções à covid-19
- Cientista social da FGV explica que tensionar as relações políticas é uma estratégia de comunicação pública do governo
Uma análise de dados divulgada hoje pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, nas redes sociais, a atual crise política envolvendo o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) deixou a pandemia do novo coronavírus em segundo plano nos últimos 15 dias. A discussão em torno das declarações do presidente e das demissões dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro supera as menções à covid-19 nesse período.
Os dados são referentes ao Twitter, a rede social mais ligada ao debate político. De acordo com a FGV, as discussões sobre o novo coronavírus foram ligeiramente mais numerosas do que as sobre o governo federal nas duas primeiras semanas de abril, cada uma delas tendo entre 1 milhão e 2 milhões de menções por dia. A queda de Mandetta, no entanto, marcou uma nova fase de debate público a partir do dia 16, e a covid-19 passou a ficar em segundo plano.
A política foi mais assunto do que o coronavírus por oito dias seguidos, a partir da troca de ministros na Saúde, em um debate alimentado também pelas carreatas do dia 19, que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso. As menções ao governo passaram de 6 milhões na última sexta-feira (24), quando Sérgio Moro pediu demissão, sendo seis vezes mais do que as menções ao coronavírus naquele dia.
A troca no Ministério da Saúde teria sido a forma que Bolsonaro encontrou para retomar o controle da narrativa política, dentro do possível. "Do ponto de vista do debate, a discussão [sobre Mandetta e Moro] tira a atenção das medidas sanitárias e passa a focar mais no aspecto político. Isso favorece o governo, traz a crise para um campo em que ele é capaz de atuar com maior protagonismo", explica o cientista social e pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV, Amaro Grassi.
O alcance da análise vai até a última terça-feira (28), dia em que Bolsonaro casou polêmica com a seguinte declaração, ao ser questionado sobre as mais de 5 mil mortes por covid-19 no Brasil: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre". Nessa data, foram cerca de 2 milhões de menções ao governo no Twitter, o dobro das referências ao próprio coronavírus.
"Essa é uma estratégia de comunicação pública do governo: tensionar as relações políticas, encontrar adversários e contrapor de forma muito evidente. Quando o presidente faz isso, ele está empurrando o custo da crise para os governadores e para os prefeitos, seus adversários", avalia o cientista social Grassi.
Base de Bolsonaro se reorganiza após saídas
A análise da FGV aponta que, na arena do Twitter, o governo federal sofreu dura derrota com a saída de Sérgio Moro. No dia de sua demissão, o campo da oposição ao presidente abarcou 71% do debate político — contra 15% dos bolsonaristas. Foi o melhor resultado dos opositores durante o mês de abril, no período estudado.
Movimentos parecidos, mas em menor intensidade, já haviam acontecido em 6 e 16 de abril, quando a demissão de Mandetta surgiu como possibilidade e, dez dias depois, foi concretizada. Apesar das críticas, a base bolsonarista no Twitter segue fiel ao presidente, quase sempre mantendo apoio em torno dos 16% do debate na rede.
"Com a saída do Moro, em primeiro momento houve uma repercussão muito negativa, mas logo a coisa se assentou, e o governo conseguiu retomar o foco do debate para a questão política, não para a questão sanitária. É isso que o presidente pretende: trazer a discussão para o âmbito político", explica Amaro Grassi, pesquisador da DAPP.
A Fundação Getúlio Vargas monitora o debate público na internet em uma iniciativa chamada Sala de Democracia Digital. A análise não leva em conta apenas hashtags e menções diretas de palavras-chave, mas um conjunto de formas com as quais os usuários se manifestam na internet nessas temáticas. Então há a comparação dos conjuntos que representam de um lado a pandemia e de outro os atores políticos.
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