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'Não vou esperar f. minha família', disse Bolsonaro em reunião investigada

Presidente Jair Bolsonaro - Foto: AFP
Presidente Jair Bolsonaro Imagem: Foto: AFP

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

14/05/2020 20h06Atualizada em 14/05/2020 23h20

O presidente Jair Bolsonaro afirmou na reunião ministerial de 22 de abril que não estava recebendo informações da Polícia Federal e iria "interferir", e também disse que não iria esperar "f. minha família" para fazer trocas na "segurança", segundo transcrição do encontro feita pela AGU (Advocacia-Geral da União) e entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Em documento enviado à corte, a AGU revela transcrições de trechos da fala do presidente durante a reunião. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusa Bolsonaro de tê-lo pressionado por trocas na Polícia Federal nesse encontro ministerial. Bolsonaro nega.

A manifestação da AGU foi entregue no inquérito que apura as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro. O ministro Celso de Mello, do STF, é o relator da investigação.

As falas do presidente constam de manifestação da AGU ao STF, na qual o órgão de assessoramento jurídico do governo pede que sejam tornados públicos apenas os trechos do vídeo da reunião com as falas de Bolsonaro, e que sejam mantidas em sigilo as declarações dos ministros.

A AGU afirma que apenas dois trechos com declarações de Bolsonaro têm relação com o inquérito. São esses dois trechos que foram transcritos no documento enviado ao Supremo.

No primeiro trecho, Bolsonaro reclama de não receber informações de órgãos do governo.

Diz a transcrição enviada pela AGU:

"Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da... da... da... porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque enchou os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referências a Nações amigas]. Então essa é a preocupação que temos que ter: "a questão estatégica". E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso - todos - é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade."

Em outro trecho da reunião, também transcrito pela AGU, o presidente afirma:

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira".

Ainda segundo a AGU, nesse momento da reunião Bolsonaro não faz referência, direta ou indireta, a "superintendente", "diretor-geral" ou "Polícia Federal".

Segundo afirma a AGU no documento entregue ao Supremo, há um intervalo de 50 minutos entre uma fala e outra do presidente e o termo "segurança nossa", usado por Bolsonaro, provavelmente se refere ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional), órgão da Presidência da República responsável pela segurança presidencial.

Na manifestação ao STF, a AGU também defende que seria "literal e objetivamente equivocado" afirmar que no momento em que Bolsonaro manifesta insatisfação com o recebimento de informações de órgãos do governo essa fala possa ser interpretada como a tentativa de obter informações sigilosas de investigações da Polícia Federal.

Para a AGU, as duas declarações de Bolsonaro na reunião que teriam relação com a investigação no STF não foram feitas no mesmo contexto durante a reunião e não teriam relação entre si. "As declarações presidenciais com alguma pertinência não estão no mesmo contexto, muitíssimo pelo contrário: estão elas temporal e radicalmente afastadas na própria sequência cronológica da reunião", diz a manifestação da AGU, assinada pelo advogado-geral da União, José Levi.

O ministro Celso de Mello, relator do inquérito, deverá decidir se mantém em sigilo ou dá publicidade ao vídeo com o registro da reunião ministerial.

Defesa de Moro diz que AGU omitiu trechos relevantes

Os advogados de Moro afirmam que foram surpreendidos com a petição da AGU, em favor do presidente da República, e que a foram omitidos "trechos relevantes".

"A transcrição parcial revela disparidade de armas pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa não tem. A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do Presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão, inclusive na parte da "segurança do RJ", o trecho imediatamente precedente.

Segundo a defesa do ex-minsitro, o trecho literal, comparado com os fatos posteriores — demissão de Maurício Valeixo do comando da PF e troca do superintendente da PF do Rio — "confirma que as referências diziam respeito a PF e não ao GSI."

Bolsonaro afirma que vai brigar para não revelar toda reunião

O presidente afirmou hoje, em sua transmissão semanal pelas redes sociais, que quem acreditava em um "xeque-mate" do ex-ministro Sergio Moro contra ele vai "cair do cavalo" com a divulgação do registro da reunião.

"Da minha parte, eu autorizo a divulgar todos os 20 minutos, até para ver dentro de um contexto. O restante a gente vai brigar, a gente espera que haja sensibilidade do relator. É uma reunião nossa. A gente espera que ele acolha isso. Tem palavrão no meio? Tem, é a minha maneira de ser. Quem não quiser ouvir palavrão, não assista. Entenda que é uma reunião reservada", disse.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.