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PGR se manifesta contra divulgação integral de vídeo: "uso político"

Augusto Aras, procurador-geral da República - Foto: Adriano Machado/Reuters
Augusto Aras, procurador-geral da República Imagem: Foto: Adriano Machado/Reuters

Do UOL, em São Paulo

14/05/2020 22h22

O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou de forma contrária à divulgação integral do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, citada pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) como prova da interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Polícia Federal.

Aras alegou possíveis usos eleitorais em 2022 dos conteúdos que aparecem no vídeo, que foi entregue pelo governo e visto por representantes da AGU (Advocacia-Geral da União), da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da defesa de Moro. Para o procurador, deve ser levantado o sigilo apenas das falas de Bolsonaro que digam respeito ao que está sendo investigado no inquérito.

"A divulgação integral do conteúdo o converteria, de instrumento técnico e legal de busca da reconstrução histórica de fatos, em arsenal de uso político, pré-eleitoral (2022), de instabilidade pública e de proliferação de querelas e de pretexto para investigações genéricas sobre pessoas, falas, opiniões e modos de expressão totalmente diversas do objeto das investigações, de modo a configurar fishing expedition", disse o procurador-geral em manifestação enviada ao ministro Celso de Mello, relator do inquérito no STF.

Fishing expedition é um termo usado no mundo jurídico para definir investigações criminais especulativas, sem objeto determinado, ou como diz a tradução do termo, "expedição de pesca", o ato de "pescar provas" em um material para fundamentar acusações posteriores.

Aras avançou na argumentação e disse que "outro grave efeito colateral seria politizar a própria atuação das instituições de Estado responsáveis pela condução dos trabalhos (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Judiciária), algo incompatível com o Estado democrático de direito, cujas instituições hão de primar pela impessoalidade, objetividade e técnica".

O PGR foi claro mais adiante ao citar novamente questões eleitorais como razão para manter o sigilo da íntegra do vídeo. "O Procurador-Geral da República não compactua com a utilização de investigações para servir, de forma oportunista, como palanque eleitoral precoce das eleições de 2022", disse.

Os trechos que Aras defende que fiquem sem o sigilo são os "que tratam da atuação da Polícia Federal, da 'segurança', do Ministério da Justiça, da Agência Brasileira de Inteligência e da alegada falta de informações de inteligência das agências públicas". Essas falas já aparecem transcritas em documento da AGU, que defende esse mesmo posicionamento sobre a publicação do vídeo.

A defesa de Sergio Moro reclamou da divulgação parcial e alegou que a AGU omitiu "trechos relevantes" da reunião em nota assinada pelo advogado Rodrigo Sánchez Rios.

"A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião -inclusive, na parte da 'segurança do RJ', do trecho imediatamente precedente', disse Rios.

Para o advogado, os acontecimentos posteriores à reunião, como a demissão do diretor-geral da PF, confirmariam que Bolsonaro se referia à Polícia Federal e não ao GSI.

"De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF, a troca do superintendente da PF e a exoneração do ministro da Justiça, confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI", afirmou.

Na terça-feira (12), o ministro Celso de Mello deu 48 horas para as manifestações da PGR, da AGU e da defesa de Moro sobre o sigilo do vídeo. O ex-juiz se posicionou publicamente favorável à divulgação integral.

O governo, desde antes da entrega do arquivo com as imagens da reunião ministerial, alega que o conteúdo não pode ser publicado totalmente porque nela "foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de Relações Exteriores, entre outros".

AGU disse que apenas dois trechos do vídeo correspondem às falas de Moro

A manifestação da AGU foi entregue no inquérito que apura as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro. O órgão afirma que apenas dois trechos com declarações do presidente têm relação com o inquérito. São esses dois trechos que foram transcritos no documento enviado ao Supremo.

No primeiro trecho, Bolsonaro reclama de não receber informações de órgãos do governo.

"Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da... da... da... porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque enchou os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referências a Nações amigas]. Então essa é a preocupação que temos que ter: "a questão estatégica". E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso - todos - é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade."

Em outro trecho da reunião, também transcrito pela AGU, o presidente afirma:

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira".

Ainda segundo a AGU, nesse momento da reunião Bolsonaro não faz referência, direta ou indireta, a "superintendente", "diretor-geral" ou "Polícia Federal".